Turn, turn, turn, de Maria Condado
27.09 - 06.12.2025 Inauguração 27.09 (17h - 20h) na Carlos Carvalho Arte Contemporânea, Lisboa
Em turn, turn, turn, Maria Condado parte da canção homónima de Pete Seeger (1959), popularizada pela banda The Byrds em 1965, para evocar a ideia de movimento cíclico, de que todas as coisas têm o seu tempo e de que “tudo flui”, tal como expresso na música. Amplificada nos anos 1960, no contexto da Guerra do Vietname, a canção exerceu um impacto significativo nos movimentos sociais de contestação e de protesto pacifista, assumindo um sentido de mobilização coletiva anti-guerra que influenciou a opinião pública e contribuiu para a retirada das tropas norte-americanas.
Com letra retirada do Livro de Eclesiastes 3:1-8, a existência humana é apresentada como uma sucessão dialética de opostos — nascer e morrer, plantar e colher, destruir e reconstruir — que não apenas descrevem os contrastes, mas convocam também uma urgência. Ainda que a canção possa ser interpretada como uma meditação poética sobre a transitoriedade da vida, o contexto e a força que adquiriu numa época de instabilidade revelam o seu apelo direto à ação pacífica e à transformação social. Exemplo disso é a inserção, por Pete Seeger, do verso “I swear it’s not too late” (“Eu juro que ainda não é tarde demais”), ausente dos textos bíblicos, e que surge como um apelo à urgência da mudança.
Ao convocar um período histórico de conflitualidade social e engajamento político, Maria Condado reclama o papel da pintura como um ativo funcional e operativo que não se limita ao objeto artístico final, fazendo uma abordagem de pinceladas amplas e composição aberta, onde o movimento é o elemento central. Mais do que resultado de um projecto de concepção e planeamento para um objecto final, a pintura é entendida como uma intensificação da experiência da realidade concreta e do próprio trabalho do atelier. A pintura é densa, jorrada, não apenas pela incorporação de elementos visuais, mas pela ousadia da mancha, da cor e da composição, que toca linguagens diferenciadas.
Tal como o conjunto de pinturas dispostas em ritmo formal e cadenciado na sala principal, a sala contígua — obscurecida — apresentará uma projeção de slides que retoma uma prática histórica de fotografar a vivência de atelier, visibilizada pela primeira vez por Gustave Courbet (L’Atelier du peintre, 1855). Este trabalho inscreve-se como uma extensão do processo de atelier, procurando não documentar — mas talvez traduzir — a experiência quotidiana do espaço de trabalho. Entre pinturas, foram captados momentos, imagens e metáforas visuais que podem surgir como comentários paralelos às questões da própria pintura. O atelier é aqui concebido como laboratório: lugar de experimentação e pensamento.
A escolha de fotografar em diapositivos de 35 mm e apresentá-los num projetor carrossel de 80 imagens (como um scroll analógico e anacrónico, talvez) induz uma desaceleração, tanto na produção das imagens como no seu visionamento. O loop contínuo do projetor carrossel torna-se, também ele, um gesto circular: turn, turn, turn — evocando os ciclos que se sucedem durante os meses de preparação de uma exposição enquanto, simultaneamente, a vida decorre, tanto na interioridade da artista como no mundo caótico que a circunda.
Ao tornar visível o atelier, Maria Condado desloca para o espaço expositivo o espaço privado, mostrando uma ideia de atelier como espaço de vida e de experimentação, onde o pensamento e a prática se entrelaçam. Assim, o processo do fazer, pressupondo as suas circunstâncias e problemáticas, é entendido como parte integrante da obra, mostrando como, para a artista, público e privado se fundem, tal como o artista não se desliga da vida concreta. Este gesto reafirma o compromisso de Maria Condado com a realidade social e política, e com uma prática situada e que reclama o tempo presente e é capaz de intervir criticamente sobre este. Ao evocar um período histórico de conflitualidade social e engajamento político e ao remeter-se ao universo do atelier, Maria Condado apela à urgência da ação, instigando a responsabilidade da arte como instrumento ativo de interpretação, intervenção e transformação do seu tempo.
Podemos pensar nestas obras como sendo movidas pela ambição de tornar a pintura um elemento atuante e não alheado, focando-se no vivencial e no processual, entendendo a arte como “forma de intensificar a nossa presença no mundo.”1
Turn turn turn, Maria Condado
- 1. John Dewey - A Arte como experiência. Martins Fontes, 2021