Epidemias em Moçambique durante os tempos coloniais

Epidemias em Moçambique durante os tempos coloniais O caso do combate da pandemia de 1907, em Maputo, apresenta um exemplo de como a resposta a uma crise sanitária se transmuta – ou é usada como desculpa – para a consolidação de medidas de segregação e exclusão racial.

17.06.2020 | por Matheus Pereira

De Colombo, raças e pedestais

De Colombo, raças e pedestais Caem os heróis de sempre também na América. Por cá, a revolta contra ícones de metal e pedra apontou Cristóvão Colombo como o alvo a abater. Nos Estados Unidos rolam as cabeças do capitão. Na América Latina, o 12 de Outubro, dia em que o genovês chegou a estas bandas, incomoda e desvela uma enorme hipocrisia identitária.

14.06.2020 | por Pedro Cardoso

Entre dois comboios, 1969

Entre dois comboios, 1969 «Turra», «terrorista», «preto», tudo queria dizer «assassino». Não se lembrava o Martins aquilo que ele próprio era. Ou talvez não o soubesse. Entretanto chega outro soldado, de gabardine militar, que se encostou à porta de gare. O seu aspecto era mais franzino do que qualquer das pessoas e o seu rosto evidenciava a sua origem: classe baixa, campestre, dos campos de entre a Ria e as planícies marítimas da Gafanha.

08.06.2020 | por Rui Lourenço

Contra o complexo de Babar.
 Pós-memória, periferia 
e literatura

Contra o complexo de Babar.
 Pós-memória, periferia 
e literatura Diferentemente da primeira geração, que tinha o “sonho francês” de uma vida melhor e a ilusão de retornar a Argélia, Guène tem consciência que a relação dos pais com o país de origem é baseada numa certa negação, numa ilusão que eles alimentaram de um país que não existe mais. Ela acrescenta “para nós era também um país que não existia. Para mim a Argélia se divide entre um país real e um imaginário, e a Argélia é parte de mim tanto quanto a França.

06.06.2020 | por Fernanda Vilar

Entre medo e modernidade: resistência em Amílcar Cabral

Entre medo e modernidade: resistência em Amílcar Cabral Para Cabral a luta armada, filiando-se numa tradição de resistência que remontava ao início da ocupação portuguesa, era igualmente um meio de agregação política de uma população social e etnicamente diversa, na senda da formação de uma “consciência nacional”. Depois, porque no entendimento estratégico de Cabral o modo de travar a guerra pela independência delineava as próprias feições do período pós-independência.

05.06.2020 | por Inês Galvão, José Neves e Rui Lopes

“Viver dentro de um corpo negro, num país perdido no Sonho”, a partir do livro de Ta-Nehisi Coates

“Viver dentro de um corpo negro, num país perdido no Sonho”, a partir do livro de Ta-Nehisi Coates Esta carta de um pai para o filho, que cresceram, ainda assim, com referências diferentes (o filho teve a sorte de assistir a dois mandatos de um presidente negro, exemplo para a comunidade negra em termos de representatividade e ambição), transparece a continuidade do medo e da raiva. Alicerçam a ideia de comunidade imaginada, uma vez que o corpo negro deita por terra qualquer teoria ou história de superação e sucesso pessoal (estudos, dinheiro, estatuto), enquanto for marcado pela descriminação.

02.06.2020 | por Marta Lança

Manjacos de Caio

Manjacos de Caio Amélia da Silva escreveu um livro a contar como recusou o noivo tradicional que lhe estava atribuído e questiona a poligamia, uma prática bastante enraizada entre os manjacos que, no seu entender, não dignifica a mulher, nem respeita a sua escolha e liberdade individual.(...) O sujeito indicado para receber as mensagens do irã é o namanha. O irã pode ser considerado um espírito bom, que protege a comunidade e os seus membros, e o espírito mau que deve ser afastado, uma vez que causa problemas.

02.06.2020 | por Carlos Alberto Alves

As impotências da pós-memória

As impotências da pós-memória Mais do que um signo de união sobre a responsabilidade da transmissão da memória, a pós-memória é separador de águas. Menosprezada pelas ciências sociais, subestimada pelos historiadores, endeusada nos estudos culturais e nas artes, o tema da memória das gerações seguintes às gerações testemunhais é um território controverso, por vezes conflituoso, de qualquer modo estranho.

