Lívia denuncia o contraste brutal entre a celebração dos chamados “nómadas digitais” e a invisibilidade dos imigrantes que sustentam a cidade com seu trabalho precário. Lisboa, segundo ela, vive uma contradição gritante: valoriza o poder de compra enquanto ignora os direitos. É um apartheid velado que separa mundos que coexistem na mesma geografia, mas em realidades paralelas. Considera escandalosa a forma como os bairros de autoconstrução, colados ao conforto lisboeta, são ignorados por grande parte da população, um apagamento que revela o abismo entre classes e raças.
22.09.2025 | por Marta Lança
Maria Condado desloca para o espaço expositivo o espaço privado, mostrando uma ideia de atelier como espaço de vida e de experimentação, onde o pensamento e a prática se entrelaçam. Assim, o processo do fazer, pressupondo as suas circunstâncias e problemáticas, é entendido como parte integrante da obra, mostrando como, para a artista, público e privado se fundem, tal como o artista não se desliga da vida concreta. Este gesto reafirma o compromisso de Maria Condado com a realidade social e política, e com uma prática situada e que reclama o tempo presente e é capaz de intervir criticamente sobre este. Ao evocar um período histórico de conflitualidade social e engajamento político e ao remeter-se ao universo do atelier, apela à urgência da ação, instigando a responsabilidade da arte como instrumento ativo de interpretação, intervenção e transformação do seu tempo.
22.09.2025 | por Patrícia Barreira
Persiste a falta de reconhecimento da relevância das cosmologias dos povos originários como base estrutural da sua existência. Ao expor os absurdos dessa incompreensão, 'Um Rio Sem Fim' abre espaço para refletir sobre a violência e o aniquilamento de comunidades inteiras que este equívoco provocou, e continua a provocar. Sobre o livro, Verenilde Pereira refere com frequência: “Não há mais um leitor inocente diante dessa paisagem amazónica que venha a ler. A responsabilidade é sua: compreender ou não, ou descartar. Não há inocente diante da paisagem que os personagens oferecem. E essa paisagem eu conheço.”
20.09.2025 | por Anabela Roque
A política governamental para a língua cabo-verdiana deverá ser incumbência de uma unidade de missão a funcionar junto do conselho de ministros, atuando também como provedoria da língua, seguindo e coordenando, com força legal, todos os desenvolvimentos nesta matéria até à oficialização plena. Ao mesmo tempo deverá ser implementada uma política de formação alargada em linguística e ensino, com incidência no estudo da língua cabo-verdiana e estudos comparados com outras línguas crioulas, através da concessão de bolsas pelo estado e pela Universidade de Cabo Verde, e o incentivo à criação de cursos de âmbito linguístico, nomeadamente crioulística, pelas universidades privadas.
19.09.2025 | por José Luiz Tavares
A implementação do programa para a oficialização da língua cabo-verdiana é, sem dúvida, um processo complexo, que não poderá ser desenvolvido em linha reta, mas é necessária, urgente e possível. Os objetivos poderão ser atingidos num horizonte temporal exequível, com uma definição de estratégias e metas e com o planeamento da provisão da assistência técnica e dos recursos humanos e financeiros necessários.
19.09.2025 | por Maria Cândida Gonçalves
Paralelamente às suas primeiras estórias escritas e avulsamente publicadas, em finais da década de 1950, escreveu Luandino alguns poemas que circularam em jornais e revistas, tendo a poesia, no seu mais apurado grau de elaboração e factura, tomado e entranhado o rigor da prosa que foi escrevendo num crescendo de oficina lenta, implacável, furiosamente pessoal, encantatória. E que maravilhosa antologia poética se pode fazer com os «pontos luminosos» (Ezra Pound) da sua obra de ficção! Eis, entre tantos outros possíveis, um exemplo — obviamente não cooptado para este livro, mas aqui convocado pela sua fulgurante potenciação poética inequívoca:
18.09.2025 | por Zetho Cunha Gonçalves
Esse trabalho analítico mobilizou a diversidade de saberes e experiências dos membros do grupo de trabalho, em todas as áreas que interagem na conceção e na elaboração do Manual, enquanto instrumento de suporte do ensino e da aprendizagem da língua materna e da cultura cabo-verdiana. São saberes e especializações em Linguística, Sociolinguística, Crioulística, Língua Cabo-verdiana e Literatura Cabo-verdiana; em Didática das Línguas, Pedagogia e Desenvolvimento Curricular. São saberes e experiências na conceção e na implementação de projetos bilingues, dentro e fora de Cabo Verde; no exercício da docência de várias disciplinas e da própria língua cabo-verdiana, do ensino básico ao universitário, em Cabo Verde e em Portugal;
18.09.2025 | por várias
Se o surgimento do movimento dos Soulèvements de la terre foi a melhor notícia dos últimos anos no que diz respeito às lutas ecológicas e ambientais, a publicação do livro que aqui abordamos parece-nos um contributo essencial, com os recursos teóricos, táticos e estratégicos que nos apresenta, para as lutas ecológicas, agrícolas e sociais, transmitindo o gosto e a necessidade absoluta da ação direta coletiva.
