Quando uma criança é chamada oussif (uma palavra considerada ofensiva para designar servo ou escravo), isso pode deixá-la magoada ao longo da vida: é claramente violência verbal, ou seja, toda uma linguagem edificada em torno de uma ideia de superioridade de uns sobre outros, e que constitui uma forma de bullying. Mesmo que essa criança seja o melhor aluno da turma e que venha a ser um adulto "bem-sucedido".
09.07.2020 | por Luísa Fresta
No seu vídeo para Apeshit, filmado no Louvre, a cena do joelho dobrado é recriada, com as letras de Jay-Z a recordar à NFL quem precisa de quem, outra fagulha para a discussão sobre quão apreciada é a cultura negra e o quanto ela rende, em detrimento de quem faz essa mesma cultura e dos seus lucros se vê privado. Numa outra cena, Beyoncé retira a bandana pejada de pérolas que lhe cobria o rosto.
27.05.2020 | por Gisela Casimiro
Como investigadores da história do cinema, entendemos a necessidade de estudos sobre o que está a ser produzido numa certa margem do cinema contemporâneo, questionando inclusive a própria ideia de produção periférica ou marginal, uma vez que grande parte dos filmes que aqui trazemos consolida, em torno dos próprios filmes e de seus realizadores, novos “centros” de ativação cultural, deslocando as velhas (novas) relações entre centro-periferia.
27.05.2020 | por Michelle Sales
O que os mortos pelo vírus nos diriam caso tivessem a oportunidade? Ficam assim mais perguntas no ar. O cinema proporciona esse momento de introspecção, como se estivéssemos, assim como Narciso, vendo nossa imagem refletida na água, como na decepção por não conseguir ver a própria imagem nas águas escuras da noite. O cinema é uma janela que nos permite sonhar, criar, efabular outros mundos, outros horizontes.
12.05.2020 | por Marco Aurélio Correa
No contexto da produção internacional de um cinema político, engagé, Sarah Maldoror criou e manteve - desde Monangambé a Sambizanga, sobre a luta anticolonial em Angola, passando por Des fusils pour Banta, filmado entre os guerrilheiros da Guiné-Bissau - uma prática singular. Compôs um cinema político, servido por um olhar esteticamente cuidado, e em que, através de elementos ficcionais - e não através das opções documentais e do recurso ao cinema direto então característicos do cinema militante -, a ação não é tão central quanto a composição psicológica das personagens.
14.04.2020 | por Maria do Carmo Piçarra
'Sambizanga' foi filmado durante sete semanas em Brazzaville, no Congo. Abordando a guerra colonial/de libertação, no período 1961-1974, tornou-se um dos mais importantes filmes sobre a resistência africana. A história centra-se na procura de uma jovem mulher pelo seu marido preso e culmina num conto de separação e brutalidade que, através da perícia de Maldoror, torna-se muito afirmativo.
13.04.2020 | por Marta Lança
A ideia de que os peixes fogem das águas do Delta do Saloum por causa do ruído não é minha. É a ideia usada por Lamine, um piroguier, para me explicar parte das mudanças em curso nesta zona costeira do Senegal. O ruído a que se refere é sobretudo o dos motores das pirogas, dos muitos pescadores que acorrem para tentar a sua sorte aqui. Mas há mais ruído. Esta paisagem sonora começa às 5 da manhã, onde a insónia é alimentada pelo forte rumorejar das águas, num pequeno hotel à beira do rio, os melhores registos sonoros parecem acontecer sempre às cinco da manhã.
11.04.2020 | por Ricardo Falcão
Se a imagem é potência, uma vez que fixa e revoluciona pela multiplicidade de interpretações que inocula do sentimento humano, já a palavra irá fixar problematizando, porque está veiculada a uma ideia de linguagem de dominação e de autoridade – isto é, porque só escreve e fala quem é soberano no sentido da legitimação social-política.
17.03.2020 | por Marta Lança e Welket Bungué
Nestes filmes de cineastas latino-americanas o tratamento das noções dinâmicas de “território” e de “fronteira” — e do princípio de circulação subjacente — assenta num sistema de mobilidade e de retroação do olhar. Esse sistema põe em xeque a relação dual e hierárquica entre as categorias de observador/observado, sujeito/objecto, humano/não-humano que estrutura o modelo epistémico e representativo dominante.
04.03.2020 | por Raquel Schefer
É preciso salvaguardar uma possibilidade de futuro — essa poderia ser uma outra definição para bacuralizar, ou uma outra forma de descrever a atitude museológica que coloco como urgente. É preciso habitar Bacurau, aliar-se aos que caíram (João Pedro, Marielle) e aos que resistiram (Elizabeth Teixeira, camponeses, Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer), convocar outros filmes e outras lutas para conjurar futuros. Como o pássaro-escriva-anjo-museólogo, é preciso convocar os mortos e caídos a esse cortejo fúnebre para, com eles, ir de encontro ao porvir. Esse cortejo não é mais que um museu. É possível que falhemos. Mas eles também falharam.
