O hip hop africano, como no resto do mundo, tira referências e imita sons da cena americana. Uma vez que é o berço do estilo e onde a sua produção está centrada, é lógico que seja este o caso. E embora o rasto do hip hop americano seja demasiado longo, há artistas do estilo que tentam seguir o seu próprio caminho e adaptá-lo ao seu próprio contexto. Art Melody, um nativo do Burkina Faso, é um caso paradigmático. A sua carreira, que começou depois de uma viagem sem sucesso e truncada à Europa por terra como imigrante ilegal.
Palcos
25.02.2021 | por Javier Mantecón
Os amigos tugas dos chefes dos tugas estão a despedir muitos tugas, coitados, e quando isso acontece sempre mandam os tugas coitados emigrar. Por exemplo, há não muitos anos, um chefe tuga chamado Caço Coelhos também fez o mesmo, deu muito dinheiro aos seus amigos tugas donos dos bancos e despediram os tugas coitados e mandaram-nos emigrar. “Vá!, todos para o Norte, emigrem para a Europa, saiam da Tugalândia.”
A ler
21.02.2021 | por Marinho de Pina
É costume ver-se inúmeras pessoas agrupadas na rua durante qualquer horário do dia e da noite simplesmente a falar, trocando ideias ou jogando jogos de mesa. Crianças de todas as idades a praticar desporto durante várias horas seguidas. Crianças construíam bicicletas da madeira desde raiz. Inacreditável. Crianças a brincar com fisgas. Lembro-me de pensar, esta felicidade não tem comparação. Algumas destas diferenças culturais provinham certamente da minha subconsciente postura etnocêntrica, muito forte na adolescência. A viagem ajudou-me a ser mais humilde comigo próprio e com os outros e, além disso, a perceber as diferenças entre seres humanos idênticos mas diferentes em tanta coisa.
A ler
10.02.2021 | por Álvaro Amado
O racismo entre as duas comunidades dividia, de cima a baixo, a sociedade luandense, do poder judicial ao comércio que se fazia no interior dos musseques. A retórica usada pelo procurador, ao tentar abanar os alicerces sociopolíticos dessa justiça racial e ao pôr a descoberto a hipocrisia, o subjetivismo e a parcialidade dos juízes, invocava três imagens sobre o mesmo espaço: o recorrente dualismo entre a cidade branca e a cidade negra; um roteiro da modernidade urbanística conspurcada pelo terrorismo e a geografia punitiva do império.
Cidade
04.01.2021 | por Bernardo Pinto da Cruz, Nuno Domingos, Diogo Ramada Curto, Juliana Bosslet, Marcelo Bittencourt e Pedro David Gomes
Nas últimas décadas, o conflito na África subsariana não só devastou as aldeias e criou campos de refugiados em lugares dispersos, como também transformou as cidades e vilas onde agricultores aterrorizados procuravam segurança e oportunidade. Apesar dos subúrbios desordenados – fruto de um crescimento urbano não planeado – não escaparem à visão dos gabinetes das autoridades do Estado e das instituições de apoio internacional, estas organizações não têm abordado a relação entre conflito e urbanização. Tal negligência compromete a reconstrução pós-conflito, desperdiça oportunidades para o desenvolvimento e arrisca-se a quebrar uma paz muito débil.
Cidade
02.01.2021 | por Simone Haysom
Os angolanos e angolanas têm-se construído socialmente também fora de Angola e em diálogo com o mundo. Nessas partidas e chegadas levam uma bagagem do intangível, o imaterial: a intuição, a fé, a dança e o olhar triste e profundo da permanente incerteza. E o sorriso como resistência última de se esconder a tristeza, os infortúnios da vida. Talvez à chegada e na partida não seja preciso falar muito. Talvez seja preciso escutar em silêncio e num abraço. Um abraço em escuta.
