Laboratório do Atlântico – Arte Contemporânea de São Tomé e Príncipe
As ilhas do Golfo da Guiné foram durante séculos lugar de passagem, escala e transbordo. Entreposto de escravos, laboratório de monoculturas, cenário de experiências coloniais e capitalistas, São Tomé e Príncipe inscreveu-se na história do Atlântico como espaço de violência, mas também como espaço de reinvenção. É nesse cruzamento de destinos que nasce o Laboratório do Atlântico, título desta exposição que convoca artistas, de diferentes gerações, a pensar, a partir de dentro e de fora, as camadas de memória, pertença e futuro que se inscrevem neste território insular.
O termo “laboratório” carrega aqui um duplo sentido. Por um lado, evoca a condição histórica de São Tomé e Príncipe como território-experiência: nas roças ensaiaram-se formas extremas de exploração agrícola, racial e social, espelhando no Atlântico o que já acontecia nas plantações americanas. Por outro lado, o laboratório afirma-se hoje como espaço de criação, de ensaio artístico e de produção crítica, onde a experiência coletiva se converte em imaginação partilhada. De entreposto de corpos arrancados às suas terras, as ilhas tornam-se entreposto cultural, lugar de circulação de ideias, linguagens e estéticas que devolvem ao mundo a sua própria imagem.
As obras reunidas neste projeto revelam uma pluralidade de gestos e de linguagens que, partindo de experiências singulares, constroem um mosaico coletivo. Esculturas, pinturas, instalações, fotografias e performances inscrevem-se como testemunhos de uma história feita de cicatrizes e de recomeços. Os artistas interrogam a pedagogia colonial, a memória das roças, a violência inscrita nos corpos e nos objetos, mas também a vitalidade das tradições, a persistência do quotidiano e a imaginação que resiste mesmo diante da precariedade.Há aqui um gesto de reinscrição. O ouro que seduz e encandeia mas oculta a pobreza dos que o sustentam. As camisas feitas de sacos de cacau evocam os corpos descartados nas fileiras das roças. Os pés suspensos que se transformam em barco, lembrando travessias forçadas e migrações contemporâneas. O livro gasto que ganha novas camadas de sentido pela sobreposição de desenhos e palavras. As tradições performativas que se atualizam em imagens, sons e vozes, preservando no presente a herança crítica de um povo.Se as ilhas foram laboratório da dominação, podem hoje ser laboratório da memória e da emancipação. A arte, neste contexto, não se limita a ilustrar a história: reinscreve-a, desarruma-a, devolve-lhe a densidade de experiência, libertando-a da retórica oficial. Este laboratório contemporâneo não experimenta com corpos, mas com ideias; não impõe silêncios, mas convoca vozes; não produz submissão, mas imaginação crítica.
Na celebração dos 50 anos da independência de São Tomé e Príncipe, este projeto inscreve-se como testemunho e como horizonte. O Laboratório do Atlântico é espaço de passagem: da violência à dignidade, da memória à criação, do entreposto colonial ao entreposto cultural. É nesse gesto de transformação que reside a força das obras aqui reunidas e o sentido maior desta exposição.
João Carlos Silva Curador
Ricardo Barbosa Vicente Curador
Artistas: Adilson CastroAmadeo Carvalho, Conceição Lima, Daniel Blaufuks, Dário Pequeno, Paraíso, Eduardo Malé, Emerson Quinda, Geane Castro, Inês Gonçalves, Ismael Sequeira, Ivanick Lopandza, Janik Santos, José Chambel, Kwame Sousa, Mafalda Santos, Mariana Maia, Rocha Marilene Mandinga, Miguel Ribeiro, Nuno Prazeres, Olavo Amado, Preta, René Tavares, Valdemar Dória, Yuran Henrique.
Inauguração 11 de setembro às 17h30 até 11 de dezembro / Galeria de exposições da UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa Avenida da India, n.° 110 - Lisboa, Portugal Segunda a sexta-feira, das 10h às 13h e das 14h às 18h
Creditos das fotografias Ana Sofia Serra / CML