Muitas pessoas negras só transitam, não usufruem da cidade. Aoaní

Aoaní nasceu em São Tomé e Príncipe em 1984, e é jornalista, atriz e produtora. Viveu uma década em Luanda onde trabalhou como jornalista, mas a sua base é Lisboa, morando na linha de Sintra. Atualmente pesquisa sobre os desdobramentos do colonialismo, do racismo e seu impacto no imaginário criado sobre corpos racializados no contexto artístico e social português. Escreve para o Buala e colabora com o Avenida Marginal na RDP África. Ainda faz spoken word. 

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Qual o seu percurso, circulação pela cidade? Que transportes usa?

Como atriz, a minha deslocação vai depender dos projetos em que estou a trabalhar, mas muito frequente tenho ensaios no Polo das Gaivotas e no Ponto de Encontro em Cacilhas. Como vivo em Queluz, ando sempre de autocarros e comboios. Quando vou para Cacilhas, uso também o barco e para o centro de Lisboa, o metro. Dentro de Lisboa, prefiro o metro.

Quais são os problemas mais gritantes de Lisboa?

Neste momento, os mais visíveis são o acesso à habitação, com um aumento significativo de pessoas em situação de sem abrigo, e a falta de transportes nas periferias.

O que acha da situação da maioria da população africana e afrodescendente na Grande Lisboa?

Continua marginalizada e empurrada para longe do centro. Em situação cada vez mais precária e com menos poder de compra. Mas ainda assim, na luta.

Que lugares escolheria para Memorialização da presença africana e da história colonial? Porquê?

Escolhia o Largo de São Domingos, ponto de confluência de pessoas de vários lugares de África, onde ficava Primeira confraria religiosa de homens negros (Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos). A rua Actor Vale nº 37, casa de Andreza do Espírito Santo e Centro de Estudos Africanos, que foi ponto de encontro de vários pensadores e nacionalistas africanos. O Cais das Colunas ou outro lugar que tenha histórico onde chegavam navios negreiros e pessoas escravizadas, porque são pontos de dor mas também de resistência e luta. Há muitas possibilidades. 

Sente que os movimentos e pessoas negra estão a ter mais voz no espaço público em e sobre Lisboa? O que tem mudado?

Acho que é cíclico. Sempre houve resistência. Crei que, quando as lutas e a resistência se intensificam, o sistema faz concessões perfomativas sem realmente implementar mudanças estruturais significativas e isso acalma esses movimentos. Mas depois, quando a geração seguinte (ou a mesma) percebe que não mudou nada, volta a aumentar a resistência e a tensão social.

Acha que Lisboa é uma cidade segregada? Que forma toma essa segregação?

Lisboa é completamente segregada, talvez não se note porque transitam pessoas de vários lugares e backgrounds. Mas é isso, elas só transitam, não habitam, não vivem, não usufruem da cidade. Elas só trabalham, só servem. E as pessoas que habitavam a cidade têm sido empurradas para fora dela, embora precisem de voltar diariamente para a servir. E nesses lugares para onde são empurradas não há nada além da cama. Quando tentam voltar para usufruir da cidade, nos poucos tempos que vão tendo livres: não há transporte.

por Marta Lança
Cidade | 18 Setembro 2025 | Aoaní, Quem mora nesta Buala