29.05.2020 | por Roberto Vecchi

Cabemos nesta BUALA há 10 anos! -depoimentos

Cabemos nesta BUALA há 10 anos! -depoimentos "O BUALA iniciou em Portugal uma rutura com a tradicional rigidez canónica do olhar eurocentrado sobre a colonialidade que marca as relações entre antigos poderes coloniais e espaços outrora colonizados. O BUALA desprovincializou o debate pós-colonial em Portugal ao abri-lo a outros contextos geográficos fora do espaço lusófono, libertando-o da redoma académica em que esteve fechado durante muito tempo. Esse caráter polissémico da sua articulação interdisciplinar ajudou ainda a desobstruir o caminho entre academia e militância, entre teoria e prática." Mamadou Ba

25.05.2020 | por vários

Justiça e jornalismo nas Américas

Justiça e jornalismo nas Américas Somos suscetíveis à obscuridade. Não apesar, ou por causa da tecnologia moderna. Mas porque "o que é a história senão uma fábula na qual concordamos?" (Napoleão, talvez). Nossas ‘postagens’, ‘partilhas’ e hashtags se dissiparão no vazio digital quando começarmos a nos enxergar como geração que experienciou um excesso de visibilidade individual, se empolgou e esbaldou. E o ‘esbaldar’ é indiferente à mudança, assim como a mídia social é indiferente à justiça social. Hoje em dia, parece que atribuir natureza revolucionária à tecnologia é depreciar nosso potencial revolucionário como seres sociais, com todas as suas complexidades.

24.05.2020 | por Mirna Wabi-Sabi

A luta contra o petróleo e gás em Portugal: aprender a ganhar

A luta contra o petróleo e gás em Portugal: aprender a ganhar A luta contra o petróleo e gás em Portugal, da perspectiva do movimento pela justiça climática, é claramente uma luta defensiva, isto é, apenas permite evitar aumentar ainda mais o fosso da crise climática. As lutas ofensivas, aquelas que constroem alternativas e maiorias sociais para um mundo sem combustíveis fósseis, são as que permitirão travar o colapso climático. Num momento de crise sanitária, social, de emprego e climática, todas em simultâneo, torna-se ainda mais claro que nenhuma delas é independente e nenhuma será verdadeiramente resolvida se as outras não o forem.

22.05.2020 | por João Camargo

Amílcar Cabral, um agrónomo antes do seu tempo

Amílcar Cabral, um agrónomo antes do seu tempo A agricultura, então chamada de “indígena”, assentava na produção de arroz para o autoconsumo das comunidades rurais, a qual era praticada há cerca de três mil anos e na produção de uma cultura de exportação, a mancarra (amendoim) incentivada pelas empresas estrangeiras que se revezam na sua exportação para a Europa (em bruto ou em óleo). O ciclo da mancarra começa na zona de Buba, incentivada por alemães e percorre um itinerário fácil de identificar pela erosão e degradação dos solos que provoca na Guiné e que passa por Bolama, norte do Oio, Bafatá e Gabú.

21.05.2020 | por Carlos Schwarz da Silva

Ulisses que não regressa a casa

Ulisses que não regressa a casa Saad, o migrante, o clandestino, o invisível aos olhos de todos, é um universitário, filho de um bibliotecário erudito e poeta, colecionador de livros proibidos pela ditadura, apaixonado por literatura e por mitologia greco-romana. Um pai que partilha com ele o segredo dos livros da sua “Babel de bolso”, nome que dava à biblioteca clandestina que escondia na sala. Mimado pelas irmãs, pela mãe, pela família, no espaço de poucos meses o jovem Saad assiste à morte dos cunhados num ataque terrorista, ao desaparecimento da namorada num bombardeamento, à morte do pai, por erro dos americanos, à morte de três sobrinhos por doença e má nutrição.

20.05.2020 | por

Ativismo viral

Ativismo viral O coronavírus age sobre e através corpos individuais e sociais. Tem material genético, tem personalidade viral, perturba certos biótipos mais do que outros. É um vírus que mata pela reação dos organismos nos quais se instala. O descontrolo dos anticorpos criados pelo ser humano contra o vírus acaba por ser a causa do maior número de óbitos. Mas a agência deste vírus não se fica pelo corpo humano, interfere no “pulmão do corpo social”. Propaga-se em sociedades, cada uma com a sua forma de “respirar”, ritmada por uma cultura, por um ethos.

