O cheiro a selva, a pólvora, a carne estropiada, a napalm (como o autor testemunha, apesar do desmentido oficial), a cerveja, a humidade tropical, o whisky. O próprio livro cheira a whisky, sobretudo ao whisky velho da marinha portuguesa, não fosse este nosso alferes ter uma trupe de fuzileiros junto do seu quartel improvisado junto ao rio Cumbijã. Com eles havia de fazer ski aquático no meio da fauna de crocodilos ali existentes, ou pescar com granadas para afastar esses crocodilos e garantir a próxima refeição fresca.
11.09.2020 | por Ricardo Seiça Salgado
As urgências desafiam o entendimento de uma conjuntura complexa, permeada por falsificações, manipulações em massa, culturas de ódio, intolerância, interesses geopolíticos, conexões entre grupos políticos e económicos de alcance transnacional: Trump, Cambridge Analytica, Steve Bannon, não são nomes alheios ao cenário brasileiro. Há quem considere nesse caldo um rol de cortinas de fumo que a todo momento roubam a atenção, a energia, a sensibilidade. Há quem argumente que esse fumo também mata: por homofobia, por racismo, por misoginia.
08.09.2020 | por vários
Mas depois do século XX, a estrutura da culpa muda profundamente: o abismo sem retorno de Auschwitz, o horror criado por uma racionalidade iluminada como foi o colonialismo moderno, impedem a reprodução da culpa trágica, mudando de fato as relações de força da ética contemporânea, no conflito abissal entre a inocência subjetiva e a culpa objetiva.
05.09.2020 | por Roberto Vecchi
A crítica feminista tem vindo a apontar as implicações problemáticas da transfiguração do corpo feminino violentado em símbolo de um processo histórico, alertando para os códigos de género tradicionais que sustentam a metáfora: conotações de fragilidade e necessidade de proteção atribuídas ao feminino e estigmas de vergonha e culpa associados à violência sexual. Sara Suleri: a violação enquanto imagem do imperialismo é uma figura cuja obsolescência a tornou insuficiente para uma leitura sustentada das valências do trauma implicadas no simbolismo sexual do colonialismo.
02.09.2020 | por Júlia Garraio
Como se configuram as políticas externas brasileira e chinesa para a Guiné-Bissau? Quais as motivações e suas variantes? Porque que razão a China optou por uma política externa bilateral, em contraposição ao multilateralismo brasileiro? Qual a percepção da elite governamental e da sociedade civil sobre as políticas externas brasileira e chinesa?
20.08.2020 | por Ricardino Jacinto Dumas Teixeira
Cruzam-me duas linhas ou duas ordens: a LGBT e a Igreja Católica. E a triangular educação académica feminista que tanto me motivou a ter voz e até por uns anos câmara. Foram as ondas que me tranquilizaram o espírito e me trouxeram esta imagem. Boa praia, diria. O mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele diz, enrola na areia e desmaia porque se sente feliz. É verdade que bate devagarinho uma felicidade na praia, que vai rompendo amarras ao stress e de repente zás, sentimo-nos felizes, pelo menos contentes e depois vêm aqueles pensamentos mais leves e mais pacíficos, a clareza do "ai é isto." Penso eu? Pensa o mar? Penso eu e o mar, diria. Será que estou a voltar a casa, finalmente, dos meus anos de errância?
20.08.2020 | por Adin Manuel
O conflito entre a “direção brasileira” e o “movimento de reforma angolano” veio à tona em 28 de novembro de 2019, com a publicação de um “Manifesto Pastoral” assinado por mais de 300 pastores e bispos angolanos e encaminhado ao bispo Honorilton Gonçalves. Nele, exigiam que os líderes brasileiros deixassem o país e que a liderança da Igreja passasse aos homônimos angolanos, num movimento de “angolanização”. As acusações foram graves: prática de nepotismo, racismo, concessão de privilégio a religiosos brasileiros na atribuição de responsabilidades eclesiásticas e administrativas, tratamento discriminatório com os pastores angolanos, evasão de divisas para o exterior.
19.08.2020 | por Pedro Feitoza e Jéssica da Silva Höring
É preciso agir com as lutas de todxs xs trabalhadorxs, mesmo daquelxs que até agora não eram visíveis nos trabalhos reprodutivos e dos cuidados, e principalmente das mulheres, em conjunto com as demais lutas de setores e movimentos indígenas, racializados e das comunidades locais e de mulheres rurais, em alianças urbanas e rurais, desde os níveis mais locais e de vizinhança até os espaços regionais, transfronteiriços e internacionais. Articular as práticas que nos permitem sobreviver, transformar o sistema, e superar os impactos das mudanças climáticas e ambientais.
10.08.2020 | por Oficina de Ecologia e Sociedade
A Suécia está ainda no eixo do socialismo (social democrata) e mantém relações bem ao seu estilo, apaziguadoras e pacificadoras. Ganhou com a presença da Greta internacionalmente uma missão: a de ser dura nos limites e exigências com o green deal. Ganhou presença discursiva com esta saída dos ingleses do panorama moral europeu. Há muitas décadas que trabalha discretamente nas relações internacionais em direitos humanos e questões ligadas ao ambiente. Tem uma visão muito particular de socialismo que promove um tipo de Swedish dream que contempla uma sociedade mais feliz e menos desigual, mas não condena a riqueza nem a abundância. Querer pagar os impostos numa sociedade que os aplica de forma a criar mesmo uma rede de segurança e bem estar social, é apenas um resultado.
