A Story From Africa, entrevista a Billy Woodberry
A sessão “Descolonizar a Memória”, no DocLisboa no dia 20 às 15h 30, na Culturgest, exibe dois filmes que problematizam o colonialismo. Palimpseste du Musée d’Afrique (em estreia mundial), de Matthias De Groof e A Story from Africa, do afro-americano Billy Woodberry, narrado por intrigantes fotografias de uma campanha de pacificação liderada pelo General Alves Roçadas, em 1907, no sul de Angola.
Billy Woodberry, co-fundador do coletivo Afro-American film LA Rebellion, anima, numa narrativa sonora e visual, o arquivo fotográfico destinado a comprovar a conquista do território Cuamata, através da trágica história do soba Calipalula, essencial ao desenrolar desta campanha de pacificação. O BUALA falou com o realizador sobre alguns aspectos do filme. Não, não são imagens do século XVII.
Está a preparar um documentário sobre Mário Pinto de Andrade…
Mário Pinto de Andrade e a sua geração de intelectuais africanos lusófonos e ativistas anti-coloniais foram uma fonte de inspiração para mim quando os descobri nos anos 70. Tendo um produtor português interessado, trabalho neste documentário há 4 anos.
Como descreve esta singular figura da luta pela independência e o seu potencial teórico e político?
O perfil de Mário Pinto de Andrade é original para o seu tempo e actividade: como poeta, motivou autores a desenvolver uma linguagem literária nativa, como intelectual pôs constantemente à prova as suas ideias e do seu contexto para a praxis da luta de libertação; e como activista político teceu a delicada e discreta rede de laços diplomáticos para garantir às nações africanas emergentes uma base segura na comunidade internacional.
Foi a partir desse trabalho que encontrou, fora de contexto, uma série de fotografias feitas durante a campanha portuguesa de “pacificação” de 1907. Ficou impressionado pela força das imagens nesta descoberta?
Fiquei muito espantado porque pensava estar perante um registo fotográfico relacionado com o transporte e tráfico de pessoas escravizadas, mas estava enganado. Depois não desisti até perceber o contexto real daquelas fotografias.
O que sabia sobre as campanhas de pacificação em África e o papel dos portugueses, em particular a questão com a Alemanha no sul de Angola?
Conhecia de modo geral as disposições da Conferência de Berlim de 1884-85, na qual os impérios europeus dividiram os territórios africanos entre si. No processo de pesquisa para o filme, tornou-se mais claro o papel das campanhas portuguesas em África dentro desse enquadramento colonial de finais de século XIX até à primeira guerra mundial.
Sobre o líder da Campanha, o general Alves Roçada (quando as forças portuguesas atravessaram o Cunene e, já em terras do povo Cuamate, fundaram o Forte Roçadas)… Temos uma conhecida avenida em Lisboa com o seu nome figurando como herói militar.
Segundou sei, estes nomes foram escolhidos nos planos de nova urbanização de Lisboa nos anos 50 para designar avenidas e praças modernas - respondendo a uma necessidade de justificar um precedente para um país ‘pluri-nacional’, tal como argumentado pelos diplomatas do Estado Novo sempre que confrontados pela ONU quanto à resolução de descolonização. Paiva Couceiro é um dos nomes dessa urbanização. Fez as Campanhas em África e foi também um separatista monárquico proclamando a Monarquia do Norte contra a recém-proclamada República em Lisboa.
Mas mudaram o nome da ponte Salazar para ponte 25 de Abril…
Os portugueses desconhecem estes crimes de guerra e histórias violentas do seu passado recente, como justifica?
A Grã-Bretanha, França, Bélgica, Alemanha e Portugal comungam da mesma violência resultante da partilha dos territórios africanos da Conferência de Berlim. Porém, o facto do papel de Portugal na chamada ‘Corrida a África’ ser tão ausente nos debates talvez se justifique pela fragmentação que a interpretação destes acontecimentos sofreu na mudança de regime da monarquia para a I República em 1910.
A partir de que fontes criou a narrativa? Refere um livro escrito por Velloso de Castro durante a campanha que testemunha a história de Calipalula…
A fonte principal para a narrativa foi de facto o livro de Velloso de Castro, que é um diário visual e pormenorizado da campanha que ele fotografou e documentou com anotações a vermelho que registam lugares e pessoas e a relação entre elas. Por outro lado, a maioria dos documentos e testemunhos sobre a campanha mencionam de algum modo a história de Calipalula. Alguns estão citados nos créditos do filme.
O filme aborda a instrumentalização dos “sobas” para conquistar o território…
É uma clássica manobra de conquista e guerra: encontrar a fragilidade e explorar o que divide o inimigo. Durante esse período e sob o regime de colonização por toda a África, ser soba num império europeu não era apresentado como uma perda de poder ou soberania sobre o povo. Calipalula apercebe-se demasiado tarde que perde o estatuto de soba devido a ter tentado usar os portugueses para eliminar um rival. O motivo mais provável do seu suicídio.
Tanto a estética como o ambiente do filme, montado a partir de fotografias e sons, impressionam bastante. Somos observados por aquelas pessoas, humilhadas e exploradas. Ao mesmo tempo parece um Western, de bons e maus. Como subverter o que se entende como o “olhar colonial”?
As fotografias foram tiradas por um membro do exército português, o olhar colonial vem da sua condição histórica. Porém, estas mesmas fotografias admitem e apontam - involuntariamente talvez - para um testemunho espetacularmente raro do seu tempo: a luta e a reacção das populações nativas ante as campanhas de conquista e a subjugação colonial, testemunho este que seria muito difícil de alcançar de qualquer outro modo dado que o povo Cuamato não teve oportunidade de registar a sua própria luta e discernimento sobre a batalha.
Explique em que medida este episódio da Campanha de Pacificação “suporta e antecipa o futuro tumultuoso da África do século XX”?
O processo e descolonização durante os anos 60 e 70 em Africa está intimamente relacionado com as fronteiras resultantes da Conferência de Berlim de 1885.