Ler adorno em tempo de crise: da responsabilidade dos intelectuais

Ler adorno em tempo de crise: da responsabilidade dos intelectuais Ora, que este estado de coisas ande de par em par com o regresso das formas mais xenófobas de nacionalismo e de movimentos de extrema-direita, não deve surpreender ninguém. Pode dizer-se que a cultura do medo propagada até por políticos ainda alinhados a um centro convencional um pouco por todo o lado, e a suspeita em relação a intelectuais, peritos e profissionais em geral, são responsáveis, em parte, por gerar as condições necessárias para a afirmação do sentimento de desamparo que vivemos atualmente. É a esta luz que faz sentido hoje, talvez mais que nunca, ler Adorno.

16.04.2020 | por Paulo de Medeiros

José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem

José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem O filósofo Severino Ngoenha questiona em que momento teria surgido a arte e literatura moderna moçambicana e sugere influências do Movimento do Renascimento Negro. Este artigo dá seguimento a este exercício a partir da obra de José Craveirinha.

15.04.2020 | por Leonel Matusse Jr.

Vítima do próprio sucesso? Lugares comuns do pós-colonial

Vítima do próprio sucesso? Lugares comuns do pós-colonial Será que a teoria pós-colonial mantém a capacidade auto-reflexiva que a define como teoria crítica ou, pelo contrário, tornou-se vítima do próprio sucesso? Será que os lugares comuns da teoria se mantêm produtivos como ponto de encontro vital, como lugares de diálogo e confronto crítico ou, pelo contrário, na acepção negativa do sintagma, já não são senão estereótipos, simulacros de pensamento? “When was the postcolonial?”, “Quando é que se deu o pós-colonial?”, interrogava-se já Stuart Hall num texto da segunda metade dos anos 90.

09.04.2020 | por António Sousa Ribeiro

Lá vai ele e a sua solidão por aquele caminho serpenteante outra vez

Lá vai ele e a sua solidão por aquele caminho serpenteante outra vez Da Lisboa conhece os podres, os esquemas, o pessoal: músicos, bêbados, jornalistas, noiteabundos e lunáticos. E há a cidade sem solidariedade, povoada de sacanas, onde os cigarros arranham mais mas, por outro lado, o fado, o bitoque, a tasca, o rissol e o tremoço sabem mais familiares. O poeta diagnostica a superficialidade — “essa capa fina e invisível” — das pessoas giras, a cultura de plástico, o espectáculo e fetichismo do mercado que nos toldam como animais inofensivos e desejantes, atravessando-lhe o sarcasmo pós-moderno que se auto-satiriza. As estrelas caem de cadentes, roucas de tanto gritar.

06.04.2020 | por Marta Lança

O Médico Negro do Rei

O Médico Negro do Rei Este artigo, que traz à luz do dia a vida de Carlos Joaquim Tavares, um dos médicos do Rei Dom Carlos, lente de Medicina, integra-se no processo de desocultação dos contributos da comunidade Negra para a sociedade e a História de Portugal. Não fora a A Voz d’África, jornal fundado, dirigido e escrito por negros na segunda década do século XX, e as memórias dos seus contemporâneos, não saberíamos muito do que sabemos sobre Carlos Tavares um dos médicos do Rei D. Carlos e um dos maiores vultos da Medicina clínica portuguesa.

02.04.2020 | por Jorge Fonseca de Almeida

A Morte em tempos de negação ou a condição humana da morte (o que nos desperta a Covid-19)

A Morte em tempos de negação ou a condição humana da morte  (o que nos desperta a Covid-19) Constatar a nossa finitude é, em tempos de pandemia, angustiante. Deixa-nos com os sentidos abertos e com a sensação de que algo nos espreita. A morte desfilou nas ruas de Bérgamo e mostrou toda a sua grandeza e nos colocou diante da nossa nulidade. Não estamos preparados, muitos de nós, para constatar nossa insignificância diante dela e do mundo. Encarnada em algo tão minúsculo como um vírus, nos priva do adeus, nos priva da sociabilidade real, nos priva do convívio e da alegria plena.