12.09.2025 | por várias
Nesta Marxa, sob o mote “Di povu pa povu: Libertação, Dignidade e Soberania popular”, reconhecendo a importância indiscutível das lutas pela independência, olhamos criticamente para o percurso feito até agora e afirmamos o nosso compromisso com a luta pela soberania popular e panafricana ainda por construir.
10.09.2025 | por vários
Além do atropelo de todos os comandos legais sobre a língua cabo-verdiana, que é, nem mais, e por lei da Assembleia Nacional, «fundamento de soberania», e por isso objeto de proteção especial, e daí a exigência constitucional da intervenção do senhor presidente da República, não podendo nenhuma intervenção técnica num simples manual escolar mudar a sua feição, há ainda a incompetência orgânica do ministério da educação para a realização de um ato de padronização linguística, ainda que encapotada, pois as mentes engendradoras de tal façanha, apesar das evidências em contrário, e por todos apontadas, juram por este mundo e pelo outro que não se trata de tal coisa.
10.09.2025 | por José Luiz Tavares
Estranho seria que, sobretudo numa fase experimental, as autoras e avaliadoras externas do Manual (que nele também participaram) se recusassem a escutar e a debater avaliações críticas e sugestões, particularmente se resultantes de uma análise cuidada e séria, feita por membros, alguns honorários, como eu, de uma Associação que, não sendo de linguística nem para linguistas, se dedica ao estudo, promoção e valorização da língua cabo-verdiana. O próprio Ministro da Educação, numa intervenção televisiva, se afirmou aberto a observações e críticas científicas.
07.09.2025 | por Dulce Pereira
Forjado na sociedade colonial-escravocrata como meio de comunicação entre os diferentes grupos étnicos negros escravizados trazidos cativos da costa africana vizinha para as ilhas e os seus senhores brancos chegados com as navegações marítimas europeias, o tráfico negreiro e o comércio triangular transatlântico, o crioulo cabo-verdiano emergiu, assim, como a expressão (linguística) mais eloquente e visível da cultura crioula surgida da interacção, do confronto e do diálogo civilizacionais entre dominados e dominadores, entre explorados e exploradores, no chão agreste das ilhas cabo-verdianas, encontradas desertas de populações autóctones e virgens dos pontos vista antropológico e sociológico.
28.08.2025 | por José Luís Hopffer Almada
Outra faceta de António Jacinto — uma espécie de “conselheiro sentimental”, passe a expressão — é-nos dada pela sobrinha Maria Cecília, ao contar o caso da sua irmã Nica, apaixonadíssima por um colega de escola, «que não lhe deu bola nenhuma.» Desesperada, procura junto do tio amado, não só consolo, mas também a sugestão de um modo capaz de aliviar a dor do seu “mal de amor”. Conselho do sábio Jacinto: «— Nica, nunca se namora com ninguém da mesma escola, nem da mesma rua. Nunca se esqueçam disso.»
