Sobre Bantu, de Victor Hugo Pontes
Uma brisa boa
O movimento é a base de tudo. De encosto a encosto temporário, foi preciso seguir em frente para criar aldeias, cidades, ocupar territórios, criar património e acumular. Acumulamos pegada ecológica inclusive só por existir, uns muito mais do que outros (Moçambique, por exemplo, é vítima das catástrofes ambientais sem ter contribuído para tal). A subsistência é o principal motor do movimento, que o digam os nómadas de todos os tempos. Mexeram-se e fizeram acontecer coisas, partiram e a sua vida provavelmente melhorou. Outros foram arrancados à força e sofreram muito. Levaram os seus rituais antigos e aculturaram-se noutros lados. No contágio cultural, novas línguas e novos movimentos aconteceram. E como o mundo não é só de quem o domina e dos seus interesses, o movimento continua a surpreender. Para mais, quando alguém perto de nós se move, uma brisa boa acontece.
Entre cerca de 43, o português é a única língua em Moçambique que não tem origem bantu. É a língua (oficial) pela qual tentamos comunicar, e não raramente faz sobressair os mal-entendidos e as relações de poder de outros tempos, realidades paralelas, agendas desajustadas, o desencontro profundo.
Mas tudo isso pode, por vezes, dar lugar a um encontro. Assim como o destas pessoas de Bantu, onde sete bailarinos, três moçambicanos e quatro portugueses, cinco homens e duas mulheres, quatro negros e três brancos, se juntaram para entrar em jogo. Vinham com as suas marcas, as suas histórias, os seus ritmos nos pés e na mente. Juntos experimentaram frases rítmicas, improvisaram muito, trocaram de papéis, desconstruíram o que achavam saber, impulsionaram a expressão de cada um e a de um coletivo que se reconfigura entre solos e gestos gregários. Tateando-se, libertando-se, individual e socialmente, os corpos brancos e negros contrastam mas afagam-se. O conflito das gerações anteriores, da geopolítica e da colonialidade é uma história sua também, mas e “depois disso”? Haverá um “depois disso”? Jovens com interesse pelo movimento uns dos outros, pelas histórias uns dos outros, numa composição da autoria de Victor Hugo Pontes, que, por sua vez, trabalha a partir do material e do movimento que os bailarinos devolvem às suas provocações.
O movimento é a base, a dança e a música andam sempre juntas nas culturas africanas. O movimento pode ser calmo e acelerado, delirante, de língua esbaforida, na batida e sonoplastia de Throes + The Shine. Numa jangada, barco ou carrinho, os corpos são levados e recolhidos. Os quadros que criam tanto aludem a conquistas como a vítimas. Podem ser empurrados e expulsos, ou distribuir água aos sedentos. A dança tem espanto, sedução e muita vivacidade. Tem figuras do poder, régulos, saltos altos com alguidar à cabeça, um fardo que também é nuvem preta que se abre em rede. As imagens sucedem-se.
Na cultura Makonde, quando alguém coloca uma máscara Mapiko na cabeça e panos no corpo para dançar transforma-se em homem ou em animal, o mistério faz parte, ninguém sabe que elemento da comunidade está atrás da máscara. Também aqui, nestas máscaras recriadas, a linguagem desta comunidade coreográfica não precisa de ser decifrada, por mais que se procurem origens e mestiçagem das batidas e movimentos. A transfiguração e as figuras antropomórficas ajudam-nos a trazer atmosferas novas e a cumprir o desejo de construir algo comum, por enquanto apenas num tempo e espaço demarcados.
