"Relembra um clima de delito de opinião, inadmissível quando estamos perto dos 50 anos do 25 de Abril", entrevista ao deputado Miguel Graça

Os trabalhos da Assembleia Municipal de Lisboa foram interrompidos pela PSP, na terça-feira dia 14. A polícia entrou armada na sessão da AML e foi chamada por um deputado do Chega, Bruno Mascarenhas, porque não gostou que a sua intervenção fosse apelidada de racista e xenófoba pelo deputado independente/Cidadãos por Lisboa, Miguel Graça, com quem conversámos.


Miguel GraçaMiguel GraçaComo vê, simbolicamente, a convocação da força policial para esta sessão, como resposta violenta a um debate democrático?

A intervenção do Chega foi inqualificável pelo que representa de tentativa de silenciamento e de coação do discurso democrático. Aquilo a que assistimos na Assembleia Municipal de Lisboa não passou da tentativa de tentar calar os deputados dos Cidadãos por Lisboa, fazendo relembrar um clima de delito de opinião, inadmissível quando estamos perto de comemorar os 50 anos do 25 de Abril e que é perigoso para todos e todas nós. O funcionamento das instituições democráticas não pode ser posto em causa, nem cerceado por tentativas de pressão, quaisquer que sejam. Refira-se que desde há alguns meses a estratégia do Chega e dos seus eleitos é de se socorrerem das autoridades, policiais e judiciais, contra quem considere as suas ideias racistas, xenófobas e extremistas.

 

Em que situação formulou as palavras “racista e xenófobo” ao deputado Bruno Mascarenhas?
Aquilo que visámos foi o discurso, que consideramos inaceitável, sobre pessoas de credo islâmico, num comentário sobre uma possível mudança de posição camarária a propósito da construção de uma mesquita. Sendo esta uma atitude e um discurso recorrentes relativamente a estes e a outros grupos sociais.

A resposta da presidente da mesa Rosário Farmhouse, e dos presentes em sessão de trabalho, condenatória à ação da PSP e ao deputado do Chega que a chamou, foi suficientemente veemente contra este tipo de atuação?
A resposta foi veemente e transversal a todo o hemiciclo, aliás, a iniciativa foi alvo de repúdio por todos os quadrantes políticos. Não se entende a entrada de dois elementos da PSP, não autorizada, numa sessão de um órgão representativo do poder local.Aguardamos pela formalização de uma queixa à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) por parte da Mesa da AML e o envio da respetiva ata da sessão, tal como solicitámos. Isto sem prejuízo de termos já ter feito uma queixa a esta comissão, que é, em Portugal, o órgão especializado no combate à Discriminação Racial e por sancionar a prática destes mesmos atos.

Tem havido outras tensões quanto às posições do Chega na Assembleia Municipal. Em que projetos específicos?
Sim, infelizmente esta posição de usar discursos populista e de ódio não é nova na Assembleia Municipal. Inclusive, não é a primeira vez que chamei a atenção da mesa e pedi para as atas serem enviadas à CICDR. O racismo e os discursos de ódio são crime em Portugal, puníveis ao abrigo do artigo 240º do Código Penal, relativo à discriminação e incitamento ao ódio e à violência, e da Lei n.º 93/2017, que estabelece o regime jurídico da prevenção, proibição e combate à discriminação, por motivos de origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.

Considera que o exercício da democracia e os interesses dos cidadãos de Lisboa são conturbados com estas manifestação de força?
Precisamos de tirar as devidas conclusões e acautelar o futuro. Queremos saber o que levou à intervenção da PSP — manifestamente célere, e que em poucos minutos entrou, sem autorização, na sessão plenária com o intuito de identificar um dos deputados dos Cidadãos por Lisboa —, aguardando pelo levantamento já anunciado à imprensa de um inquérito por esta força policial, cujos resultados esperamos. Continuarem a defender os nossos princípios e o programa de ação. Os Cidadãos por Lisboa defendem uma visão política de uma cidade, aberta, e que não deixa ninguém para trás. E temos bem claro que há valores e grupos que merecem a nossa especial atenção, particularmente no que toca às condições de vida das pessoas mais vulneráveis e com menos visibilidade na nossa sociedade. Estamos com estas pessoas, independentemente de uma ideia de cidade que se quer impor em Lisboa e que não as considera, como as que foram defendidas pelo Chega nesta sessão da Assembleia Municipal.

por Marta Lança
Cara a cara | 16 Fevereiro 2023 | Assembleia Municipal de Lisboa, Cidadãos por Lisboa, democracia, Lisboa, Miguel Graça, partidos, polícia, política, racismo