Onde estava no 25 de Abril? Como alguns angolanos viveram o momento da revolução portuguesa

Depois de quinze anos de luta pela libertação e independência – numa guerra iniciada em Angola, que seguiu forte para a Guiné-Bissau e Moçambique -, dá-se o 25 de Abril como um desenlace que muitos esperavam. Em 1974 abre-se um novo capítulo, ainda que polémico, para o processo de descolonização. Como é que algumas personalidades angolanas viveram a Revolução portuguesa que pôs fim ao longo regime ditatorial fascista de Salazar e Caetano? Momentos de emoção ou de apreensão? O que foi dominante: a perplexidade, ou já era previsível? Em que circunstância se encontravam? Que implicações trouxe para a vida de cada um? Qual foi a percepção para o futuro do país? Conforme o lugar de enunciação, o 25 de Abril acabou com a guerra ou foi esta que o desencadeou? Recolhemos vários depoimentos que ajudam a construir este puzzle de memórias, pois para além da História que vem nos livros, interessa-nos as suas entrelinhas.*

Nelson Pestana - Bonavena

Quando se deu o 25 de Abril eu estava em Portugal. Cheguei a 27 de Março e os nossos planos, juntamente com o amigo Jorge Santos que chegara a 14 de Abril, era “dar o salto” no dia 18 de Abril. Eu tinha ido para Portugal no interesse de fugir e ir para França, depois seguiria para Argel e em seguida para Brazzaville. Tinha perdido uma saída em Setembro de 1973, por Cabinda, e depois o Jorge Santos, que regressava de Portugal, falou-me da possibilidade de partirmos para o exílio através de um canal ligado a amigos dele, guineenses.

Mas, como a transferência do dinheiro que iria suportar a operação não chegou de Angola, tivémos de ficar. E assim fomos “antecipados” pelo 25 de Abril. Não digo surpreendidos porque sabíamos que as coisas estavam a mexer, tinhamos sido informados sobre a acção das Caldas, dias antes de termos chegado a Lisboa.

A notícia do 25 de Abril soube-a na manhã desse dia. Vivi a enorme emoção da grande manifestação do 1º de Maio, as perseguições e a disputa violenta no interior da esquerda portuguesa, a cultura da imposição da vanguarda, desdobrei-me em activismos na Casa de Angola e fora dela, mas o dinheiro não vinha. Em Agosto, decidi voltar para Luanda, de onde me chegavam notícias quentes do activismo no interior. Partir deixou de ter sentido. Mas, quando voltei, o 25 de Abril ainda não se tinha instalado completamente em Angola.

O resto são outras contas de outros rosários (ou talvez não!).

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Conceição Legot 

Em 1974 estava em Paris, e ainda beneficiava de asilo político. Primeiro tinham-me arranjado uma bolsa para estudar na Checoslováquia. Lá apercebi-me que o regime comunista era mais uma lavagem de cérebro, estavam a formar agentes ideológicos que seriam depois os vectores da ideologia comunista no estrangeiro. Havia muitos estudantes estrangeiros na Checoslováquia. Não gostei do Ensino, pelas matérias, e decidi voltar para Paris. Quem me apoiou foi o Iko Carreira, disse-lhe que tinha de voltar para a capital francesa porque não me adaptava às línguas eslavas. Regressei a Paris, fiz o pedido e deram-me aquilo a que chamam o récépissé (autorização de permanência precária), por três meses, renovado em igual período. Andei assim durante três anos até me darem o asilo político. E a partir daí comecei a aperfeiçoar a língua francesa, antes de ir para a faculdade.