04.03.2020 | por Patrícia Mourão
A condição de Funes serve de contraponto a Tudo passa excepto o passado, um encontro internacional em torno das políticas da memória, promovido pelo Goethe-Institut, que teve lugar durante alguns dias de Setembro na Culturgest em Lisboa, em articulação com um ciclo de cinema, Reimaginar o arquivo pós-colonial. Ao contrário do caso de Funes, tratou-se aqui de reflectir sobre a relação entre lembrar e esquecer o passado.
18.02.2020 | por Inês Ponte
É este gesto de experimentação a partir do tempo presente, que complexifica o debate em torno das imagens das “atualidades” dos irmãos Botelho. Mais do que ao cinema de arquivo, este debate diz respeito à própria natureza da imagem, e aos seus usos políticos. “Que escolhas e implicações estão em jogo nesse gesto?” pergunta-nos a professora Andréa, enquanto o ar condicionado pinga no meio da sala.
04.02.2020 | por Rita Brás
Num momento político em que a presença evangélica está tão demarcada e estabelecida em nosso país, precisamos aprender a lidar com esses corpos. Se pensarmos que também podemos usar a câmera para reagir a essa conjuntura que estamos passando, produzindo contra-narrativas discursivas e imagéticas, que nossos olhares sejam capazes de deslocar territórios já estabelecidos, (re)criando possibilidades outras de representação.
13.01.2020 | por Lorenna Rocha
A voz indígena, nesse sentido, se apropria do imaginário colonial que um dia chamou seus antepassados de selvagens, indolentes e sem alma. Agora é a nossa vez de propagar um diagnóstico sobre esses outros corpos. Maria Pastora/Thinya, ao tomar posse de registros escritos entre o século XVI e XVIII, os quais convergem com uma série de textos produzidos pelos portugueses no mesmo período histórico, é de uma violência simbólica, no mínimo, atraente.
12.12.2019 | por Lorenna Rocha
Movimento interdisciplinar, o Afro-futurismo combina fundamentos tecno-científicos com elementos das cosmologias africanas para forjar uma estética singular e inventiva e interpelar criticamente a história de África e as suas construções distópicas.
04.12.2019 | por Raquel Schefer
Este artigo faz uma leitura dos textos agronómicos de Cabral (1948 a 1960), publicados no livro Estudos Agrários de Amílcar Cabral, juntamente com os seus discursos e escritos políticos mais traduzidos e publicados. O contexto desta leitura é um engajamento contínuo com o pensamento de Cabral que incluiu a elaboração de filmes, o ativismo artístico através da digitalização do cinema militante da Guiné-Bissau, e o trabalho com cineastas guineenses como Sana na N’Hada e Flora Gomes, entre outros.
30.11.2019 | por Filipa César
Um modo de vermos a colonialidade ressurgir é precisamente na missão que o museu se atribui. "África" é um objeto de estudo, enquanto a ideia de representatividade e o desejo de ser uma janela num continente são os princípios epistemológicos básicos da lógica imperialista. A cenografia dá continuidade à "coisificação" e à “domesticação",
23.10.2019 | por Marta Lança
As fotografias foram tiradas por um membro do exército português, o olhar colonial vem da sua condição histórica. Porém, estas mesmas fotografias admitem e apontam - involuntariamente talvez - para um testemunho espetacularmente raro do seu tempo: a luta e a reacção das populações nativas ante as campanhas de conquista e a subjugação colonial, testemunho este que seria muito difícil de alcançar de qualquer outro modo dado que o povo Cuamato não teve oportunidade de registar a sua própria luta e discernimento sobre a batalha.
18.10.2019 | por Marta Lança
O que se busca é uma consciência crítica das representações calcificadas ou ausentes dos arquivos, fomentando o debate sobre modos de reimaginação e abordagens éticas não só às imagens que se fazem imagem-arquivo mas também aos arquivos de imagens na sua materialidade.
18.09.2019 | por Maria do Carmo Piçarra
Se o Once Upon a Time... é mesmo o Make America Great Again do Tarantino, com os seus dois super-heróis ‘trumpistas’ avant la lettre, brancos, machistas e racistas quanto baste – ou que sobretudo apostam no regresso a ‘'tempos mais simples'’, então eles (o Rick e o Cliff) bem podiam ser o duplicado (ou o duplo) desse par de hillbillies sinistros que aparecem no final do Easy Rider a salvarem-nos dos hippies, dos motards e da contracultura como de outros tantos drogados, criminosos e psicopatas.
10.09.2019 | por Nuno Leão