Terras de árvores de nome cantado

Terras de árvores de nome cantado A permanência de Leite Nunes em Tempué resultou no nascimento de Maria Eugénia Leite Nunes. O nome da mãe da menina? Ana Kaimba. Idade? Não sabemos. A sua ocupação era “doméstica”, como indica Maria Eugénia numa entrevista (Cruz, 2010). Não sabemos igualmente, por enquanto, a sua comunidade de pertença. Os povos predominantes da região eram os Quiocos e os Ganguelas. Assente está que o nascimento da menina foi antecedido pelo primordial dos atos, o ato carnal entre um homem e uma mulher. Ele, chefe de posto e ela, uma mulher local. O futuro da menina, filha de pai português branco e de mãe angolana negra, por mais privilegiadas que fossem as circunstâncias do seu nascimento, a sua vida até à independência de Angola estaria sujeita à «condição colonial».

27.07.2025 | por Aida Gomes

E nasce-me um monólogo na moto

E nasce-me um monólogo na moto negócio é simples, venda de sapatos pelas ruas. Ele não se habitua àquilo, ao acto de ser patrão. Não descansa, forma par com um ou com outro. Conta hoje com cinco funcionários. Quando saem para trabalhar, formam três grupos que vão mudando todos os dias, assim como se alteram as rotas. Têm um mapa desenhado ao longo do tempo, uma obra de cartografia para amadores, com nomes criados para ruas e avenidas ou formas nos nossos bairros.

19.07.2025 | por Zezé Nguellekka

“Eu falo português, você fala brasileiro”: uma língua com múltiplas variedades, falada por milhões, ainda motiva discriminação

“Eu falo português, você fala brasileiro”: uma língua com múltiplas variedades, falada por milhões, ainda motiva discriminação   "O português é uma língua global, pertence a todos, sem hierarquias” – a docente da Universidade de Leeds e presidente da Associação de Professores e Investigadores de Língua Portuguesa no Reino Unido, Sofia Martinho, reage assim à ideia de superioridade linguística que diz que ainda persiste em Portugal. “Os meus alunos também são um bocadinho donos da língua.” Os estudantes de Sofia Martinho são uma pequena amostra do interesse internacional pela aprendizagem de português.

18.07.2025 | por Alda Rocha

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 15)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 15) Exalta a propriedade privada, mesmo que isso seja privar os outros de propriedades. Adora o Estado quando é para tapar buracos e salvar bancos, mas odeia-o quando é hora de pagar impostos e de prestar contas, vê-o apenas como guarda da propriedade privada (não admira que a PSP trabalhe a guardar cadeias de supermercados, enquanto os nossos impostos lhe pagam o salário). Sonha privatizar o próprio Estado e vendê-lo na bolsa de valores. O socialismo, por seu turno, defende que os meios de produção devem ser da sociedade, não privados, mas o Estado decide quem é a sociedade. Bora, trabalho digno, mercado domesticado, impostos redistribuídos. Escola, saúde e pão… e algum circo. Mas o que se viu foi: o grande líder, comités, chefes, burocracia e censuras brutais. O povo, todavia, nivelado por baixo… olé!

13.07.2025 | por Marinho de Pina

O papel das bibliotecas comunitárias na redução das desigualdades sociais educativas: uma reflexão a partir de experiências em Luanda

O papel das bibliotecas comunitárias na redução das desigualdades sociais educativas: uma reflexão a partir de experiências em Luanda Este artigo explora o papel das bibliotecas comunitárias e alternativas como ferramentas para a mitigação das desigualdades sociais educativas, com base em experiências desenvolvidas em zonas periféricas de Luanda, Apoiado em observações empíricas e referências da sociologia da educação e da leitura, o texto discute o potencial de transformação desses espaços informais, mas organizados, para a promoção da justiça social, do acesso ao conhecimento e da cidadania activa.

30.06.2025 | por Daniel Anibal

White Racism, entrevista a Loren Landau

White Racism, entrevista a Loren Landau A maioria dos americanos provavelmente não quer saber. Gostaria de ouvir o que os sul-africanos dizem sobre estas pessoas. Sei que muita gente acha isto ofensivo ou ridículo, mas talvez isso inicie uma discussão sobre o papel e a posição dos brancos na sociedade sul-africana. Acho que ainda há alguns debates que precisam de ser feitos.