Aprendi muito quando vivi em Maputo e ao viajar pelo país (litoral, cidades médias, montanhas e ilhas), continua a intrigar-me a sua história e violência. A diversidade cultural, social, política e económica, em que cubatas e machambas, assim como exigentes rituais de iniciação, coexistem com as grandes metrópoles, os desfiles de moda e um modelo de desenvolvimento (ocidentalizado) desajustado. Os conflitos de Cabo Delgado, a guerra dos recursos, a ameaça do land grabbing para os pequenos produtores, o poder da religião, uma juventude que vê constantemente as suas expectativas anuladas. Mas também a ideia de comunidade e os gestos de solidariedade, a amabilidade das gentes rurais, as catarses em coletivo, onde música e dança estão omnipresentes. Se ninguém adoece sozinho, nem morre sozinho, também não se dança sozinho. Eu sou porque somos, do ubuntu, dos modos de vida comunitários e da economia de relação fora da ordem colonial-global-capitalista. África continua a inventar a modernidade, e exige sair do lugar de sujeição para gritar ao mundo a sua força.
Que os criadores circulem e se contaminem com os seus diversos saberes, ritmos e urgências, num encontro improvável, dando a ver novas configurações ao nosso mundo cansado e condenado. Este espetáculo deixa vibrar uma brisa boa de renovação.
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Como é que eu jogo? - Entrevista a Victor Hugo Pontes
A peça constrói-se por contaminações mútuas, num encontro cultural que foge à polarização Europa/África. A composição parte de jogos e de provocações. Há danças e canções guerreiras, mas nenhum tom agressivo ou confrontacional. Onde está o conflito?
Para haver jogo tem de haver conflito. Para haver ação tem de haver conflito. Mas a ideia de conflito nunca se sobrepõe a nenhuma outra.
Temos pequenos vislumbres dos horrores da humanidade, imagens como a escravatura, massacres e a migração no mar. Mas do grupo, sobressai a proteção entre eles.
Pego mais na ideia de comunidade construída com estas identidades, de memórias distintas, do que propriamente em dois universos em conflito. Como se já estivéssemos noutro momento. Já nos conhecemos, já nos relacionamos, e agora, como é que vivemos em comunidade?
E com as marcas de conflito que lá estão…
Por isso é que aparecem enquanto quadros, está mais próximo da minha relação.
Que narrativas vê no que os intérpretes foram criando a partir de jogos, inusitadamente, e que depois o Victor fixou?
Vejo várias, mas nunca gosto de lhes dizer quais. Eu tenho a minha história, mas não quero que seja a deles. Tem a ver com o meu processo. Gosto de trabalhar no campo do abstrato, mas é muito concreto o que os intérpretes estão a fazer. Às vezes, dou-lhes sugestões e arrependo-me logo, porque a seguir eles põem a tónica nelas, e fica a historinha… Vou dando pistas, mas deixo espaço para que cada um construa a sua narrativa, tal como o público.
Logo na primeira cena, eles estão a olhar para algo novo que está a chegar…
… ou a ir embora. Eles estão a olhar e projetam-se naquele lugar, são levados pelo que vem. Começam a ver sinais de alarme, uma ideia de perigo, e tudo se vai tornando mais inquietante, eventualmente com a ideia de fuga e de desaparecimento.
Qual o ponto de partida da construção coreográfica?
Não é propriamente linear. Mas é a perspetiva de um europeu branco a descobrir uma certa realidade. Os intérpretes trazem outras, mas eu não posso contar a história pela perspetiva deles, conto a minha. A inspiração nas danças tradicionais moçambicanas veio deles, que depois são desconstruídas e recompostas. Durante o processo, cada um deu uma aula. O João Costa, de balé clássico, o Osvaldo Passirivo, o Dinis Abudo Quilavei e o José Jalane ensinaram danças tradicionais. No confronto com diferentes linguagens, que se encaixam e fundem, as coisas ganham organicidade.
Apesar de os corpos serem histórica e politicamente muito marcados, baralham-se os papéis de quem leva os capturados e tombados, que associo ao tráfico de escravizados.
A história tem várias perspetivas. Eu queria um barco, porque tinha a ver com a ideia de serem transportados e com a nossa relação atual com os migrantes, que chegam nos barcos de borracha. Havia mesmo um barco de borracha. Mas como isso só me dava aquele código específico, tirei. Não quero contar a história só de um ponto de vista.