Quando se dá a revolução em Portugal estava quase divorciada – o divórcio definitivo só saiu em 1976 – mas tinha problemas, sobretudo ideológicos, com o meu ex-marido. A Manuela Margarido trabalhava como bibliotecária na Sorbonne e era uma das secretárias do presidente Mário Soares que, naquela altura, era exilado político e estava protegido pelo presidente François Mitterrand. Ela e o marido, Alfredo Margarido, conheceram-me em Luanda, ainda eu era estudante de liceu, tinha 17 anos. O Alfredo Margarido fazia parte dos 30 ou 40 jornalistas enviados para Angola para fazer um relatório sobre o clima do país. E, num cocktail dado pelo palácio do governo, em que convidaram alguns africanos só para figura de estilo, para dar aquele carácter de multiracialidade, eles vieram falar comigo. Marcámos um encontro no dia seguinte na casa das Mascarenhas e a primeira coisa que o Alfredo fez foi dar-me o livro de poesia do Nicolás Guillén,  de poesia revolucionária. Passei a estar sempre com eles.

Entretanto, o Alfredo, depois de ter publicado um artigo no jornal ABC, considerado como bastante insolente pela PIDE, foi enviado para Portugal. E eu encontrei-me novamente com eles quando estive em Lisboa, dois anos depois, e a seguir em Paris. Na sede do MPLA, em casa do falecido Câmara Pires, tio do Monty (Silva de Morais), que foi ministro dos Petróleos. A partir daí nunca mais nos separámos, eu e a Manuela estávamos sempre juntas.

Portanto, já sabia através da Manuela que os capitães preparavam um golpe, a maior parte deles tinha estado na guerra colonial em Angola, e aperceberam-se que a solução das colónias não passaria por uma solução militar. Quando acontece o 25 de Abril, a Manuela telefonou a dizer-me “hoje deu-se a revolução”. Para mim, agora à distância, foi uma das revoluções mais exemplares da história das revoluções que tenho ouvido falar. Teve uma adesão massiva da população. Não foi uma revolução que implicou o uso das armas como instrumento de reivindicação, embora fosse feita pelos militares. Também foi uma revolução que resultou do amadurecimento das forças políticas, não só houve a conscientização a nível dos militares de que a guerra era infrutífera por não ser a solução mais viável para a liberdade das colónias, como, ao mesmo tempo, em Portugal vivia-se uma situação de pressão de tal ordem que o povo atingiu o limite de aceitação. Havia uma conscientização da necessidade de mudança e de transformação social.

A associação de que aquela revolução em Portugal iria trazer a independência de Angola não a fiz logo, porque as coisas não se passam de uma maneira linear e rápida. Sabíamos que era preciso a libertação de Portugal para que as forças democráticas advindas dessa revolução pudessem libertar Angola. Fui-me sempre mantendo em contacto com a Manuela Margarido, porque ela tinha informações muito actualizadas e foi através dela que senti, de facto, que a independência poderia estar próxima.

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Filipe Petronilho

Quando me preparava para ir para a escola, só de rapazes, na Penha de França, Lisboa, numa manhã de quinta-feira bem cedo, a minha mãe disse-me que podia voltar para a cama, que não haveria aulas. Fiquei confuso. Ninguém me dissera nada na véspera. A professora Elisabete falara com a mesma ternura de sempre um “até amanhã”, como sempre o fizera!

Perguntei porquê?

– Não se pode andar nas ruas! Têm tanques!, disse a minha mãe telegraficamente.

Fiquei em estado de pura perplexidade: tanques na rua!? Tanques de lavar roupa no meio da rua!? Quem os pôs lá? Estariam no meio da estrada ou nos passeios? Estavam em todas as ruas? Não poderia eu contorná-los e ir para a escola? Gostava de ir para a escola, eu andava na quarta-classe! Fui à janela do 2º andar, rua inclinada de sentido único, na Graça, espreitei para um lado e para o outro e não vi tanque nenhum!