30.03.2020 | por Waleska Rodrigues de M. Oliveira Martins

O coronavírus e as memórias do fim do mundo

O coronavírus e as memórias do fim do mundo O sentimento de vulnerabilidade partilhada que hoje vivemos, enredados na crise encetada pelo coronavírus, interroga-nos, também, sobre os limites da nossa memória para democratizarmos o nosso passado, descolonizando as hierarquias raciais, coloniais e patriarcais que definem o que é alheio. Na “lembrança minha” deveria lembrar-me de inúmeras histórias de fim do mundo, histórias há muito testemunhadas por aqueles e aquelas para quem a COVID-19 é apenas mais episódio de uma continuada exposição à desigual distribuição da precariedade.

29.03.2020 | por Bruno Sena Martins

O sistema alimentar industrial e a Soberania Alimentar

O sistema alimentar industrial e a Soberania Alimentar As pessoas que produzem, distribuem e consomem alimentos devem ter o poder de decidir sobre os mecanismos e políticas de produção e distribuição de alimentos. E ainda o direito a alimentos saudáveis ​​e culturalmente adequados e a definir sistemas alimentares e agrícolas de nossos territórios de vida e de trabalho.

21.03.2020 | por Oficina de Ecologia e Sociedade

O vírus chinês, diz Trump

O vírus chinês, diz Trump Como todos, estou numa espécie de filme de ficção científica onde temos alguma comida extra e vamos acreditando no que nos dizem na TV. Só saí de casa antes de ontem à tarde para ir buscar cigarrilhas e fiquei numa "bicha" de zombies na estação da BP. Muitos com máscara e eu sem mascara porque pus no meu Buda. Tenho medo que apanhe qualquer coisa e me passe a crença budista - isto nunca se sabe. Estou meio sensibilizado com tudo o que vou vendo, mas o que mais me chocou foi o Donald Trump a ofender os chineses dizendo que o vírus veio da China.

21.03.2020 | por Adin Manuel

Fazer parte da imagem

Fazer parte da imagem Às vezes, é preciso um momento ou um episódio catalítico para pôr em relevo de modo articulado uma série de pensamentos e ideias, um pouco como quando olhamos para as estrelas uma a uma por um longo período de tempo; apreciamo-las no seu carácter único e, no entanto, não reparamos na constelação que elas formam em conjunto; depois, uma rápida modificação da nossa posição permite-nos uma perspetiva diferente e as conexões vêm à luz.

14.03.2020 | por Federica Angelucci

Poéticas africanas de língua portuguesa: língua, engajamento e resistência

Poéticas africanas de língua portuguesa: língua, engajamento e resistência Odete Semedo e Eneida Nelly deixam seu legado propondo obras escritas em crioulo, revelando as suas vivências e exaltando a terra natal. Fazem emergir um olhar sobre dois países africanos pouco estudados no Brasil, buscando apresentar um apanhado da complexa rede de relações que compõe a literatura, a língua e a cultura de ambos os países e abrindo uma nova possibilidade de inscrição no cânone através de autoras que fazem da afirmação da língua materna sua bandeira.

13.03.2020 | por Claudia Moraes

Os versos de Cardenal

Os versos de Cardenal A confusão instalou-se. Estalou o copo na mão de Cardenal, verteu-se o rum no cetim do féretro aos solavancos na fuga em ombros pela catedral, antes de ser cinza. E ouviu-se então, num exercício de imaginação, o último grito contrapoder do rebelde num verso-único: "Tu não mereces sequer um epigrama."

10.03.2020 | por Pedro Cardoso

A ausência: o material da memória

A ausência: o material da memória A ausência presentifica-se e a obra funciona como um elemento performativo de memória que retém o que, de outro modo, não se fixaria e se perderia. Nada de melhor para mostrar que a arte da memória, no modo como Boltanski a pensa e constrói, é memória, por si só. Conhecer o seu funcionamento é preservá-la do apagamento. Eis a lição que Christian Boltanski nos reserva em todos os recantos de uma obra imensa. E que, literalmente, faz o tempo.

07.03.2020 | por Roberto Vecchi

Apesar de você

Apesar de você A partir destas duas paisagens vividas de um Brasil que exclui da cidadania grande maioria da sua população, Geovani Martins e Ailton Krenak colocam todas as perguntas sobre a possibilidade de um outro Brasil que se aguarda. Um Brasil em que, na era dos computadores, um jovem favelado como ele não tenha mais de escrever um livro como este numa máquina de escrever que a mãe comprou numa feira de velharias. Mas este gesto – tal como o de Ailton Krenak, em 1987, na Assembleia Constituinte – revela-nos uma energia imparável, e a confiança que dela recebemos permite-nos acreditar na “comunidade que vem”, “apesar de você”, apesar de tudo.