26.06.2025 | por Laura Burocco

A língua caboverdeana é um fator de unidade transnacional

A língua caboverdeana é um fator de unidade transnacional A dificuldade no consenso para a padronização da escrita é perfeitamente entendível e advém do processo histórico caboverdeano de que pouco ou nada falamos. Julgamo-nos uns aos outros, fulanizamos críticas que se desviam invariavelmente do foco principal, partidarizamos a política e perdemo-nos em desaguisados indigestos. As configurações seculares que nos enformam, desde o povoamento, trazem com elas estigmas de desunião quer entre as ilhas do arquipélago, quer na relação com o nosso continente, que teimamos em manter sem nos apercebermos quão colonizado deixámos ficar o nosso pensamento.

25.06.2025 | por Fernanda Marques

Nação, narrativa e memória traumática: para uma interpretação pós-colonial da trajetória afrodiaspórica no romance 'Os Pretos de Pousaflores' de Aida Gomes

Nação, narrativa e memória traumática: para uma interpretação pós-colonial da trajetória afrodiaspórica no romance 'Os Pretos de Pousaflores' de Aida Gomes Alicerçado nos estudos pós-coloniais, da memória, da narratologia e dos feminismos – particularmente nas teorias de Homi Bhabha (2005), Pierre Nora (1993), Ruth Page (2006), Walter Benjamin (1987) e Paul Ricoeur (2012) – este artigo visa evidenciar os valores estéticos, sociológicos e historiográficos do romance. Pretende-se, assim, contribuir para a visibilidade da literatura afrodiaspórica de língua portuguesa e estimular reflexões mais amplas sobre temas prementes no debate público contemporâneo, centrados no deslocamento, na imigração e na diáspora.

24.06.2025 | por Peilin Yu

Banho de Cheiro

Banho de Cheiro cheira a Porto – com o perdão da adaptação da canção popular imortalizada na voz de Amália. Tem o cheiro das sardinhas a assar na rua e dos manjericos nas mãos. Ok, às vezes, o odor é um pouco duvidoso, o do alho-porro, símbolo de fertilidade de épocas muito mais antigas do que a chegada de qualquer santo na Península Ibérica, e que os homens encostam na cabeça de quem passa por pura benfeitoria, mas cuja fragrância nada convidativa o fez ser substituído pelos coloridos martelinhos de plástico. Dizem que as mulheres costumavam levar raminhos de oliveira pelas ruas, significando os pelos púbicos, que punham na cara dos homens que passavam.

23.06.2025 | por Gabriella Florenzano

Angola: eleições, indústria da fraude e pobreza

Angola: eleições, indústria da fraude e pobreza Quando acossados por organizações internacionais que denunciam a existência de presos políticos, esses regimes fraudulentos, para a sua propaganda, põem o líder a simular indultos, amnistias e outro tipo de “perdões” com o objectivo de mostrar forjada “magnanimidade e humanismo” do líder. Nesse regime totalmente fraudulento, barões do partido-estado controlam o crime organizado e todos os grandes negócios, sobretudo os escuros com multinacionais da indústria extrativista, peça indispensável nesse complexo e perverso processo.

22.06.2025 | por Luzia Moniz

Black & White. Poesia, anti-racismo e a Revolução Russa pt. 2

Black & White. Poesia, anti-racismo e a Revolução Russa pt. 2   Muita coisa se alterou, certamente, de há um século para cá. Já não existe nem União Soviética nem uma transformação revolucionária global parece hoje uma ideia minimamente exequível. O que persiste, mesmo que em condições mudadas, é o racismo estrutural como elemento indispensável para o funcionamento do capitalismo, hoje em decomposição acelerada e num devir profundamente violento. Os termos dos debates de há cem anos continuam a ecoar nos debates actuais entre «os que nada temos a perder», e será por certo esse o interesse de os manter presentes.

20.06.2025 | por Fernando Ramalho

Raízes e rotas

Raízes e rotas Instalação artístico-política e de caminhadas de ressignificação da paisagem arbórea urbana. Com uma leitura decolonial das árvores centenárias de Lisboa, interrompe-se a narrativa exotizante, reintengrando contextos de deslocamento e exploração das espécies trazidas de diferentes geografias ocupadas. Investiga-se coletivamente a colonialidade urbana, a resistência cultural, assim como a interdependência entre seres humanos e não-humanos e epistemologias ancestrais reparadoras.

18.06.2025 | por várias

Entrevista a Domicília Costa - parte 2. As prisões de muitos camaradas. Como se constroem as memórias.

Entrevista a Domicília Costa - parte 2. As prisões de muitos camaradas. Como se constroem as memórias. Devia haver alguns que tinham uns arranjinhos, porque a família lhes dava umas coisas, mas no geral era isso. Todos nós tínhamos um salário, era igual para todos. Com aquele salário tínhamos de comer, pagar a água, tínhamos de pagar a luz, só não pagávamos a renda da casa. A renda não era paga pelos funcionários. E aquilo que eu ganhava e aquilo que o meu pai ganhava era entregue ao partido, independentemente de ser muito ou pouco.

