Há preconceito nos serviços públicos e nas escolas. Gizane Campos
Gizane Campos tem 45 anos e é carioca. Viveu vinte anos em Londres, cidade que a marcou pela forte multiculturalidade. Em 2020, numa Inglaterra pós-Brexit e em plena pandemia, Gizane e sua família decidiram buscar um novo lar, onde havia a certeza da luz do sol, uma vida mais leve e um ambiente mais acolhedor para estrangeiros. Foi então que junto com seu companheiro e a filha mudaram-se para Lisboa.. Atualmente trabalha como apresentadora de vídeos e consultora em Relações Públicas para empresas. Mas o que mais a move é a sua iniciação ao universo da literatura infanto-juvenil.
Qual o seu percurso, circulação pela cidade? Que transportes usa?
Uma vez por semana, vou ao escritório no Cais do Sodré e faço um percurso bem descontraído, do Beato até lá de bicicleta pela ciclovia. Outras vezes faço o caminho a pé, isso leva quase uma hora, mas não me importo. Ouço podcasts, música ou simplesmente observo a beleza em torno do rio Tejo. É um dos highlights do meu dia.
Gizane Campos
Quais são os problemas mais gritantes de Lisboa?
Essa caminhada a pé ou de bicicleta permite observar não só a beleza, mas também as mudanças no espaço urbano. Vejo um aumento gritante da população em situação de rua (alguns vivendo em pequenas comunidades abaixo de viadutos entre Santa Apolónia e Xabregas) com tendas e alguma estrutura, outros dormindo em frente a prédios abandonados, com quase nada. Há muitos pedintes e pessoas em consumo visível de álcool logo cedo. É um retrato da desigualdade social, acelerada pelo encarecimento das rendas e os baixos salários do país.
Como vê a situação da maioria da população imigrante na cidade?
É uma pergunta difícil, porque a minha experiência pessoal tem sido muito boa. Portugal é um país de imigrantes, com uma história de idas e vindas, mas sei que há muitos casos de preconceito contra imigrantes de várias nacionalidades, potencializados por discursos de extrema-direita que os culpabilizam. Vejo pessoas vivendo em sistema rotativo em apartamentos (enquanto uns dormem de dia, outros trabalham à noite e vice-versa). Há preconceito nos serviços públicos e nas escolas. Não é algo exclusivo de Portugal, mas infelizmente faz parte do dia a dia em Lisboa.
Que lugares escolheria como modo de Memorialização da presença brasileira? Porquê?
Talvez o Chiado e a Graça, que sempre tiveram presença forte de brasileiros e muita circulação cultural, e também Almada e Barreiro. Atravessando a ponte há muitos brasileiros que ali reconstroem a vida. Mas o Bairro das Novas Nações seria um lugar simbólico relacionado com a história colonial mas que espelha algumas mudança que Portugal está fazendo a repensar a sua história, de bairro das Colónias para Novas Nações.
Sente que os brasileiros estão a ter mais voz no espaço público em e sobre Lisboa? O que tem mudado?
Noto mudanças, por exemplo os dois grandes jornais nacionais, o Diário de Notícias e o Público, agora têm edições em português brasileiro. Isso já mostra que os brasileiros estão a ganhar mais espaço, embora ainda falte maior participação nas políticas públicas.
Lisboa é uma cidade difícil para os imigrantes?
Sim e não. Em termos de língua, Lisboa não oferece barreiras e o inglês é falado em todo lugar. Há possibilidade de trabalho, como condutores de TVDE ou no setor turístico. O que torna a cidade difícil é o custo de vida muito alto, somado ao preconceito local. Isso acaba por dificultar muito a vida de quem imigra por necessidade e para sobreviver.