Há cerca de um mês, num supermercado de uma ilha portuguesa encontrei música de origem caribenha. Ao som do congo e do piano, as vozes masculinas e femininas bailavam. Salsa? Rumba? Merengue? Cumbia? Associei os sons às origens das raparigas que trabalhavam na loja. Simpáticas e gentis, esclarecem-nos as dúvidas num português cheio de espanhol. Apontaram num mapa a localização de uma praia e indicaram-nos num folheto o nº do autocarro para o Funchal. No fim, satisfizeram-me a curiosidade. “Sim, nascemos na Venezuela, e agora vivemos aqui”. Já no dia seguinte, a música que envolvia as prateleiras era outra: metálico, acelerada, electrónica. Reggaeton?, perguntei-me algo surpreendido. Ali, aquela mutação do reggae parecia-me ganhar um sentido que antes não apreendera. Voltei às perguntas, com renovada curiosidade: “São vocês que fazem a selecção destas canções, que escolhem esta música?”. Com a simpatia do dia anterior, uma das raparigas abanou a cabeça. “Não, não. A música é da própria da loja. Não é nossa”.
Mukanda
29.08.2023 | por José Marmeleira
Além do que está organizado durante os dias de Festival, abundam espontâneos encontros musicais e de dança, alguns acontecem madrugada fora na zona do recinto, com dezenas de pessoas que vão fazendo a música e a dança sem alinhamento, outros nos espaços envolventes. O espírito de encontro e de convívio marca toda a gente que participa no Tradidanças, assim como a possibilidade de fazer junto. Este relacionamento social mais impactante resulta, por certo, dos diferentes tipos de baile que proporcionam uma socialização diferente daquela que é vivida na maior parte dos Festivais de Verão. Aqui há convívio garantido mão na mão, olhos nos olhos, entre saltos ritmados, galopes e trocas de par. O Festival tem ainda outra particularidade: é claramente intergeracional, com muitas atividades para crianças e gente de todas as idades.
Palcos
21.08.2023 | por Maria Prata
Náná é o sufixo de Funaná, uma dança e música com origens na ilha de Santiago, música forjada, sobretudo por homens no mundo rural onde as mulheres têm um lugar passivo. A proposta de Djam Neguim consiste numa distorção destas "normatizações" da cultura cabo-verdiana, ainda muito rígida. “Com o meu trabalho tento romper com estas representações folclóricas e turísticas”, refere na nossa conversa que aconteceu pelas plataformas digitais.
Cara a cara
28.04.2023 | por André Castro Soares
Velhotes a jogar bilhar à espera de vez para a cadeira de barbeiro. Concertos de bandas. Valsas e forrós, sardinhadas e jazz. Erasmus, poetas, ex-ocupas, membros da sociedade da copofonia artística. Tantos encontraram refúgio no Grémio Lisbonense, uma jangada com secular varanda de pedra sobre o Rossio. O velho Grémio, porto de abrigo de cultura numa Baixa pombalina que se rende à especulação e gentrificação, foi afundado à força de bastonada policial. O “Elogio da loucura” numa cadeira de barbeiro. Texto de 2008
Cidade
07.03.2023 | por Marta Lança
A jovem violetista revela a sua cultura na pergunta que me fez – para quê pensar no futuro? No entanto, ela está inscrita no núcleo e tem diariamente aulas de música. Será que os professores fazem um esforço para compreender quem são os seus alunos, as suas culturas, as suas histórias de vida, os seus percursos? Será que encontram técnicas de ensino que permitem aos alunos atingir resultados no quotidiano? Como preparar um futuro sem o enunciar, concentrando-se apenas na ação prática ahora? Qual a importância do objeto que é o instrumento musical para que haja uma vinculação ao núcleo?
Surgem então as questões ligadas à música como instrumento de “transformação pessoal e social”, tal como o enuncia o El Sistema. A música parece ter uma função importante, mas qual? Como é que os professores ensinam? Para atingir que resultados? A música como instrumento (no presente) ou como objetivo a atingir (no futuro)?