Sente-se também uma estética meio carnavalesca, zombie, entre o assustar e o provocar, com muita língua de fora. A transfiguração pelas máscaras que cada um escolheu e recriou.
Também me interessavam os rituais de iniciação, a ligação ao lado sexual.
Ritmos angolanos, como a kizomba e o kuduro, viajam muito. Portugal tem uma relação mais distante com Moçambique. Cultura do Índico, oriental, interage mais com a África do Sul. É bom trabalhar com bailarinos moçambicanos que têm muito a ensinar. Porém, nestas parcerias e intercâmbios, existe o perigo de os artistas que vêm trabalhar na Europa não regressarem, o que é terrível para África.
Não sinto que isso aconteça especificamente com eles. Dos três, o Dinis Abudo Quilavei nunca saíra do seu país. Ele responde a uma série de padrões, porque não viu ainda outras coisas. Não quer dizer que a peça não lhe abra outras perspetivas. Os outros dois bailarinos já tiveram experiências e isso é visível na sua fisicalidade. Quando fiz a audição e o workshop em Maputo, percebi quem já tinha relação com um universo mais europeu e com códigos mais globalizados.
Interessa muito a transmissão recíproca?
É fundamental. Em alguns locais, como Aveiro, proponho um workshop de danças africanas orientado pelos bailarinos após as apresentações. Para não ficarmos na lógica de “eles foram à Europa aprender coisas”, quando têm imenso para partilhar connosco. É preciso uma resistência gigantesca para aquelas danças. Apoia-se o pé todo, não há a “pontinha”, o coup de pied.
Resistência e duração: há danças de transe em África que duram horas. A dança Zaouli, da Costa do Marfim, que dizem ser a mais rápida do mundo. São ritmos que influenciaram imenso a nossa cultura. Por vezes, perde-se a noção da origem… A apropriação cultural dá-se quando as relações de poder são assimétricas. Alguém capitaliza o que outros inventaram, anulando o contributo original.
As coisas estão todas ligadas e são apropriadas. Mas tudo descende de África: a dança contemporânea atual, as danças urbanas, a música.
Para um coreógrafo como o Victor Hugo, acredito ser enriquecedor trabalhar com este conjunto de pessoas. A mistura de contextos traz mais vivacidade ao espetáculo. Apesar de serem todos jovens, como nos seus outros espetáculos.
Sou muito contaminado e influenciado por aqueles com quem trabalho, pessoas o mais plurais possível, é assim que vou crescendo.
Tem sempre elementos novos em cada projeto?
Num projeto com pessoas que conheço, normalmente integro alguém novo. Aqui foi ao contrário. Não convidei ninguém com quem já tivesse trabalhado. Mas coincidiu o Dinis ter feito a audição. E é bom ter alguém que já me conhece, porque é mais fácil traduzir o processo. Ele ajuda a dirigir a partir de dentro. Trabalhamos muito com improvisação, o que não é nada fácil. Há pessoas que lidam bem e outras que ficam completamente bloqueadas: “E agora o que é que eu faço?”
Faz sentido dizer que é uma criação coletiva quando o encenador ou o coreógrafo é quem põe um ponto final, faz a montagem e decide “isto fica, isto sai”?
Não, não faz. Desafio-os a produzirem matéria, até os materiais são criados em conjunto, mesmo os figurinos, e, a partir dela, crio por cima. Trabalho sempre a partir do que os intérpretes me dão. Sou muito influenciado pelo que vejo, é a minha forma de criar.
Porquê o título Bantu? Os povos bantu (que significa humanos), na sua expansão desde a África oriental à África subsariana, foram ocupando e agregando outras culturas. Englobam 400 subgrupos étnicos, cuja língua-mãe é o bantu. Pegou na questão linguística?