17.06.2025 | por Josina Almeida

Lizidória Mendes lança “Sentimentos e Razão”, seu primeiro romance, em Bissau

Lizidória Mendes lança “Sentimentos e Razão”, seu primeiro romance, em Bissau Se somos feministas negras, se somos até feministas guineenses, aquilo importa, porque nós falamos de um contexto. Não podemos, em nenhuma circunstância, igualar uma mulher, por exemplo, guineense, que nasceu nesse contexto, cresceu, com uma mulher que praticamente fez as suas vivências em Portugal.” – explicou Lizidória.

16.06.2025 | por Miriane Peregrino

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 14)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 14) Como é mais fácil bater no mais fraco… parece que os tugas não querem ter um dedo de testa. A direita diz que não gosta dos imigrantes, mas explora-os. A esquerda põe as costas da mão esquerda na testa e a direita no peito e exclama, com suspiros profundos e lânguidos: “ah!, se não fossem os imigrantes.” Mas conseguem ficar ambas unidas em torno dos imigrantes, porque olham para eles não de forma humanista, mas utilitarista: “olha que têm bons dentes…” ou “a cavalo dado…”.

15.06.2025 | por Marinho de Pina

Apresentação de "Se Eu Quisesse, Enlouquecia", de João Pedro George

Apresentação de "Se Eu Quisesse, Enlouquecia", de João Pedro George   Sempre haverá, é certo, quem entenda que não precisávamos de saber tanto sobre Herberto Helder. E não me refiro aos aspectos amorosos ou sexuais, falo de pormenores como os cereais do pequeno-almoço ou afins. Simplesmente, tudo isso é próprio das grandes biografias, podendo eu, se quisesse, dar dezenas de exemplos de dezenas de biografias que utilizam esta mesma técnica para seduzir o leitor (sim, para além de um encontro de obsessivos, este livro é também um encontro de sedutores, de sedutores que usam ou usaram o verbo como a arma principal do seu arsenal erótico).

14.06.2025 | por António Araújo

Se esta rua falasse!

Se esta rua falasse! Baldwin tinha então tudo – e bastante legitimidade – para escrever com raiva e revolta sobre a crueldade da discriminação racial, sobre a destruição que um sistema como o racismo causa e espalha na vida daqueles que dele são alvos. No entanto, oferece-nos o romance Se esta rua falasse, de onde faz renascer beleza no meio da adversidade, mais do que tudo: onde se resiste ao endurecimento.

13.06.2025 | por Leopoldina Fekayamãle

A Invenção da Verdade

A Invenção da Verdade Quanto aos humoristas, todos os restantes humanos se riram com as opiniões deles sobre o que eles achavam sobre o assunto, uns por terem percebido o que estava em causa, outros antes pelo contrário. Com a quase extinção da ironia e sempre levados a sério, renderam-se quase todos à confortável extinção a que tinham sido votados. Talvez o riso tivesse sido sempre sobrevalorizado. E depois no final de contas, do de que se queixavam? Não tinham eles afirmado tantas vezes “it’s funny ‘cause it’s true?”

09.06.2025 | por Pedro Goulão

Porquê agora? A partir de um texto de Abdaljawar Omar

Porquê agora? A partir de um texto de Abdaljawar Omar Um momento em que Israel já não se preocupa em esconder as suas ações por detrás de fachadas humanitárias, mas despreza abertamente a própria linguagem que outrora mascarava a sua violência. E o mundo está a ser desafiado –a intervir, a confrontar o facto de que as suas intervenções e discursos sempre fizeram parte do problema, sempre vazios e desprovidos de substância. Poderíamos perguntar aos liberais o que resta deste idioma, não apenas em Gaza, mas nos futuros que se avizinham?

05.06.2025 | por Bruno Costa

Descolonizar a descolonização - parte 3 - a língua pt 1

Descolonizar a descolonização - parte 3 - a língua pt 1 África não é um “mercado” não explorado, mas um “produto” exageradamente explorado. No plano cultural mais inócuo, ativistas ‘afro’-brasileiros também levam as suas lutas e os seus discursos para iluminar a nossa população obscurecida e acordá-la contra a opressão do homem branco, apesar de os nossos opressores diretos sejam tão africanos e tão pretos quanto nós, e acabamos colonizados por um discurso desconexo das nossas realidades.

04.06.2025 | por Marinho de Pina