A ler
16.09.2022 | por Alix Didier Sarrouy
Qualquer tentativa de definir uma «música queer» no contexto português depara-se, desde logo, com uma realidade: não existe entre nós uma frente assim identificada. O que verificamos no tecido musical do país é a gestação de algo que, de uma forma ainda disseminada e desorganizada, anuncia uma tendência. Tentamos juntar as peças desse puzzle e compreender o que está a acontecer no exato momento em que ocorre e não a posteriori, algo que caracteriza, infelizmente, a musicologia. Como o que se vai ouvindo vem de muito distintos núcleos de criação, raras vezes com oportunidades de confluência (concertos nos mesmos espaços, por exemplo), de uma frente não se trata. A motivação para escrever este capítulo está na possibilidade de, juntando microrrealidades específicas, tentar revelar o que as une.
Corpo
05.09.2022 | por Rui Eduardo Paes e Alix Didier Sarrouy
Conhecida como música do gueto, um novo ritmo chamado "batida" (ou afro-house) tem marcado as pistas de dança em Portugal e no mundo. Os Djs da Quinta do Mocho foram precursores nessa nova estética cosmopolita, beneficiando-se do fenómeno da digitalização da música para reinterpretar estilos e fazerem-se visíveis. Este é o caso do Studio Bros, cuja sonoridade afrodiaspórica é capaz de pôr a dançar todos aqueles que vivem nas "margens" do planeta.
Afroscreen
01.07.2022 | por Otávio Raposo
A 22.ª edição do FMM Sines - Festival Músicas Mundo realiza-se de 22 a 30 de julho de 2022, com 46 concertos de músicos de quatro continentes a realizar na aldeia de Porto Covo (de 22 a 24 de julho) e na cidade de Sines (de 25 a 30 de julho).
Depois de dois anos de paragem devido à pandemia, o festival regressa alinhado com os princípios de representatividade geográfica, estética e cultural que o orientam desde a sua origem, com artistas de 27 países e regiões e uma grande variedade de estilos e pontos de vista.
Vou lá visitar
10.06.2022 | por vários
Djam Neguin, artista caboverdiano multifacetado provocativo e irreverente, brinda-nos e surpreende com nova composição. “Badio Branku” como título, manifesta uma capacidade sintética de todo um conteúdo e narrativas contemporâneas daquilo que enfrentamos nas nossas sociedades, sedentas de africanidade como processo emancipatório.
Djam canta a um “espelho invertido”, uma máscara de quem não se quer ver. E sobretudo acusar-se. O existencialismo fala-nos do fardo que é a nossa própria liberdade, na simetria de uma responsabilidade que nem sempre é assumida na mesma medida. Amílcar Cabral falou disso, quando projetou e defendeu a criação do “homem novo”, que pensasse pela sua “própria cabeça”. Um ser livre. Um homem que se pode dar ao luxo de se ver e de ser visto, humanamente, sem “lágrimas de cor”.
Palcos
07.06.2022 | por Valdevino Santos Bronze
Gisela Casimiro conversa com Maria do Mar e Lia Pereira. Mulheres da música e das comunidades que ela une. Mulheres que nos fazem sentir em casa.
Palcos
02.05.2022 | por vários
As pessoas têm de perceber que a arte não tem de ser adaptada. Ela é uma forma de expressão. Estou muito curioso para ver como serão os próximos tempos e como é que os artistas visuais vão lidar com a nova criação de vídeos na vertical. A adaptação não é algo necessariamente negativo, mas acima de tudo não deveria ser algo que inibisse o artista de ser ele próprio. Uma coisa é certa, apesar de tudo, a sociedade tem aberto mais olhos para as pessoas com menos representação nas esferas sociais e tem havido criações mais diversificadas, com perspetivas mais originais e críticas.
Cara a cara
26.04.2022 | por Arimilde Soares
O ritmo é pesado, a mensagem também. Nem tudo são “flores” na Quinta do Mocho. A música é de Dollar Americanni Strong que, junto com B Fox Kamin, improvisam uma performance de desabafo e transgressão para a câmara.