As línguas bantu nascem de similaridades e derivaram noutras línguas. A escolha do título tem a ver com ir à origem, à ideia de comunidade. Essa palavra era como um chapéu que abrangia outras possibilidades. Estive em Maputo só uma semana. Adorava ter tido mais tempo para pesquisar. Então, o processo funciona pelo lado intuitivo e imagético, pelo que as imagens e a realidade me sugerem. Os significados e as cenas do espetáculo vão-se construindo. Queria confrontar duas realidades físicas: a europeia clássica, com muita força na dança contemporânea, e a africana, ligada às danças tradicionais. É muito rico o lado simbólico de cada dança, de cada função e das máscaras. E da improvisação.
A improvisação funciona melhor quando se tem experiência de vida? Trazendo coisas para contar no corpo.
É preciso ter muitos sensores ligados, e referências para ter ferramentas para improvisar. A Marta tem ainda dezanove anos, é muito poderosa. Ela e a Maria Emília são muito diferentes, uma é pedra, outra é água.
O jogo é outra peça-chave da improvisação.
Sim, olha-se para algo e pensa-se: “o que é que isto me sugere?”, “como é que o vou transformar?”. Uso muito a expressão “como é que eu jogo?” A ideia do jogo vem do teatro, do jouer em francês, to play em inglês. Estás em cena e estás a jogar, é uma área de jogo. Às vezes, não há ainda nem ferramentas nem truques, mesmo a nível de ficção, de imaginário, de leitura, de referência, vai-se construindo.
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Entre o estranhamento e a curiosidade - Entrevista aos intérpretes de Bantu.
Em termos de movimento e de contaminação da dança, como foi o intercâmbio Portugal/Moçambique?
João Costa Em termos de movimento, foi uma contaminação de ambas as partes. Tivemos algumas aulas com os colegas moçambicanos. Se calhar, fica mais evidente o que veio de Moçambique. Ritmicamente, é muito diferente daquilo a que estamos habituados.
Como foi a audição em Maputo para os bailarinos Dinis Abudo Quilavei, José Jalane e Osvaldo Passirivo?
Osvaldo Passirivo Havia o convite do Centro Cultural Português em Maputo para fazer uma audição. Tive a tarefa de convidar mais pessoas. Faço parte das associações Milorho, que trabalha com dança tradicional, e Converge Mais, que faz dança contemporânea e promove o Festival Raiz. Durante a audição, havia gente com várias experiências, uma miscelânea de níveis. O Victor Hugo fez algumas entrevistas para perceber como cada um se sentia e como podíamos agregar valor ao projeto. Entre muitos, fomos nós os escolhidos, e aqui estamos para partilhar, para aprender e fazer o Bantu.
A música põe em diálogo a eletrónica e ritmos mais tradicionais. Também a dança urbana se mistura com danças tradicionais moçambicanas. Podem identificar essas inspirações?
José Jalane Temos o Xigubo, uma dança guerreira, de conquista.
OP O que fazemos na peça é o Xigubo velho, mas também há outra variação do Xigubo, Njama, onde a cadência é mais acelerada. A própria canção do Xigubo está presente, no final. E há ainda a dança das botas, bootdance, que começou nas minas da África do Sul e que fazemos com o ritmo das palmas.
Como é que entendem o conceito de bantu?
Dinis Abudo Quilavei É mais a questão da linguagem corporal, usamos a palavra “bantu” para definir um conjunto de povos que falavam línguas aparentadas, algumas sobreviveram às línguas europeias. Na peça, encontramo-nos numa “ilha” e percebemos como dois povos diferentes conseguem comunicar. Isso vem da relação entre Moçambique e Portugal, com memórias profundas. Sendo nós pessoas de povos, etnias, culturas diferentes, como é que sobrevivemos nessa tal ilha?
JC Uma nova comunidade, como se fosse uma nova oportunidade.
Há mesmo essa metáfora da ilha na peça?
JC Há várias metáforas, mas cada um tem a sua interpretação. Não creio que haja um sentido específico.
Marta Cardoso O que criámos vem da contribuição de cada um. Pegámos no vocabulário que alguém dava e experimentámos. Aprendemos muito com os bailarinos moçambicanos. Foi um processo longo até criarmos, pelo contágio que foi acontecendo, uma linguagem corporal e física nossa.