A porta da sala fechou-se. Só os adultos podiam lá entrar e conversar baixinho. Ficaram atentos à telefonia e à televisão. A situação era muito séria. Comportamentos esquivos, incompreensíveis. Os dias foram passando. Falava-se cada vez mais alto e a porta da sala acabou por ficar completamente aberta a quem quisesse entrar e trazer mais desenvolvimentos. Do fascismo, do Salazar, do Marcelo Caetano, do Spínola. Da revolução dos cravos. Falava-se de Angola, em voltar para o Lobito, para o Bairro da Luz, onde estavam as nossas duas casas, os amigos. A cidade onde nasci.

No dia 1º de Maio fui com o meu pai para a Alameda D. Afonso Henriques. Pôs-me às suas cavalitas. O meu pai estava especialmente feliz. O que eu via e ouvia foi único, um imenso mar de gente desconcertantemente alegre, gritando – “O Povo está com o MFA! Fascismo nunca mais!”.

Quando voltei para a escola já lá não estavam os quadros do Salazar nem do Marcelo Caetano nem do Américo Tomás! Mas era como se estivessem, a marca na parede ficou. A professora Elisabete conversou connosco, apaziguadora, contida. Não rezámos! Nunca mais rezámos. Lembro-me de ela ter dito que o que aconteceu era necessário. Era necessária uma mudança, mas ainda não sabia o que o futuro nos reservava.

Hoje, 40 anos depois, sei que a minha escola primária fechou há uns anos, quem vive na casa da Graça é o meu tio que voltou de Moçambique em 1976, que as duas casas do Lobito estão ocupadas por famílias. Eu estou em Luanda a viver e a trabalhar.

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Ismael Mateus

O 25 de Abril não existiu para os milhares de habitantes do campo de concentração de S. Nicolau, situado na orla marítima à distância de cerca de 150 km a Norte da capital do então distrito de Moçâmedes, junto ao rio de S. Nicolau, também conhecido por Bentiaba.

Enquanto em Portugal, e mesmo em Luanda, os acontecimentos se sucediam a grande velocidade, os dias do campo conseguiram, como sempre nos seus treze anos de vida, esconder a verdade do mundo exterior. Não se soube de nada: nem da destituição do Regime nem da exoneração do então governador-geral de Angola. O 25 de Abril dos presos de São Nicolau foi chegando. Primeiro, meros rumores sobre algo que se tinha passado em Portugal, depois, o nervosismo, a incerteza e o desespero manifestado pelos guardas ao serviço da PIDE-DGS, entretanto extinta. E de repente, a liberdade chegou.

Não houve rosas, nem cravos, nem armas. Foi um 25 de Abril de choro, muito choro, abraços, muitos abraços e apenas uma palavra: liberdade. Uma voz ao megafone deu a boa nova: “estão todos livres, dentro de dias, vão poder voltar para as vossas casas!”. Cerca de dez mil internados, entre presas e presos, muitos deles com direito a reunião familiar (mulheres e filhos, incluindo os nascidos no campo) começaram uma nova página, em liberdade, por força do 25 de Abril!

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Margarida Paredes

No dia 25 de Abril de 1974 era estudante na Universidade Católica de Lovaina, nessa altura já era militante credenciada do MPLA desde 1973. Também era membro do Angola Comité de Lovaina, uma delegação do Angola Comité de Amesterdão. Nessa semana tínhamos organizado um evento de solidariedade com os três movimentos de Libertação, MPLA, FRELIMO e PAIGC para recolha de fundos e propaganda. Fizemos uma exposição para divulgar a luta nacionalista, que identificávamos como revolucionária, uma festa na qual o Bonga cantou e um guerrilheiro do PAIGC para dar uma conferência, Corsino Tolentino. Ficámos à espera de Mário Soares que já não compareceu porque regressou a Lisboa.

