A desigualdade está inscrita na paisagem. Victor Barros
Vitor de BarrosVítor de Barros, investigador cabo-verdiano doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra e atualmente ligado ao Instituto de História Contemporânea da Universidade NOVA de Lisboa, tem-se dedicado ao estudo da memória colonial, dos monumentos e das comemorações históricas em África, com particular enfoque em Cabo Verde. A sua obra Comemorações da Memória do Império nas Colónias durante o Estado Novo: Usos Públicos da História, Colonialismo e Colonização de Imaginários foi distinguida com o Prémio Internacional de Investigação Histórica Agostinho Neto (2019-2020).
A viver em Lisboa, Vítor Barros observa a cidade através da experiência do quotidiano. Move-se sobretudo em transportes públicos - autocarros, metro, comboios, bicicletas - e é precisamente nesse uso diário que identifica um dos problemas estruturais mais visíveis: a desigualdade na distribuição dos transportes. Nem todas as zonas da Grande Lisboa beneficiam das mesmas condições de mobilidade, e essa disparidade está diretamente ligada à organização espacial da cidade.
Para Barros, isto torna-se ainda mais grave quando se observa a situação da maioria da população africana e afrodescendente na Grande Lisboa. Esta população vive, em larga medida, em condições de precariedade económica e de segregação espacial. Áreas como a linha de Sintra são exemplo disso: territórios periféricos, com pouca oferta de transporte e serviços, que concentram grande parte desta população. Para ele, essa distribuição não é aleatória — é reflexo de uma cidade planeada com critérios que excluem.
Quando pensa na memória da presença africana em Lisboa, é assertivo: o centro da cidade deve ser o lugar escolhido para a sua memorialização. A história africana merece a mesma visibilidade e centralidade que outras narrativas já amplamente representadas no espaço público. Além disso, a população africana contribui para o dia a dia e para a construção do próprio centro da cidade - não faz sentido que essa presença fique relegada às periferias. Ainda assim, defende que a memória também pode e deve ser construída dentro das comunidades, desde que em diálogo com os seus próprios significados e com o que querem preservar da sua história.
Quanto à presença negra no espaço público e ao modo como tem vindo a ganhar voz, Barros reconhece avanços, mas sublinha que isso acontece não porque haja políticas inclusivas, mas porque há luta. São os movimentos e as pessoas negras que têm forçado a abertura de espaço, exigindo representatividade e participação ativa. A cidade ainda não incorpora naturalmente essa presença, nem responde às suas demandas com a seriedade de uma cidadania verdadeiramente partilhada.
Para Vítor Barros, Lisboa é uma cidade segregada. E essa segregação está espelhada nas políticas públicas: basta observar como são desenhadas as políticas de habitação e transportes. Basta, também, apanhar um comboio em direção à linha de Sintra para perceber como a exclusão e a separação geográfica moldam a realidade urbana. Lisboa, conclui, é uma cidade onde a desigualdade está inscrita na paisagem.