Afroscreen
21.12.2020 | por André Castro Soares
A construção de uma parceria mais forte e mais estratégica com África também obrigará os países da UE a abandonarem a sua obsessão com a “ameaça” das migrações e a reconhecerem a importância estratégica do continente. Um debate sincero sobre a expansão das vias judiciais para garantir a mobilidade, nomeadamente as migrações circulares, seria benéfico.
Jogos Sem Fronteiras
17.12.2020 | por Carlos Lopes
A forma como as práticas artísticas estimulam aprendizagens informais entre os jovens da periferia de Lisboa é a principal preocupação deste artigo. A partir de três bairros “racializados” – Arrentela, Cova da Moura e Quinta do Mocho –, enquadramos algumas das mais inovadoras produções artístico-culturais para debater a escola, o racismo, as desigualdades e os engajamentos político-cidadão. Numa Afro-Lisboa que tarda em assumir a agência das populações afrodescendentes, arte e cultura se tornam instrumentos privilegiados para reconfigurar o papel da “raça” nas questões relacionadas à cidadania, marginalidade e educação no Portugal pós-colonial.
Cidade
10.12.2020 | por Otávio Raposo
Em 1998, Portugal ainda era a ex-metrópole naïve que festejava os Descobrimentos na inconsciência de que haveria uma ressaca do dia seguinte, e de que até o Padre António Vieira se tornaria tóxico. Vinte anos, algum pós-colonialismo e muito kuduro depois, África tornou-se um sujeito e um objecto recorrente nas práticas artísticas que irradiaram de Lisboa para o resto do país — ou, nalguns casos, do resto do mundo.
Jogos Sem Fronteiras
10.12.2020 | por Inês Nadais
'Cacheu Cuntum' apresenta em imagem o que nem a distância, nem o tempo, nos permitiram até hoje compreender, acerca da percepção que o povo bissau-guineense tem sobre o seu passado. Falo de um passado velado por inúmeras falsidades geradas pela ocupação territorial no período da escravatura e colonial. Esse passado quer-se resgatar através da impressão e fixação de um renovado registo vivo, daquilo que é o cotidiano atual e “metaficional” daquilo que poderia ser a reminiscência dos que resistiram à opressão ao longo de 4 séculos de ocupação e exploração desumanas.
Afroscreen
13.11.2020 | por Welket Bungué
O fato das categorias de gênero ocidentais serem apresentadas como inerentes à natureza dos corpos e operam de maneira dicotômica – binariamente opostas masculino/feminino, homem/mulher -, em que o masculino é considerado superior em relação ao feminino e, consequentemente, a categoria definidora, é particularmente exógeno a muitas culturas africanas. Quando as realidades africanas são interpretadas com base em demandas ocidentais, o que consideramos são distorções, disfarces na linguagem e, muitas vezes, uma total falta de compreensão devido à incomensurabilidade das categorias sociais e institucionais.
Corpo
05.11.2020 | por Bas ́Ilele Malomalo
Europa, queria começar por enviar-te cumprimentos, mas vais ter de perdoar-me, porque neste momento estou em tormentos cujo comprimento é imenso; tormentos tão velhos como este lamento que me risca o peito e me deixa neste leito, desfeito, em trejeito de dores lancinantes que enlaçam as partes que lançam ares salutares nestes esgares que mostram os meus desaires. Pois tu, tu tudo fazes para que tu e a África não sejam pares. Nunca serão comadres, Europa, enquanto desejares que a África continue à tua sombra… sabes…
Mukanda
26.10.2020 | por Marinho de Pina
No presente, porém, essa população miscigenada de forma forçada e violenta não encontra respaldo, nem reconhecimento por parte da elite política e econômica do país, que ainda reproduz comportamentos enraizados de discriminação dos afro- descendentes, sem esquecer que o primeiro grande contingente de escravos trazido a Portugal
A ler
11.07.2019 | por Miguel de Barros
Atravessar fronteiras físicas e disciplinares é uma vocação de Achille Mbembe. A temática da passagem e do movimento é, aliás, uma chave para a sua compreensão da história e da cultura africanas. A sua perspectiva sobre o passado, o presente e o futuro de África implica ao mesmo tempo traçar uma genealogia da modernidade europeia, das categorias do pensamento que ela construiu, da racionalidade e da historicidade da figura do negro.
