Conjunto Gonguenha: ninguém os sungura!
Depois do mítico Ngonguenhação (2004), todos esperávamos os próximos capítulos. Após uns longos anos em que os moços não estiveram parados, lá se juntaram para nos oferecer esta conjuntisite tão original que se intitula muito familiarmente de Nós os do Conjunto. O lançamento em Luanda quase que esgotou, ali no Elinga, os exemplares disponíveis. O pessoal quer ouvir o que eles têm a dizer, ninguém quer perder a festa, porque eles são muita bons!
Agora mais crescidos, com mais truques de produção musical, continuam a questionar a sua Angola. A esta vão buscar a inspiração: o calão mangolé que eles, como tão bem sabem, usam para a rima, os absurdos da sociedade consumista, como a ostentação dos novos ricos (riqueza do berço ou o poder da fortuna?), novas imigrações e velhas emigrações, o tempo do socialismo recheado de histórias de professores cubanos, lendas do caixão vazio, namoradinhas do conjunto e traquinices dos candengues. O sangue dos N’gola Ritmos ainda corre nas veias dos rappers e, desta vez, em dose aumentada com André e Rui Mingas, os Kiezos, Jovens do Prenda, Irmãos Kafala, Artur Nunes.
O disco, em formato de story-telling, é musicalmente interessante e comove pela criatividade, pelas dicas, pelo documento sobre uma juventude angolana.
Queremos vê-los muitas vezes em palco e toca a rodar o disco!
O Buala entrevistou o Conjunto Gonguenha sobre NÓS OS DO CONJUNTO
Como surgiu a ideia de ter como fio condutor um jogo de bola entre miúdos, o universo da infância é uma coisa que vos une muito?
Leonardo: Nós já sabíamos que queríamos algo que interligasse as músicas como no primeiro álbum.
Conductor: Mesmo sem nos conhecermos quando crianças temos muitas histórias, memórias e recordações em comum. Durante boa parte da nossa infância havia jogos de futebol numa (agora inexistente) Zona Verde no centro de Luanda, um dos temas que queríamos pôr no disco era um jogo de futebol entre o time do Catambor (bairro pobre) e o time do Alvalade (bairro rico), ficou a ideia como ligação entre os diversos temas do álbum.
Quem são os Conjunto Ngonguenha, agora mais crescidos?
Conductor: Keita Mayanda (a razão), Leonardo Wawuti (o artista) e Conductor (o produtor), estas três personagens (mais os amigos do colectivo: Ikonoklasta1 e Mc Kapa) a falar barbaridades atrás de barbaridades e acabando por reunir tudo de forma musical. Acho que somos muito diferentes mas unimo-nos para rir e passar um bom bocado juntos. O disco é uma colecção dos temas que entram e rolam nas nossas conversas.
Leonardo: Eu acho que estamos mais maduros musicalmente. Isso nota-se no corpo mais estruturado do álbum.
Como vocês se organizam para criar/escrever e produzir as músicas?
Leonardo: Desta vez o Conductor enviou-nos um “carregamento” de instrumentais para serem escolhidos, ao mesmo tempo íamos trocando temas para as músicas e assim o álbum foi ganhando estrutura.
Keita Mayanda: Surge uma ideia isolada e é submetida à votação, só avança se ao menos dois membros estiverem de acordo, o trabalho todo desse cd foi feito via internet, nunca estivemos os quarto em estúdio, mas trocámos sempre muitos emails para corrigir e tomar decisões.
Conductor: É tudo muito espontâneo, a abordagem aos assuntos nas nossas convivências acaba por criar o que queremos dizer nos nossos temas. A produção normalmente parte de um sample ou de um trecho de ideia de alguma música que gostamos. Músicas como “Tou a falar pra ti” são influência do semba ou rebita que vamos ouvindo no quotidiano, ou como o “Sorriso Angolano”, “Tia” ou a “Namorada do Conjunto” onde as ideias e os temas aconteceram para voltar a dar vida a esses clássicos da música angolana.
Qual a principal diferença entre este álbum e o primeiro?
Leonardo: A maior diferença está no facto deste álbum ser muito mais planeado e calculado. O Ngonguenhação foi mesmo às três pancadas, quase tudo era feito na hora.
Conductor: O Conjunto está mais adulto, o nível de espontaneidade e de estupidez é menor, as coisas foram mais pensadas. Penso que o equilíbrio não é mau mas ao mesmo tempo não sei se conseguiríamos fazer algo tão “à toa” (no bom sentido) como fizemos no primeiro disco. O material com que trabalhamos, os métodos de trabalho, a forma de escrever e de expressar as coisas mudam, é normal que o resultado final também se altere. Para nós continua a ser um disco da nossa família, para os amigos e aqueles que viveram a infância dos 80’s e 90’s e ainda vivem nessa selva de betão angolense actual.