Na noite de 24 para 25 fui jantar com o Corsino Tolentino à Casa dos Estudantes de Cabo Verde onde ele estava hospedado, e por volta das duas da manhã um dos estudantes ouviu na rádio que estava em marcha um levantamento militar em Portugal. Começámos todos a pular e aos gritos, a festejar o momento, a emoção e a alegria eram demais. Corsino Tolentino apelava à calma dizendo que antes de festejar tínhamos de saber quais eram as intenções dos militares mas ninguém o ouvia, já vivíamos há tantos anos sob a violência da guerra colonial e a repressão da ditadura sem saber quando o regime colonial terminaria, que nos agarrámos logo à esperança de que uma nova era estava a começar.

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Adolfo Maria

Estava em Brazzaville, no Congo. Tinha sido colocado na 2ª Região Político-militar do MPLA em 1969, depois de ter dirigido a rádio Angola Combatente. Estávamos no fim da preparação do lançamento da Revolta Activa. Tinha havido o Reajustamento, em Fevereiro, que considerámos um redondo fracasso; em vez de ser um movimento de rectificação da linha estratégica e um passo para a democratização foi o contrário. Então, alguns quadros começaram a reunir-se clandestinamente para saber como sair do impasse. Redigimos um apelo.

Nessa ocasião surge o 25 de Abril. Já tudo estava preparado, já a logística de retirada, de resguardo estava tratada com o governo congolês, a quem expusemos que não queríamos fazer outro movimento, era só uma questão de resolver os problemas dentro do MPLA – que tinham sido agravados uns meses antes com a Revolta do Leste, do [Daniel] Chipenda. Já estava tudo feito, o apelo redigido e tudo, quando eu, que ouvia muito a rádio, percebi que havia qualquer coisa. Por outro lado, as autoridades congolesas também nos chamaram e disseram que se passava algo em Lisboa e perguntaram-nos o que pensávamos fazer. Nós fizemos uma reunião para ver se valia a pena ir para a frente. Entendemos que sim, porque o MPLA estava muito fragilizado e a fase seguinte podia ser muito difícil, não só porque não se sabia qual a natureza do golpe em Portugal e o poder que seria instalado, como, também, tínhamos de concorrer com os outros movimentos nacionalistas angolanos. Decidimos ir para a frente com a Revolta Activa, o que nos obrigou a adiar a proclamação, prevista para 30 de Abril. Porquê? Porque tivemos de analisar a nova situação política portuguesa, os perigos do neocolonialismo, as manobras que poderiam resultar daí, a necessidade ou não de intensificar a luta armada para não termos uma situação de descolonização espúria, etc. O 25 de Abril representava, de um lado, como que o culminar de um longo período de sacrifícios, quer no exílio, quer na luta armada, mas não sabíamos se teríamos ainda de renovar sacrifícios, embora soubéssemos que seria por menos tempo, havia já um horizonte, havia já uma espécie de prazo, não sabíamos qual mas o colonialismo português estava já a um prazo anunciado.

Como havia pouca informação, o próprio presidente Agostinho Neto, que estava em digressão pelos EUA e Canadá, disse: “É um golpe da direita em Portugal, isso não nos interessa.” Portanto, não havia informação suficiente e, não posso precisar, mas a ideia que tenho é que não foi valorizado o golpe. Foi dito, mais umas manobras, mais uns problemas da política interna, saem uns, entram outros. Só alguns dias depois é que se começou a ter ideia da extensão do golpe militar e até do desenvolvimento de forças, mesmo em Portugal. Até lá, tudo era nebuloso.

Acho que ninguém acreditou, nem os próprios que fizeram o golpe em Portugal, que iria tomar tais proporções. Depois criou-se uma dinâmica, uma aceleração do processo e uma radicalização de posições, muito extremas, em poucos meses.

Marcolino Moco

Nessa altura frequentava o seminário e estava muito imbuído nas ideias nacionalistas. Seguíamos o que se passava em Portugal mas nunca pensámos que o 25 de Abril se desse tão cedo. As coisas estavam, aparentemente, tão amarradas.
Aconteceu como resultado de muita coisa junto: a luta contra a ditadura em Portugal e a luta de libertação, sobretudo na Guiné Bissau, que estava avançada, depois Moçambique e Angola. E a própria luta política, as Nações Unidas, o prestígio do socialismo soviético que apoiava as independências.