Cara a cara
19.12.2018 | por António Guerreiro
“Afrotopia é uma utopia activa que procura no real africano os diversos espaços do possível e os fecunda”. Não defende nem o afro-pessimismo (que olha para o continente como estando à deriva), nem o afro-euforismo (que olha para África como o futuro económico). Qual será o lugar de um afrotópico? “O realismo”, responde.
Cara a cara
08.05.2018 | por Joana Gorjão Henriques
O que muda significativamente não é de facto a diferença da categoria violência, real e simbólica, sobre a qual se fundam estes espaços africanos, mas a da visibilidade que essa violência adquire quando falamos da pós-colónia, fazendo emergir uma possível leitura sobre as duas orfandades de África – por um lado, a da colonização e, por outro, a da Guerra Fria, que geraram sistemas de representação diferentes, mas unidos pela desapropriação, a violência e o extrativismo. De que tipos de continuidades e descontinuidades estamos então a falar nestas narrativas?
A ler
19.06.2017 | por Margarida Calafate Ribeiro
Mesmo nas filmagens correu tudo espantosamente bem. Mas houve também muito cuidado da nossa parte. Estávamos em terreno desconhecido, com hábitos particulares. É preciso ter sensibilidade e ter em conta tudo isso. Tivemos sempre essa preocupação: não era chegar a um sítio e filmar tudo o que nos apetecia como se estivéssemos à porta de nossa casa. Não agimos assim. Tento sempre filmar da mesma forma que filmaria aqui numa aldeia: falar com as pessoas primeiro e perceber que espaço tenho para fazer o que gostaria, e adaptando-me sempre a essas sensibilidades. E fazendo assim as coisas acabam por correr bem.
Cara a cara
14.03.2017 | por Mariana Pinho
A série foca-se no ciclo africano do império português, e esse é um século marcado por violência. O colonialismo é uma forma de violência, uma forma de domínio de sociedades que eram dominados pela superioridade militar, técnica e económica das civilizações europeias. E esse domínio exerceu-se de forma violenta. Restringindo e esmagando os direitos das populações autóctones e imponde-lhes um modo de produção injusta, de forma a assegurar a acumulação do sistema colonial.
Cara a cara
06.03.2017 | por Mariana Pinho
Mariana Pinho escreveu um artigo sobre o nosso espetáculo, ZULULUZU, a que deu o nome de “Zululuzu: é isto, é aquilo? Ai não pode ser”. Não temos por hábito reagir ao que se escreve sobre o que fazemos, mas discutindo-se no espetáculo as questões e políticas de identidade, onde se dialoga com normas e convenções, e notando nós nesta leitura de Mariana Pinho a gramática de uma ontologia dominadora que estrutura a opressão contínua dos diversos esquemas sociais, decidimos redigir este texto.
Palcos
11.10.2016 | por Teatro Praga
Aqui o dispositivo teatral de representação surge como um constante “piscar de olho” ao espectador: os actores representam perante o público de espectadores – frente-a-frente – criando uma espécie de cumplicidade com os mesmos. Cumplicidade essa que nos vai tentando mostrar sim, estão a ver? Nós sabemos que vocês também sabem. Esse formato interactivo que montam com o espectador acaba por definir as regras do jogo que estamos a ver. Se num primeiro momento deixavam espaço para pensarmos essa imagem de África que temos na cabeça - e que até aí não associámos ao Pessoa - aqui, a literalidade visual, revestida de provocação, somada ao tom de denúncia permanente, fazem com que se perca esse espaço de reflexão autónoma e desilude nesse clássico tom de sobranceria perante as evidências.
Palcos
03.10.2016 | por Mariana Pinho