Afroscreen
22.04.2022 | por Otávio Raposo
Antigo coletivo de artistas da Quinta do Mocho, Kebrada 55 tornou-se também o nome de um bar, onde DJs, rappers e kuduristas se reúnem para conviver e pôr em ação as suas inovações musicais.
Afroscreen
17.03.2022 | por Otávio Raposo
O crioulo como uma língua dinâmica foi acompanhando a evolução e desde sempre adotou vocabulários de outras línguas, fenómeno associado às nossas caraterísticas culturais: somos um povo “aberto” ao mundo e àquilo que ele tem para nos oferecer.
“Todas” as nossas manifestações culturais mais tradicionais são o culminar de uma mistura de povos que deram origem ao caboverdiano: a Tabanca, o Batuku, o Finaçon, o Funaná, a Morna, a Coladeira. A nossa forma vestir, a culinária, a pintura, a escultura, a tecelagem, a forma como os nossos escritores escrevem, a forma como nós pensamos e agimos. Cada uma destas manifestações culturais tem uma matriz influenciadora, toda a criação tem uma origem, uma influência. Esta influência está patente na cultura cabo-verdiana e é preciso protegê-la, cultivá-la e deixá-la fazer o seu caminho.
Jogos Sem Fronteiras
22.02.2022 | por Ednilson Leandro Pina Fernandes
Conhecida por misturar o político e o profano e denunciada pelas suas raízes vodu, a música rabòday é o som desafiador - e amplamente popular - de uma nova geração haitiana insatisfeita. As estrelas desta corrente tornam-se surpreendentemente influentes ao transformar as ansiedades do público em hinos para dançar.
Palcos
08.02.2022 | por Susana Ferreira
O Single “Ka bu skeci tradison” magnificamente dirigido e interpretado por Djam Neguin convoca-nos à ação, num quadro de inexorável erosão dos nossos traços identitários como povo, nação e individuo.
Este jovem artista, com um currículo soberbo nas áreas performativas em Cabo Verde, traz-nos uma preciosa reflexão sobre o tema tradição vs modernidade. Djam é um artista inventivo, irreverente, definitivamente irrequieto e com uma criatividade e sensibilidade muito profundas.
Palcos
04.02.2022 | por Valdevino Santos Bronze
Vinte de janeiro de 1973, Conacri: Amílcar Cabral é assassinado a tiro por um grupo de homens armados. Vinte de janeiro de 2010, Praia: um grupo de jovens ativistas do hip-hop assinalam a data do assassinato deste herói bissau-guineense e cabo-verdiano através de um ato de insubordinação simbólica que acabou por inaugurar uma importante manifestação cultural de resistência e resgate da história denominada de Marxa Cabral, chamada na altura também de Marxa do Hip-Hop.
A ler
19.01.2022 | por Redy Wilson Lima
Ser artista mobiliza sonhos e responsabilidades. A aprendizagem é coletiva, não existindo qualquer perspetiva de evolução sem o apoio e a orientação dos colegas.
Afroscreen
13.12.2021 | por Otávio Raposo
A primeira vez que BLINK se impediu de cantar uma rima, estava num concerto de Regula. Quando a plateia feminina entoou “As duas juntas fazem-me coisas que tu não imaginas / metem as bolas na boca e dizem que estão com anginas”, na música “Casanova”, ela manteve-se em silêncio enquanto tentava digerir o choque. Não era que não tivesse ouvido os versos antes, mas pareceu-lhe errado cantar aquilo sendo mulher. Para a rapper, é possível distinguir o conteúdo da forma. As rimas, a sua métrica e cadência são atrações que por vezes até ofuscam o conteúdo, pelo menos numa primeira audição. Mas as palavras dissecadas deram-lhe a volta ao estômago.
A ler
13.12.2021 | por Rute Correia
Entre a música e a dança serve-se à noiva a refeição principal, à base de arroz, leite fermentado e óleo de palma. O tambor de água (ou tina) marca o ritmo do festejo, acompanhada pelo djembê, sikó, wafe e as canções tradicionais ligadas a esse ritual.
Afroscreen
16.11.2021 | por Otávio Raposo