Não podia dizer isto há 20 anos atrás, era politicamente incorrecto. Mas entretanto estudei, ocupei funções e agora não tenho dúvidas. O que se precipitou foi a ocupação política do território e comunidades no final do século XIX. As independências podiam ter sido retardadas mas, com esse erro cometido, já era muito difícil. Depois surge o panafricanismo que é a consequência de outro erro que foi a escravatura, depois chegou a 1ª guerra mundial e  foi tudo uma cadeia difícil de evitar.

Temos de pensar como Nelson Mandela, “o passado já não se recupera, coloquemo-nos no presente para construir o futuro.”

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Jomo Fortunato

Em 1974, ano da Revolução dos Cravos, eu tinha treze anos. Uma idade que, embora permitisse perceber as mutações sociais ocorridas na altura, tal como a libertação dos presos políticos do Campo de São Nicolau, dos quais fazia parte o meu irmão, Jofre Caeiro da Fonseca Fortunato, e do Uanhenga Xitu, no Tarrafal, não foi suficiente para perceber que estava em causa a deposição do regime ditatorial do Estado Novo, liderada pelo Movimento das Forças Armadas. A compreensão dos reais contornos políticos do assunto, só vim a perceber mais tarde.

Musicalmente associo o 25 de Abril à estética musical revolucionária, empreendida pelo agrupamento “Kissanguela”, e das vozes que cantaram a emoção da liberdade com a  eclosão da  independência. Nos meus estudos sobre a periodização da história da Música Popular Angolana, o “Período Kissanguela”, que vai de 1974 a 1980, é, inquestionavelmente, uma das fases mais criativas da Música Popular Angolana.

Neste célebre período, o grupo “Kissanguela” congregou num só grito várias vozes que cantaram a eclosão da liberdade e os efeitos da emoção da Independência de Angola. Diríamos que foi a resposta, artística e revolucionária, da resistência à “longa noite colonial”, só possível com o 25 de Abril de 1974. Quando tudo isto aconteceu, estava em Luanda.

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Jerónimo Belo

Trabalhava na Biblioteca Central da Faculdade de Medicina da Universidade de Angola (Estudos Gerais; Universidade de Luanda e Universidade de Angola; apenas depois da Independência se passou a chamar Universidade Agostinho Neto, que foi o seu primeiro Reitor), junto ao Hospital Universitário. Frequentava os meios universitários da época, designadamente a Cantina, que funcionava junto à Biblioteca Geral da Universidade, numa área paralela à Marginal, hoje Av. 4 de Fevereiro.
Conhecia e mantinha contactos com vários angolanos nacionalistas e patriotas, que ambicionavam a Independência de Angola. Ouvia os programas organizados pelo Adolfo Maria, que eram transmitidos pela Rádio Brazaville. Conhecia e mantinha bons contactos com alguns estudantes universitários de esquerda e também alguns oficiais progressistas do exército colonial português.
Soube do 25 de Abril pela rádio, pela então Emissora Oficial de Angola. Este momento foi naturalmente vivido com grande exaltação. O que se procurava com maior urgência era obter notícias, contactos com o exterior, com militantes do Movimento Popular de Libertação de Angola.
Viveram-se momentos de enormíssimo entusiasmo militante, sonhou-se muito, cometeram-se enormíssimos excessos, todos os dias eram criados Comités para tudo o que se possa imaginar: apoio sanitário, alfabetização, etc, etc, etc, mas a preocupação dominante na capital angolana e noutras cidades desta imensa Angola era apenas uma: a Independência – total e completa – do país com o Movimento Popular de Libertação de Angola!
Dessa época, e apenas para mim, ficam algumas grandes questões:
Por um lado, a euforia irreverente e saudável que o “25” trouxe e a ruptura inequívoca com o passado cinzento salazarista-marcelista, que Abril impiedosamente esmagara, quase sem sangue e com cravos; e por outro, a vivência de um tempo no qual se podia sonhar com todas as utopias-individuais ou colectivas, num tempo em que se prometia aos portugueses e aos colonizados de então, horizontes optimistas de desenvolvimento e expansão.
Ficaram – e existem- muitas promessas por cumprir, mas o 25 de Abril é eterno, até porque, como disse exemplarmente o poeta angolano Ayres de Almeida Santos, autor de Meu Amor da Rua 11: ” A minha mãe veio e trouxe os meus milhões de irmãos”.

