"A música africana, ou lá o que isso é, vai ter mais protagonismo internacional", entrevista a Benjamin Lebrave

Benjamin Lebrave, foto de Marta Lança, Luanda 2008Benjamin Lebrave, foto de Marta Lança, Luanda 2008Regressou a Luanda para participar na 1ª Conferencia Internacional sobre Kuduro, e trouxe consigo o olho treinado de caça talentos. Visitou estudios nos musseques, conversou com produtores para alimentar a sua Akwaaba Music, uma plataforma digital que se dedica à música africana e cultura pop, dando visibilidade aos fenómenos de música que carecem de estrutura para chegar mais longe. Nos últimos três anos, Lebrave editou mais de 70 artistas de 15 países africanos e tem vindo a desenvolver uma rede global que abrange a produção de conteúdos, distribuição digital, marketing e licenciamento. Este parisiense sediou-se no Gana, mas viaja pelo Senegal, Costa do Marfim e Libéria, mostrando ao mundo o potencial sonoro do continente. Benjamin Lebrave é também um reconhecido dj internacional, com o pseudónimo de BBRAVE, foi neste papel que aqueceu uma inesquecível noite no Elinga.

Enquanto participante na Conferência internacional sobre kuduro, o que achou das abordagens plurais - música, ciências sociais, linguística - com a participação de kuduristas?
Acho que foi bom para nos conhecermos. Estou feliz por estar aqui e ter oportunidade para falar diretamente com kuduristas. A minha apresentação foi feita para eles. Acabou por ser um centro de pesquisa, para intelectuais, mas as apresentações muito académicas não sei se realmente ajudam.

Aqui em Angola, durante os primeiros anos, havia muita  desconfiança quanto ao kuduro, associando-o apenas a um fenómeno marginal e delinquente. Acha que passou o preconceito?
Falei com muita gente da cidade e ainda acham que é marginal. Os produtores, os dj’s, não querem ter nada a ver com a cultura, são famosos por causa do kuduro mas demarcam-se.

O que é mais interessante no kuduro?
Por não falar bem português não entendo quase nada das rimas do kuduro, então a mim interessa-me mais a parte da música. De maneira geral, quando escuto música não escuto letras. Em inglês e francês também. Eu tenho músicas preferidas sem saber do que falam. É muito interessante, o ritmo já está na cabeça sem conhecer, há espontaneidade na música. Gosto muito de música electrónica mas o que me chateia na música electrónica é não ser espontânea, mas sim uma “ciência”. Gosto do início, quando surgiu nos anos 70 em Detroit, porque não se preocupavam com a qualidade do som, eram ideias puras. Para mim a batida de kuduro é a mesma coisa. A música tem uma essência, pode ser repetitiva, mas há uma ideia. Cada batida é uma ideia.

Mas não corre o risco de ser facilmente absorvido numa espécie de “fórmula kuduro” que todos repetem perdendo essa espontaneidade?
Estive em Luanda há três anos atrás e agora é a mesma coisa. Há outras coisas mas se mudam já acham que não é kuduro. Mas porque é que não se chama kuduro ao que é diferente? Como se houvesse uma autenticidade qualquer do kuduro.

Quais são as referências que mais gosta no kuduro? Colaborou, por exemplo, na divulgação do trabalho de Killamu.
Gosto muito do Killamu do bairro Marçal. Não tenho uma visão totalmente geral, tenho um ponto de vista estrangeiro: o Killamu tem um som com muitas ideias, mas é uma pena que não tenha uma estrutura. Acho-o um grande artista.

Que voz transmite o kuduro?
Eu gostava muito de Rap quando era jovem, e acho que o Kuduro, como o Rap, é muito forte. É como um porta-voz. Aqui em Luanda fiquei numa casa nos Combatentes e, quando atravesso a rua, parece já outro mundo com o qual ninguém se preocupa. Então acho que é a voz desse mundo.

Quais são as influências de outros neros musicais na Pop africana como base de pesquisa para a sua label Akwaaba music?
De maneira geral acho que a black music tem crescido na representação. Nos últimos meses há um género, o Afrobeats, que é mais tipo Pop da Nigéria com um pouco de House da África do Sul. Começa a tocar muito em Inglaterra nas rádios mainstream como a BBC1. Para mim África tem um potencial de domínio musical no mundo. Acho que por várias razões o povo aqui tem mais espontaneidade, porque a dança faz parte e é mais natural para um africano do que para um europeu fazer-se música para dançar. E são músicas com muito potencial. O afrobeats é o primeiro sinal disso. Acho que há razões para mais empoderamento: as ligações técnicas, musicais e a globalização.

Ou seja, até agora a música africana era um segredo bem guardado…
E a música hoje não pede tantas estruturas como antigamente, em que era preciso muito dinheiro para gravar um disco.

muita auto-produção, estúdios caseiros, faz-se música sozinho, não se precisa de uma banda?
Acho que agora os artistas africanos estão numa base de igualdade com os artistas lá fora.

Podem competir da mesma forma, quer dizer?
Exactamente.

