Guiné-Bissau: um caso singular das luta de libertação

Há exatamente 52 anos, o bravo povo da Guiné-Bissau proclamava ao mundo, unilateralmente, a sua independência e decretava o fim do império colonial português, confirmando a certeza de Cabral (1973) de que:

“Nenhuma força no mundo poderá evitar a libertação total do nosso povo e a conquista da independência nacional da nossa terra.”

Não seria exagero destacar a singularidade da experiência desta terra “balanta” (aqueles que resistem), cujo processo de luta, pela sua convicção e potência de contágio, evoca a experiência revolucionária do heroico povo aytiano, no qual, em pleno século XIX, homens e mulheres escravizados, revoltando-se, decidiram pegar em armas para aniquilar o sistema colonial francês e fundar a primeira nação negra, livre e abolicionista da história, governada por aqueles que se libertaram a si mesmos.

Diferentemente de outras experiências africanas em que a independência passou muitas vezes por processos de negociações formais com a potência colonial, uma forma de Indirect Rule, digamos, a Guiné-Bissau, sob a liderança do PAIGC, não esperou pelo aval de Lisboa para assumir as rédeas do seu destino. Tal como no Ayiti, que derrotou pela força a maior potência militar do seu tempo (o exército de Napoleão Bonaparte), também o povo da Guiné-Bissau, com organização, inteligência e estratégia do PAIGC, derrotou militarmente o exército português, que estava longe de ser um dos melhores do mundo. Com esta vitória-Strela, a Guiné-Bissau declarou-se independente em 1973, assumindo-se como Estado livre e soberano, ainda antes da queda do regime colonial e do fascismo em Portugal.

No restante continente, mesmo países como a Argélia, conhecida como “a meca de todos os revolucionários” e que também travou uma luta armada histórica contra a França, não conseguiram tal feito, acabando por encetar negociações formais com o Hexágono colonial.

Importa ainda dizer que, para Amílcar Cabral, a luta armada e as armas eram instrumentos políticos para alcançar objetivos maiores, assim como a diplomacia. É sobejamente conhecido o génio de Cabral, que será, talvez, um dos maiores diplomatas da história política panafrikanu. Prova concreta disto é que mais de 80 países reconheceram imediatamente a independência da Guiné-Bissau, e a própria Assembleia Geral da ONU votou o reconhecimento do país como Estado independente, enquanto Portugal, cada vez mais isolado no plano internacional, teimava em manter a narrativa mirabolante de “província ultramarina”. Uma vitória diplomática colossal, algo que quem estuda relações internacionais raramente aprende em livros ou aulas.

Evidenciar a singularidade da experiência de luta guineense, que, pela diversidade dos seus povos, constitui um autêntico mosaico panafrikanu, não visa diminuir nenhuma outra experiência africana. Pelo contrário, ajuda-nos a repensar a questão da unidade na diversidade. Pode-se dizer que a primeira vitória de Cabral e do PAIGC foi “remembrar” as partes amputadas deste enorme mosaico, reconstruindo uma unidade, da qual uma das peças era também as ilhas de Kabuverdi. Foi essa engenharia de unidade que permitiu a vitória que hoje celebramos contra o colonialismo.

Da mesma forma que no Ayiti, foi a união dos diferentes povos africanos, então desmembrados dos seus territórios, que permitiu a maior revolução de todos os tempos. Ambas as revoluções, ayitiana e guineense, entram, sem dúvida, para a história das grandes revoluções pan-africanas.

Mas, parafraseando Cabral e Deolinda Rodrigues, não devemos celebrar vitórias como se fossem eternas. É preciso sempre lembrar que a vida de uma nação é luta, luta todos os dias para manter a sua liberdade e soberania. O Ayiti, até hoje, debate-se para manter erguida a sua dignidade, arrancada a preço de sangue. Assim também o povo da Guiné-Bissau continua a lutar para manter viva a chama revolucionária.

Cabe-nos a todos, sobretudo kabuverdianos e guineenses, fazer mais um “djunta-mó”, para que esta “larga estrada da esperança”, aberta com muita luta, não se feche, e para que as conquistas não se percam.

Txon di tudu luta, a Guiné-Bissau, de Cabral e Titina Silá, tal como o Ayiti, de Toussaint, Dessalines e Cécile Fatiman, contribuiu com ideias e atos na luta total dos nossos povos para a construção de uma ÁFRICA NOVA, de um MUNDO OUTRO. Uma luta que ainda CONTINUA.

Para nós, kabuverdianos e guineenses de hoje, se o projeto da unidade estatal não conseguiu consolidar-se, não esqueçamos que, para lá das questões institucionais, o nosso destino comum é a unidade popular e cultural.

Neste “setembro vitorioso”, um abrasu di ómi livri, ermondadi i amorzadi, di povu pa povu à Guiné-Bissau, téra balanta, di djentis razistenti i sénpri na luta 

Nha téra, nha krétxeu, e Kabuverdi ku Giné ki n fitxa na pétu i, n fase dimeu

Si tabanka korda, téra ta ranka

por Apolo de Carvalho
A ler | 24 Setembro 2025 | Guiné Bissau, Haiti, Independência