Conseguiram transmutar-se uns nos outros. Na primeira imagem, parece que estão a ver qualquer coisa com um ar amedrontado, e há uma reação de proteção do grupo. Passam uns pelos outros, mas protegem-se de uma espécie de inimigo externo.
MC Nessa imagem, estamos num sítio desconhecido, a ser interpelados por algo que não conhecemos. Há nela um misto de curiosidade, repulsa, medo. É um jogo a partir do mistério de alguma coisa.
JJ É o que dizíamos sobre o encontro entre povos diferentes, entre o estranhamento e a curiosidade.
Dinis Duarte Nessa cena, nós só estamos a observar, e no jogo de observar já se passam coisas. O Victor Hugo joga muito com o ser e não ser. Podemos ser uma coisa e o seu contrário. O público também vai interpretar o gesto, que passa pela leitura e perceção de cada um.
Há momentos de provocação no agarrar e rejeitar.
DD Trabalhamos essa tensão, porque o jogo também é um pequeno conflito. A Marta pode querer esta garrafa e eu tiro-lha. Já é um conflito entre querer e não querer, ir ou não ir. Um conflito mais cénico e menos simbólico.
Na cena do carrinho, é muito evidente a tragédia dos corpos, do luto e da celebração.
JC Partimos de uma pesquisa a partir das palavras-chave “massacre”, “tragédia”, “horror”. Cada um escolheu imagens desse tema. Muitas vinham de massacres que aconteceram precisamente em Moçambique.
Introduz logo o repertório histórico dos horrores da humanidade, não se refere apenas à relação Portugal/Moçambique.
JC É interessante deixar o público descobrir. E tentar uma leitura do que pode ser, criar pensamento a partir do que se viu.
Nesse quadro, imaginamos episódios da escravatura. É interessante que não sejam sempre os corpos brancos a levar os corpos negros. Mas uns ocuparam e violentaram os outros, os corpos carregam essa história. Mais do que um encontro, houve choque entre as culturas europeia e africana.
DD A peça é menos sobre conflito e mais sobre união. Conhecemos a história, temos consciência do simbolismo. O processo é sempre uma coisa maior do que a peça. Acho que o Victor Hugo nunca quis o conflito. É mais sobre o nosso encontro, que era novidade. O contributo dos oito, como um jogo de propostas, construiu a peça.
O encontro destas pessoas neste momento, para este objeto.
DD Somos muito permeáveis ao que vai acontecendo em estúdio. Fizemos uma aula de danças moçambicanas com os colegas, fiquei com os pés rebentados, e eles “na boa”. A linguagem é muito própria, um passo básico para uns é completamente diferente para outros. É uma barreira difícil, não estamos habituados àquela linguagem.
Outro gesto recorrente é o de deitar as línguas de fora, movimentos de “xinguilar”, numa expressão carnal, entre assustar e seduzir. As máscaras que vocês fizeram num ateliê não são necessariamente as tradicionais, é uma recriação a partir da pesquisa.
OP Uma das que usamos é do Mapiko, uma dança de Cabo Delgado. A máscara tem um significado diferente para cada comunidade. No Mapiko, eles têm máscaras para determinadas ocasiões, relacionadas com a política, a agricultura, ou os deuses. Nem todos podem ter ou usar esta máscara. Existe um certo secretismo.
JC E há a ideia de transformação. Quando pomos uma máscara, transformamo-nos logo noutro ser.
DAQ Na comunidade em que a dança acontece, os próprios amigos e vizinhos não sabem quem está por detrás. Temos outra dança, chamada Nhau, da província de Tete, em que o bailarino está todo coberto. Antes até de começarem, fazem um ritual sobre essa dissimulação.
Sentem-se co-criadores do espetáculo?
JJ O Victor Hugo permitiu-nos também criar, ele dá sempre espaço para a nossa opinião.
DD Chegámos a fazer improvisações de quase três horas, o processo foi longo, mas depois é preciso fechar.