A presença da música popular angolana dá muita originalidade ao vosso trabalho, como comunicam estas duas gerações, que diferenças e proximidades encontram com os cotas músicos de outros tempos?
Leonardo: O facto da nossa música não ter a projecção que queremos, faz com que os “kotas” músicos não tenham acesso à nossa música. Pretendemos mudar esse quadro do anonimato e levar este trabalho mais longe. Uma das mensagens que queremos transmitir ao recorrermos muito à música antiga de Angola, é dizer que esta tem valor e que existem jovens da nossa geração que a procuram, estudam e apreciam. Esse formato de “samplar” música antiga pode atrair um novo interesse por esses clássicos antigos da nossa música.
Keita Mayanda: Este disco teve mais divulgação, um maior número de pessoas tem acesso e interesse em ouvi-lo. Temos recebido críticas muito positivas de pessoas que não são habituais ouvintes de rap, o facto de usarmos amostras de música angolana aproxima esse tipo de ouvintes casuais, quer sejam kotas ou mais jovens, porque se revêem em muita da sonoridade e principalmente nas letras.
Conductor: Creio que pouquíssimos músicos angolanos tomaram conhecimento do lançamento do disco. Para nós é importante nos sentirmos músicos angolanos acima de tudo, sentir que estamos a criar uma ponte entre o passado e o presente e que estamos a “ressuscitar” com esta nova roupagem a música dos nossos pais. Há sempre músicos excelentes com quem nos identificamos.
A música “Tou a falar pra ti” apresenta um grito de desconfiança e aviso ao pessoal estrangeiro que vai para Angola fazer dinheiro e instrumentaliza hipocritamente as suas relações do passado. A que ponto esta realidade vos indigna? Angola ainda precisa de quadros qualificados, mas há muito aproveitamento, como resolver isto?
Leonardo: A aparente extrema facilidade com que o estrangeiro se “organiza” em Angola versus a extrema dificuldade do mero cidadão para ter uma vida decente.
Keita Mayanda: Integração, respeito pela cultura local, respeito pelo angolano e pelas suas idiossincracias, ninguém quer ser ultrajado em sua casa.
Conductor: É uma faca de dois gumes, enquanto há um aproveitamento por parte de muitos estrangeiros, muitos angolanos vivem e sobrevivem nessa “roleta russa”. Há muitos quadros qualificados em Angola, não há é um mecanismo que os insira no sistema.
A sátira ao Janela Aberta e à ostentação dos ricos em Angola é uma coisa que dá vontade de rir e de chorar. Como vocês vêem esse universo competitivo em termos materialistas?
Leonardo: Rimos sim porque alguns desses novos ricos frequentemente pisam na linha do ridículo, mas choramos porque sabemos que a cada novo rico mais famílias empobrecem.
Conductor: É totalmente desnecessário esse tipo de competição mas infelizmente vivemos numa sociedade que acha isso normal a ponto de fazer programas televisivos onde coisas como essa acontecem. Ah, sim, porque a música é baseada em factos verídicos. O mundo inteiro come desta fome materialista e Angola, de uma forma mais descarada, trata e mostra o assunto, somos apenas espectadores nesse sistema, pouco podemos dizer, pouco podemos opinar…
Como se processa a divulgação do disco em termos mercado e apresentações?
Leonardo: Até aqui temos feito tudo de forma independente, a distribuição e o agenciamento para shows. Fazemos uso maioritariamente da internet e das redes sociais. Rádio e televisão, só até onde nos permitem.
Conductor: Estamos à procura de apresentar o disco em Portugal e no Brasil, mas não temos datas. Não é tão fácil como “atirar” o disco nas lojas. Estamos ainda à procura da melhor “ligação” para nos apresentar neste mercados.
Acham que daqui a 10 anos continuarão a fazer música de intervenção?
Leonardo: Tudo que faço musicalmente é mesmo por paixão. Se ela se mantiver até lá claro que sim. De qualquer forma a mensagem já está em cada obra nossa.
Keita Mayanda: Depende, se a música continuar algo apenas paralelo nas nossas vidas ou se nos profissionalizarmos, provavelmente continuaremos a fazer música daqui a 10 anos.
Conductor: Nós fazemos música realista, falamos do que vivemos, do que vemos e do que sentimos em relação ao que nos rodeia. Das mulheres à nossa volta, do passado que vivemos e das cicatrizes que temos. Há uma imensa hipocrisia no meio artístico hoje em dia e somos uma lufada de ar fresco, provavelmente porque somos o que cantamos.
ler aqui a opinião de Ikonoklasta
- 1. O Ikonoklasta saiu da formação no ano passado por discordar com decisões ligadas à estrutura do álbum e convidados.