No entanto, essa criatividade cria muitas dependências de alguém com patrocínio. Os kuduristas ainda pensam:quem é que pode apoiar o meu disco?” Parece-me que se vive grande desigualdade de acesso aos meios.
Ainda não chegámos ao ponto de democratização dos meios mas estamos no caminho.

Como é que surgiu a ideia de criar a Akwaaba?
Começou quando eu estava a trabalhar para um distribuidor de música na internet em 2007. O meu trabalho era conectar editoras, sobretudo nos EUA e Europa. Nessa altura não fazia ideia de como levar a música para fora. Existia uma indústria de world music que, é para mim, uma visão muito limitada, não é a verdadeira música de África. Não acho a música má, é boa, mas existe muito mais. Conheci o kuduro em 2006 e pensei: o que é isto? Isto não é world music, é muito melhor! Tenho sensibilidade de dj e gosto de músicas para dançar. Depois de ter um catálogo suficiente para começar uma empresa, e de registá-la, fiz um website. Como já trabalhava na campanha de distribuição conhecia as agências etc. E assim comecei.

E como funcionam a distribuição e o seu princípio do50/50?
50 para o artista, 50 para o produtor. As opiniões dividem-se: quem ache um preço muito grande que eu faço pagar. Mas a verdade é que as vendas não são muitas.

E não compensa?
Eu não ganho muito dinheiro. A única maneira de os artistas ganharem bem é serem ou um grande sucesso ou fazer muitos shows.

Quais são os seus critérios quanto aos artistas?
Isso também está a mudar, porque inicialmente era mais inclusivo. Agora há mais gente a prestar atenção à Akwaaba e eu não posso chegar a todos.

A ser mais selectivo?
Agora estou mais selectivo. Mas quero começar uma outra editora, mas só de distribuição. Mas economicamente mais difícil.

Trabalha sozinho na Akaaba?
Sim mas com muita gente a ajudar: para fazer a mixtape, no website, nas capas….

Também faz gravações dos discos?
Agora um pouco porque tenho um pequeno estúdio, mas não sou um produtor de facto. Posso gravar vozes, coisas simples, mas fazer música não sei. Uma das ideias que eu tenho para a Akwaaba é ver projectos colaborativos. Falei com artistas aqui em Luanda para colaborarem com artistas do Gana, o que infelizmente ainda não acontece.

Então, o seu papel é também o de criar pontes de colaborações. Entre países e tempos. Faz compilações e re-edições de algumas músicas antigas, foi o caso da obra de Carlos Lamartine. Conte-nos como foi.
Encontrei-o no Brasil, estava lá a trabalhar com a Embaixada, e resolvemos fazer isso. Na verdade, há dois problemas em fazer re-edição: um os discos, outro os direitos. Num país como Angola, depois da guerra civil, é impossível determinar de quem são os direitos. Quero fazer algo que apoie os artistas e o problema com essas músicas antigas é que geralmente os contratos são muito maus para o artista. Ao querer fazer as coisas correctamente, faria um contracto com o produtor, mas não me interessa. O produtor é quem tem uma casa grande e o artista não, há muitos agora que nem têm guitarra para tocar. É complicado. Há muitos artistas que fariam um trabalho interessante, mas eticamente para mim não dá.

Há muito aproveitamento do talento dos músicos. Como se demarcas numa certa ética de trabalho?
Tento.

Faz questão que os músicos entendam o que está a trabalhar, mantendo a transparência no trabalho?
Na verdade acho que os músicos desconfiam, não existe uma maneira de verificar o que dizes Quando me vou embora é difícil para eles. Ao estar actualmente no Gana, é uma forma de saberem que não estou fora.  Na verdade é mais fácil trabalhar com os artistas que já têm experiência internacional porque eles sabem que é difícil. Percebem que 50/50 não é mau. Mas é irónico porque eu preferia ajudar mais os que não têm experiência. No Gana estou ligado a um músico que já vive em Londres há 10 anos, não é rico mas tem experiência, e eles acham que ele é muito fixe. Estou a falar de meninos que não têm nada. Mas agora é muito mais fácil porque há um website com muitos artistas e posso dar-lhes os contactos para falarem, há uma transparência pela acessibilidade.

Ainda a propósito da sua apresentação sobre kuduro, quais são os grandes passos para os kuduristas ou alguns dj’s poderem estar de forma mais visível no mundo da música?
Ir à Internet, pela internet não gastam tanto. Eu sei que o acesso em algumas partes de Luanda não é tão fácil, mas é importante e permanece pois a música fica a girar por lá. É importante dar informação. Os músicos têm que mostrar originalidade, não queremos ouvir o que já se ouviu, e um enfoque técnico. Ter um facebook e twitter. Não é preciso um patrocinador para fazer um clip, basta ter um iphone. Há maneiras criativas de gravar. Eu fiz um clip muito mau de dois meninos a dançar e tem subitamente 5 mil visualizações. E não gasta nada. Lá fora muita gente não fala português e as letras infelizmente não são importantes, mas sim a originalidade da música e a qualidade do som. É mais fácil se tiveres dinheiro e um bom estúdio, mas eu vi estúdios na Libéria que não tinham nada, o som não era grandioso mas era bom.

por Marta Lança
Cara a cara | 11 Julho 2012 | Akwaaba Music, Benjamin Levabre, música