08.08.2020 | por Adin Manuel
Não se pode dizer que TM seja uma desconhecida em Portugal. Mas será verdadeiramente conhecida? Sabemos que os seus textos, politicamente tão duros, são traduzidos sem que se estabeleça ligação com os debates actuais sobre o racismo e o sexismo ou com o mundo literário afrodescendente. Indicativo disso são as sinopses em que se assiste a um quase esvaziamento das relações de poder – de classe, raça e género – e do peso da história, numa terraplanagem que quase coloca a sua obra na categoria de romance “delicodoce”. Mas, então, quem são as leitoras e leitores dos seus livros?
05.08.2020 | por Cristina Roldão
Uma pesquisa transnacional sobre cultura material. Um documentário etnográfico rodado numa aldeia agro-pastoril do Sul de Angola. A reação de duas audiências: estudantes do secundário, em Portugal, e protagonistas do filme, em Angola.
29.07.2020 | por Inês Ponte
estávamos ainda no início dos debates sobre o pós-colonialismo e não havia uma reflexão aprofundada sobre o contexto de produção das obras de artistas afro-descendentes. Uma geração mais tarde, assiste-se a uma reflexão teórica e a uma produção académica e literária que estuda e reconhece os artistas afro-descendentes como artistas da pós-memória. As suas obras têm um lugar no panorama da arte contemporânea. Destacam pela expressão de continuidade de um universo veiculado por memórias de vivências diferidas, ou seja, não experienciadas na primeira pessoa, que permanece como inspiração, e através do qual se convocam novas formas de inquirir o real e de produzir novas representações pós-imperiais do mundo.
27.07.2020 | por António Pinto Ribeiro
Uma guerra colonial, de ocupação, em seu continuum de massacres contra os pobres, pretas, indígenas e outras. A pandemia aguça uma “agenda da morte”, que constitui o elo (explícito) entre as distintas ações e iniciativas do governo, como corte das políticas de solidariedade, liberalização total de agrotóxicos, desmonte das políticas ambientais, oposição à demarcação de terras indígenas, destruição das históricas e premiadas políticas de DST-AIDS, ampliação da posse e porte de armas, intenções punitivistas num país que já embarcou no encarceramento em massa, política externa de intervenção nos vizinhos. Genocídio.
24.07.2020 | por Jean Tible
será que o leitor se referia ao seu aspecto físico ou à totalidade da sua percepção da realidade? Ao bairro onde Fidel vivia, ao seu quotidiano e indumentária, condição social, cor de pele, ou a outra condição limitadora? A Primavera não chegou para explicar a mim mesma por que razão as dores de Fidel, os seus medos, os amores de Fidel, os seus anseios, são dores, amores, anseios de segunda — anseios, medos, dores e amores com um grau inferior de generalidade ao da gente que costumamos encontrar dentro dos livros a que chamamos romances.
24.07.2020 | por Djaimilia Pereira de Almeida
A pandemia e esta loucura universal microscópica. Milhares de migrantes mexicanos e centro-americanos estão a morrer nos Estados Unidos. Os corpos perdem-se na burocracia, nas valas comuns e nas estatísticas. Não voltam mais a casa. No México, há quem faça enterros com caixões vazios.
20.07.2020 | por Pedro Cardoso
os textos que compõem o quarto volume da coleção MEMOIRS respondem à necessidade de fazer com que o conceito de “África lusófona” que os reúne seja lido através da “multiplicidade flexível” (p.15) que caracteriza a produção artística dos países africanos de língua portuguesa na actualidade. O projecto MEMOIRS, dedicado nomeadamente às representações da pós-memória do colonialismo europeu na Europa, não podia deixar de considerar esse outro espaço, o africano, que de alguma maneira é a origem real e metafórica das transferências de uma grande parte das memórias entre as gerações pós-imperiais da sociedade europeia actual.
18.07.2020 | por Felipe Cammaert
Uma investigação de arquivo revela o passado oculto de uma coleção de crânios de Timor em Portugal. Estas viagens dos ossos para museus foram consequência das relações de poder e conquista dos impérios coloniais europeus, animados por nacionalismos bélicos e inflamados. Não surpreende por isso que o seu percurso tenha deixado rasto de abusos vários, tão complexos nos seus motivos e circunstâncias quanto atrozes nos seus efeitos.
17.07.2020 | por Ricardo Roque
E agora, José? A pergunta não é para Luandino Vieira, angolano, Prémio Camões 2006, declinado pelo autor de A Cidade e a Infância. A pergunta é para os seus leitores. Ele faz oitenta anos. É biográfico, a insistência e a teimosia de durar. Não é coisa pouca pôr uma cidade no nome, agora ortónimo, dele e dela.
A ficção, a obra de Luandino, é o futuro, como compete a um clássico. Da infância no Braga, Makulusu, Kinaxixe – bairros de Luanda -, da Porta Treze, Associação de Poesia, em Vila Nova de Cerveira, da colecção de Poesia que vem editando, a Nossomos. Das estórias infantis, dos desenhos. E o rio Kwanza, sempre, mesmo quando atravessa o Minho para ir à Galiza.
15.07.2020 | por Marta Lança
Ao cortar a cabeça de pedra de um colonizador, ao retirá-lo de pedestais e lançá-lo aos rios, pretende-se questionar a maneira com a sociedade é regida desde as suas estruturas fixas mais violentas. Pretende-se colocar em xeque todas as brutalidades e opressões advindas da colonização e denunciar as continuidades históricas que continuam a segregar, violentar e matar pessoas racializadas de forma sistemática.
14.07.2020 | por Núcleo Antirracista de Coimbra (NAC)
Atualizar as novas formas de viver trará outros reflexos para as comunidades ancestrais, com a participação de jovens e crianças na construção de uma nova forma de viver os aspectos da ancestralidade, sejam eles no entorno das comunidades, ou em distâncias mais longas.
11.07.2020 | por Patrícia Brito