12.05.2020 | por Alix Didier Sarrouy

Obras de arte na condição da pós-memória

Obras de arte na condição da pós-memória Este duplo processo pode designar-se como de descolonização das artes, e é uma prática corrente, que condiciona a pertença de um artista a esta condição da pós-memória. A este primeiro atributo que estas produções detêm, outras particularidades artísticas se reconhecem nestas obras tais como: a presença de tradições culturais oriundas das ex-colónias (ritmos, tapeçaria, pintura sobre areia, escultura em couscous, formas de canto griot ou Rai), traços dos modernismos alternativos (fotografia do Mali, de Moçambique, pintura dos modernismos marroquinos) a desconstrução sistemática da iconografia e estatuária pública nos países europeus como nas ex-colónias, a revisão e desconstrução da história de arte universal, a crítica ao afro-pessimismo, a denúncia e luta contra o racismo, o questionamento sobre as identidades e sobre a possibilidade/impossibilidade do regresso, o tema e a urgência da reparação e a assunção clara de que o contexto da produção artística é a relação Europa-África, mas o tema não é África.

09.05.2020 | por António Pinto Ribeiro

De Emmett Till a Giovani Rodrigues: a política de memória nos tempos de Covid-19

De Emmett Till a Giovani Rodrigues: a política de memória nos tempos de Covid-19 Não podemos deixar que o atual momento sirva para causar um apagamento da nossa memória histórica. Se isso acontece, nem a situação atual estaremos aptos para compreender, e ainda menos o passado e o futuro. O direito à memória não pode ser alienável. A memória é intrínseca à nossa humanidade, é parte inerente à nossa própria existência. O colonialismo, desde sempre, tentou controlar e apagar a memória histórica dos povos colonizados. Lembrar Emmett Till, Pedro Gonzaga e Giovani Rodrigues é um ato de resistência!

08.05.2020 | por Alexssandro Robalo

O túmulo perdido de Copacabana

O túmulo perdido de Copacabana No início da quarentena, tive a ideia de comprar comida para pássaros e deixá-la no parapeito da minha janela. Talvez achasse que iria atrair as aves e fazer descobertas e me sentir menos só, assim. Mas me enganei, e acabei encomendando pela internet mais comida do que aquela que imaginava, e fiquei com quilos de pacotes de mistura para beija-flor, papagaio, e alpiste comum. Nenhum pássaro apareceu. Como choveu passado uns dias, a comida empapou sobre o mármore branco, e assim continua esperando que alguma alma da floresta da Tijuca se lembre de alcançar esta janela do 14º andar do Shopping Cidade para me dizer olá.

03.05.2020 | por Rita Brás

A tristeza da terra e a voz das imagens

A tristeza da terra e a voz das imagens Nas obras artísticas da pós-memória, são comuns os casos em que o artista revisita o passado colonial fazendo apelo a uma reinterpretação dos arquivos históricos marcantes, muitos deles silenciados ou esquecidos pelas gerações seguintes. Um dos eventos que tem dado lugar a uma série de fecundas representações artísticas é o das mãos cortadas, um dos episódios mais medonhos do período colonial da Bélgica no Congo, em que os colonizadores cortaram as mãos dos africanos, especialmente as crianças, como castigo e exemplo de autoridade.

02.05.2020 | por Felipe Cammaert

Milagres da Carochinha

Milagres da Carochinha Marcelo estabelece uma ponte entre as seguintes ideias: “eles dizem que fizemos um milagre” + “estamos a fazer o milagre”. E avança a explicação oportuna: estamos a fazer o milagre porque Portugal é um milagre há 900 anos! Com o cansaço derivado de quatro semanas de isolamento, quem então ouviu os telejornais deve-se ter rido dessa ideia um pouco disparatada, ou pode ter pensado que se tratava de um excesso de entusiasmo do Presidente. Mas, conscientes ou não do que estava a acontecer neste discurso, os portugueses foram atingidos por um torpedo silencioso, em directo do Palácio de Belém para suas casas. O milagre explodiu no DNA cultural dos portugueses.

21.04.2020 | por Ana Pais

A pós-memória e a condição da vítima

A pós-memória e a condição da vítima O sujeito da pós-memória pode, no limite, construir para si uma identidade de “pós-vítima” e satisfazer-se com esse estatuto ou pode empreender o esforço de construir uma identidade inteiramente baseada na recusa dessa identidade e na busca de uma articulação muito mais complexa com a inevitável ambivalência da relação entre a geração da memória e a da pós-memória. É entre estas duas posições extremas que se situa a substância empírica da vida concreta de homens e mulheres confrontados/as com a violência da História.

17.04.2020 | por António Sousa Ribeiro