Uma linguagem possível
Victor Hugo Pontes
“Bantu” designa uma família de línguas faladas na África subsariana: é identidade e é comunidade. Bantu designa mais do que uma ocorrência linguística. Pode ser: uma linguagem própria que sobreviveu às línguas europeias impostas; um mecanismo identitário; um signo vedado ao colonizador; uma forma de comunicação, plena de códigos culturais, históricos, religiosos e políticos; a materialização efémera de um longo encontro. A palavra “bantu” acolhe tudo o que queremos ou imaginamos que o espetáculo Bantu seja. O que Bantu será, contudo, depende dos olhos de quem vê. Este é também um lugar que desejamos ocupar: um lugar diferente para cada um dos corpos que o habitam, partilhado nas feridas que rasga, titubeante no trilho que percorre; um lugar exuberante na celebração da comunidade reunida em palco.
Da língua que falamos vemos o mundo que nos cabe. Acontece que, das diferentes geografias a que pertencemos – num país ou num teatro –, temos diferentes perspetivas do mesmo mundo, e assim não poderemos falar a mesma língua, nem ver as mesmas coisas, nem chegar aos mesmos lugares. Bantu traça o percurso inverso e vai ao encontro de uma língua despida de palavras, uma língua transformada em partilha e em identificação: não se trata de uma linguagem universal, trata-se de uma linguagem possível. Bantu é um caminho por traçar, e o percurso é feito entre dois países com afinidades complexas e memórias profundas um do outro.
Bantu teve origem num convite endereçado a Victor Hugo Pontes pelos Estúdios Victor Córdon e pelo Camões – Centro Cultural Português em Maputo, para o desenvolvimento de uma nova criação de dança com intérpretes moçambicanos e portugueses. Os EVC e o Camões – Maputo são parceiros numa programação conjunta para três temporadas, que visa criar pontes entre Portugal e Moçambique, e promover a circulação e internacionalização da dança. Bantu resulta desta parceria.
direção artística Victor Hugo Pontes
cenografia F. Ribeiro
música Throes + The Shine
direção técnica e desenho de luz Wilma Moutinho
desenho e operação de som João Monteiro
figurinos Cristina Cunha, Victor Hugo Pontes
construção de figurinos Emília Pontes, Domingos Freitas Pereira
construção de máscaras Cristina Cunha
assistência de direção Cátia Esteves
consultoria artística Madalena Alfaia
direção de produção Joana Ventura
produção executiva Mariana Lourenço
assistência de produção Inês Guedes Pereira
interpretação Dinis Abudo Quilavei, Dinis Duarte, João Costa,* José Jalane, Maria Emília Ferreira, Marta Cardoso, Osvaldo Passirivo
estagiário Francisco Freire
* Cedido gentilmente pela CNB
um programa Estúdios Victor Córdon e Camões – Centro Cultural Português em Maputo
parceiro institucional dos Estúdios Victor Córdon Camões I.P.
coprodução Nome Próprio, A Oficina/CCVF, Camões – Centro Cultural Português em Maputo, Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, OPART/Estúdios Victor Córdon, Teatro José Lúcio da Silva, Teatro Nacional São João
apoio à residência A Oficina, Largo Residência, CRL – Central Eléctrica, Estúdios Victor Córdon, Teatro Municipal do Porto
agradecimentos Joãozinho da Costa, Nuno Viegas
TNSJ
produção executiva Inês Sousa
direção de palco Emanuel Pina
adjunto do diretor de palco Filipe Silva
direção de cena Andrea Graf
luz Filipe Pinheiro (coordenação), Adão Gonçalves, Alexandre Vieira, José Rodrigues, Marcelo Ribeiro, Nuno Gonçalves
maquinaria Filipe Silva (coordenação), António Quaresma, Carlos Barbosa, Joel Santos, Jorge Silva, Lídio Pontes, Nuno Guedes, Paulo Ferreira
som Joel Azevedo (coordenação), Miguel Pereira
Edição
Teatro Nacional São João
coordenação Fátima Castro Silva
design gráfico Pedro Nora
fotografia João Tuna
impressão Empresa Diário do Porto, Lda.