26.08.2025 | por Zetho Cunha Gonçalves
Que se reerga a grande ilha do Porto Grande e Monte Cara pelo alento das suas valorosas gentes, com a solidariedade fraterna e firme dos cabo-verdianos de todas as ilhas e diásporas, contra projetos supremacistas malsãos engendrados por mãos estrangeiras, ainda acolitadas por serventuárias nacionais. Hoje mais do que nunca faz sentido o verso de «súplica« de Djoya «sonsent nxina-me oiá lus di sol». Que o sol do novo dia te seja de novo radioso, Sonsent.
26.08.2025 | por José Luiz Tavares
Mais do que um livro, esta antologia, construída à sombra de cinco décadas das Independências, é mais do que uma comemoração: é um gesto de escuta e de reinscrição. Entre as narrativas aqui reunidas, ecoa não apenas a memória das lutas e dos processos de libertação dos Cinco países africanos em pauta, mas sobretudo a densidade humana das suas heranças, contradições e promessas por cumprir: estas narrativas não narram apenas o que aconteceu, mas o que restou, o que persiste e o que se deseja. Assim, a literatura funciona, aqui pelo menos, como escuta do que falta. Porque estas são vozes que cancelam o silêncio histórico, que revisitam o trauma colonial e a utopia da libertação com a linguagem sensível da poiesis – trazendo algo do não-ser ao ser, dando origem a algo que antes não existia, presentificando ausências e desvelando invisibilidades.
19.08.2025 | por Inocência Mata
Com a introdução, no Manual, mesmo que a título experimental, de uma ‘norma’ de escrita nova, não se tem em conta todo o trabalho anteriormente desenvolvido na produção de normas ortográficas para a LCV, quer a nível científico, quer a nível oficial. Não sendo consensual, nem previamente testada noutros contextos, essa ‘norma’ tende a gerar resistência na comunidade linguística e na comunidade educativa, podendo assim pôr em causa o sucesso do ensino formal em língua materna.
18.08.2025 | por vários
A ciência linguística, em múltiplas vertentes – pela análise exaustiva de dados empíricos quanto às suas propriedades fonológicas e morfossintáticas, em articulação com a sociolinguística e a linguística histórica – conhece numerosos casos bem documentados de outros contextos que sistematicamente demonstram isto: nenhum sistema ortográfico é neutro. A escrita das línguas vem sempre associada a ideologias e disputas, refletindo relações de poder e visões muito distintas sobre o sentido coletivo. Ou seja, esta não é uma realidade exclusiva de Cabo Verde, é algo que acontece em processos semelhantes por todo o mundo.
17.08.2025 | por Fernanda Pratas
A adesão à Independência, longe de significar a emancipação dos povos amazônidas, consolidou a subordinação da região ao centro-sul do Império. O Pará, antes colônia de Portugal, passou a ocupar uma posição periférica dentro do novo Brasil. As estruturas de dominação e exclusão social permaneceram. O poder continua, até hoje, concentrado nas mãos de uma elite política e econômica associada aos interesses do sudeste e das potências estrangeiras e o povo amazônida ainda é marginalizado nos processos decisórios do país.
17.08.2025 | por Gabriella Florenzano
Não é nevoeiro, é o controlo doméstico de ver quem entra e quem sai, com quem anda e como está vestido, a que horas e com quem estava. Esse ressentimento, típico de quem está só a ver, cai, com a nortada, como uma névoa oleosa e entranha-se na estrutura cultural portuguesa. O funcionamento institucional português rege-se por leis de portaria: desde as instituições mais modernas, ao estilo de porteiro de bar ou discoteca, às mais tradicionais.
04.08.2025 | por Joana Lamas
O desejo é o que nos leva a produzir novas formas, a construir um mundo, a organizarmo-nos de maneiras singulares e inovadoras. Entre o que se espelha e o que se oculta, é a hipótese que sobra de nos libertarmos do pântano jurídico onde nos afogamos. Quando o outro aparece, surge sempre como alguém a ser lido, a descobrir, a tatear, como a figuração do desconhecido sobre a qual projecto as minhas fantasias. O desejo que deflagra num movimento inesperado, numa desigualdade oscilante, numa ondulação caprichosa, nunca será uma uniformização homogénea e igualitária. A igualdade confunde-se com impunidade na sociedade neoliberal, a impunidade é hierárquica. Na perversão capitalista, igualdade significa apenas privilégio.
04.08.2025 | por Ricardo Norte