A comunidade não se entrega à segregação. Nélida Brito
Nélida Brito nasceu em Santiago, Cabo-Verde, em 2001. Estudou Cultura e Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Interessa-se em explorar e compreender as ligações entre as diversas culturas e a forma como os media moldam o entendimento que se tem de uma determinada cultura.
Nélida Brito
Qual o seu percurso, circulação pela cidade? Que transportes usa?
Uma vez que sou da Margem Sul, o meu percurso até Lisboa começa, na maioria das vezes, pelo comboio. Já dentro da cidade, quando o tempo é escasso, opto pelo metro, que considero ser mais rápido. Sempre que o tempo permite, gosto de caminhar pela cidade de Lisboa, sentir a sua azáfama e agitação, mas sem deixar que me consuma. Quando vou à capital a passeio, opto pelo barco que, ao atravessar o Tejo, se aproxima da cidade. Ao longe parece serena, tal como as ondas, mas assim que lá chegamos somos envolvidos pela agitação de Lisboa.
Quais são os problemas mais gritantes de Lisboa?
Sempre que recorro ao barco para chegar à capital, sou confrontada com a realidade da exclusão social à entrada do metro do Cais do Sodré. Este é um dos locais onde costumo encontrar um grupo de pessoas em situação de rua, muitas vezes embriagadas, que se refugiam neste espaço onde construíram uma espécie de tenda. Nas minhas caminhadas pela cidade, deparo-me com mais indivíduos ou grupos de pessoas que, estando em situação de rua, abrigam-se em estações de metro ou em bancos à procura de refúgio e algum conforto. Penso que a presença dos sem-abrigo é um nítido reflexo das desigualdades sociais e o mesmo acaba por impactar negativamente a imagem de Lisboa mostrando que agitação da cidade esconde problemas de maior escala e não podem e não devem ser ignorados.
O que acha da situação da maioria da população africana e afrodescendente na Grande Lisboa?
A maioria da população africana e afrodescendente enfrenta o nítido e porque não conhecido desafio da segregação, sendo empurrados para a periferia, onde o acesso a direitos básicos como a educação, a habitação e até mesmo os transportes são limitados. Mesmo com estas dificuldades, pelas ruas e praças da Grande Lisboa, existem grupos de pessoas africanas ou afrodescendentes que contribuem positivamente para a cultura da capital que as suas músicas e danças que são apreciados por um público que mescla nacionais e turistas. Para além disso, cada vez mais se vê pessoas negras em posições laborais de visibilidade e contacto com o público pela Grande Lisboa, mostrando que a comunidade não se entrega à segregação, resiste às desigualdades e contribui de forma ativa para a vida e cultura de Lisboa.
Que lugares escolheria como modo de Memorialização da presença africana e da história colonial? Porquê?
Na minha perspetiva, não sinto que deva nomear um lugar ou monumento específico para memorializar a presença africana e a história colonial em Lisboa. Diria que a presença africana está espalhada e marca toda a cidade, seja através da música, da gastronomia, da moda ou da dança que enchem e dão vitalidade às ruas e praças lisboetas. A própria presença da extensa comunidade africana e afrodescendente cumpre esse papel e torna viva e visível a memória e contribuição cultural dos africanos.
Sente que os movimentos e pessoas negras estão a ter mais voz no espaço público em e sobre Lisboa? Oque tem mudado?
Sim, o espaço público tem sido cada vez mais ocupado por movimentos diversos e pessoas negras. Os grupos que animam as ruas e as praças de Lisboa são um exemplo da voz das pessoas negras, que tornam visível a comunidade afrodescendente no quotidiano da capital. Além disso, as manifestações cada vez mais recorrentes da comunidade são um sinal da participação ativa na reivindicação de direitos e visibilidade social. As mudanças no debate público também vêm sofrendo transformações. Falar sobre temas como o racismo já não é temido, razão pela qual há cada vez mais pessoas que tratam questões relacionadas ao racismo com mais abertura.
Muito honestamente, Lisboa é uma cidade algo segregada? Que forma toma essa segregação?
Lisboa é uma cidade segregada. A população negra é muitas vezes empurrada para a periferia, onde vivem em bairros afastados do centro, onde estão os principais polos de emprego e serviços. Este afastamento dos negros para a periferia resulta numa separação física entre grupos socioeconómicos, sendo que as classes médias e altas residem mais próximo do centro. Esta divisão física acaba por acentuar as diferenças económicas entre estes dois grupos, tornando ainda mais difícil para quem habita na periferia sair em busca de habitação em zonas melhores, devido às suas limitações financeiras.