04.03.2020 | por Margarida Calafate Ribeiro

Educação e desenvolvimento: como tónica da liberdade?

Educação e desenvolvimento: como tónica da liberdade? A realidade é que, cada vez que o mundo mais nos chama na Guiné-Bissau, para dar resposta sobre a educação, o cruzamento da educação na conquista de objetivo que propicia os indivíduos a oportunidade de observarem o mundo consciente e real – a preocupação a este setor é menos vigente. O cumprimento do desenvolvimento no país significa o exercício contínuo da educação como parte dos constituintes no processo de desenvolvimento.

28.02.2020 | por Armando Arnaldo Correia

A Lezíria do Tejo: o lugar das memórias, lutas e (des)encontros

A Lezíria do Tejo: o lugar das memórias, lutas e (des)encontros Para uma pessoa urbana, pode ser surpreendente a aparente negligência e o grau de poluição em áreas onde os impactos dessa contaminação não derivam somente da presença das empresas, mas também dos impactos de políticas e ações que promoveram a exploração intensiva da água e dos solos para monoculturas de arroz e tomate e criação intensiva de suínos. Para os habitantes da região, os impactos vão além dos aparentes, pois as paisagens estão diretamente enraizadas nas memórias daquelas pessoas que nasceram ali, aprenderam a nadar em trechos de água onde agora seria impossível.

24.02.2020 | por Oficina de Ecologia e Sociedade

Soberania intelectual

Soberania intelectual Descolonização é um processo de desconstrução de conhecimentos, de uma epistemologia maioritariamente europeia que sempre teve uma vocação universalista, existente tanto na Academia como no espaço público, que implica não só os africanos que vivem em África e os que constituem as diásporas, como também os europeus que vivem na Europa ou são imigrantes em países ex-colonizados.

22.02.2020 | por António Pinto Ribeiro

De Trump ao cão-tinhoso: notas sobre a besta, o ser humano e outras (in)versões

De Trump ao cão-tinhoso: notas sobre a besta, o ser humano e outras (in)versões Com o amparo de mecanismos de natureza jurídica, científica ou artística, a exploração da diferença tem sido, desde sempre, uma das vias mais seguras para o exercício da dominação. Por penetrar no cotidiano ao ponto de criar uma ilusão de espontaneidade, esta prática engendra uma “estrutura de sentimento” (1) cujos efeitos são perversos e duradouros. Ao reformular pautas, algumas muito antigas e outras nem tanto, o mundo de hoje reconstrói o cenário excepcional do “campo”, além de inventar outros que, por serem móveis e líquidos, poderiam ser chamados de “mares de concentração”. Ergue ainda novos muros, em cima dos quais algumas lideranças se sentam para observar a agonia continuada de indivíduos em situação de risco e sem qualquer dispositivo legal ou político que leia o seu caso.

21.02.2020 | por Nazir Ahmed Can

Reviver a Guerra do Pai: o fim da violência?

Reviver a Guerra do Pai: o fim da violência? Nas obras literárias da pós-memória, a figura do pai ausente é recorrente quando se quer abordar a questão da persistência do trauma pós-colonial nas gerações seguintes. Em Portugal, o romance Estranha Guerra de Uso Comum, de Paulo Faria, constitui talvez o exemplo mais significativo deste diálogo post-mortem à volta de um inquérito sobre a transmissão da experiência da guerra do pai para o filho. Contudo, neste conjunto de obras, há alguns casos em que o filho decide, através da escrita, reviver o passado traumático do pai desde o interior, num enredo que descreve com pormenores o tempo dos combates do progenitor. Nestes casos, o narrador privilegia os cenários do passado bélico para contar a guerra do pai como se ele estivesse no seu lugar.

19.02.2020 | por Felipe Cammaert

Com a mala na mão contra a discriminação – uma viagem pela história dos nossos direitos

Com a mala na mão contra a discriminação – uma viagem pela história dos nossos direitos Projeto piloto de educação antirracista que pretendeu promover, com os alunos, a reflexão crítica dos processos que conduziram e conduzem atualmente ao racismo interpessoal e institucional. Sem a preocupação com a formação dos mais novos não há preocupação com a sustentabilidade da cidade, logo do próprio Estado. O grupo alvo deste projeto é reflexo claro desta multiculturalidade.

17.02.2020 | por Ariana Furtado