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Alcides Sakala

Estava no Huambo quando ouvi a notícia. Ouvimos a notícia na rádio mas já havia um clima de alguma suspeição de que poderia vir a passar-se algo do género. Naquela altura, a nossa interpretação foi logo que estávamos perante a consequência lógica das lutas dos três movimentos de libertação de Angola. Por isso, considerámos o 25 de Abril uma conquista dos povos de Portugal e dos povos das ex-colónias portuguesas.

Lembro-me que, quando ouvi a notícia, a sensação foi de alívio e de muita alegria. Havia um certo romantismo do jovem revolucionário que acreditava na mudança, e ainda não sabíamos que Angola se haveria de envolver numa luta fratricida. Se bem que hoje, com algum distanciamento, podemos aperceber-nos que a génese da guerra civil já lá estava, porque os três movimentos não conseguiram encontrar uma plataforma para combater o inimigo comum e isso teve repercussões depois da independência, agravadas pelo ambiente internacional da Guerra Fria e pelas posições maximalistas dos movimentos de libertação. A que se soma o facto de Portugal não ter sido capaz de descolonizar com sentido de história.

Desde o primeiro momento sentimos que a independência era absolutamente inevitável depois da revolução em Portugal, porque o sistema colonial português tinha-se esboroado e a Guiné já tinha conquistado a liberdade em 1973. O mais difícil foi constituir as sociedade pós-coloniais…

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Carlos Lousada 

Para os angolanos, ou os que viviam em Angola – devo lembrar que éramos “progressistas”, com tendências comunistas, até ouvíamos o programa de rádio do MPLA, “Angola Combatente” – não foi nada de especial. Nessa fase do fim da ditadura de Salazar, os portugueses, ou os “brancos” que viviam em Angola, e os angolanos, não sabiam que haveria independência!

Lembro-me até que houve uma espécie de comício, feito por um indivíduo de Viana, penso que era da FUA (Frente Unida de Angola), no qual se dizia mais ou menos isto: Salazar morreu, a ditadura acabou, e agora é que vai ser bom! Democracia e tal e tal! Mas não se referia a descolonização, nem o governo com partidos angolanos, e muito menos a independência! Devo dizer que não me lembro de ver negros no comício. Por essa razão acredito que a maior parte das pessoas em Angola não tinha a mínima ideia do que seria o pós-25 de Abril, nem sabia nada de democracia e muito menos de independência! Independentes já nós éramos há muito!

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Aurora Ferreira

Estava a fazer a licenciatura de História na Faculdade de Letras em Lisboa e morava com uma amiga. Fomos apanhadas de surpresa. Vivemos a época com muito entusiasmo. Envolvemo-nos muito na Casa de Angola, a apoiar o regresso dos estudantes angolanos. Começámos a ter reuniões, comissões de trabalho e a ter contacto com o MPLA. Fazíamos acções de solidariedade, por exemplo com Timor. Regressei a Angola em Janeiro de 1975, com apoio da Força Aérea. Voltaria a Portugal para acabar a licenciatura, em 1979.

 

Publicado originalmente no Especial 25 de abril, 2014, Rede Angola.

por Marta Lança
A ler | 28 Abril 2022 | 25 de abril, angola, descolonização, memória