Conceptualismos do Sul (RedCSul): uma trama afetiva e ativista
A Rede Conceptualismos do Sul (RedCSul) é uma trama afetiva e ativista que, a paritr de um posicionamento plural sul-sul, procura atuar no campo de disputas epistemológicas, artísticas e políticas do presente. Formada em 2007, a Rede esforça-se para incidir na qualidade crítica de práticas artísticas, arquivísticas, curatoriais e de movimentos sociais, no enquadramento de que pesquisar é em si um ato político, intervindo sobre diferentes conjunturas que marcam os presentes não sincrônicos que habitamos.
Todo o ato de nomear possui efeitos performativos, produz realidade. No nosso nome, a palavra Rede fala de uma trama de conexões (que pode conter, contactar, capturar) aberta a integrar-se a lugares em posição de Sul, entendendo Sul não como posição geográfica mas como lugar de enunciação geopolítica e afetiva. Dentro destas coordenadas, a Rede gera relações sul-sul, e conforma treliças complexas definidas histórica e conjunturalmente como sules. Trata-se de uma definição contingente e aberta a outras posições geopolíticas, mas que parte de uma parcialidade e localização manifestas, assumidas com suas potências e limitações. O termo Conceptualismos nasceu da conjuntura inicial da fundação da Rede em 2007, no contexto de um encontro em Barcelona (Vivid Radical Memory) em que eram debatidos outros relatos sobre os inícios dos conceitualismos. Muitas vezes temos nos sentido desconfortáveis com esse nome e inclusive propusemos mudá-lo, na medida em que nossos modos de fazer ultrapassaram longamente essa adscrição pontual ancorada num momento específico das relações arte/política. Porém, optamos por assumir esse legado que também é nosso e compartilhar esse nome numa incógnita C, quando optamos por assinar como RedeCSul, de modo que a C pode significar tantas outras coisas, caminhos, condições, carícias.
1. Caracterização da Rede: o que é, quem a constitui, como trabalha
A cumplicidade da Rede reúne cerca de quarenta artistas, ativistas e pesquisadrxs como integrantes ativx. Muitxs de nós somos latino-americanxs, migrantes intra e intercontinentais, experimentamos cotidianamente formas de deslocamento e de pertenças deslocadas, que supõem aprender a habitar as fronteiras. Colaboramos em diversos âmbitos, institucionais ou não, tais como universidades, museus ou espaços ativistas, para gerar outras condições de produção de conhecimento e de desobediência política. Buscamos gerar uma articulação indissociável entre poesia-pensamento-criação-ação, que reconhece a prática nos exercícios teóricos, e vice-versa. Um complexo ético-político vai conectando aquelxs que integram a Rede, por meio de uma política de afetividades, desenhada de formas imprevisíveis e que pode começar na virtualidade antes do encontro cara-a-cara.
A Rede atua como ponto de fuga no âmbito do trabalho colaborativo e afetivo. Quem deseja participar deve colocar desejo, idéias e tempo para lubrificar de modo coletivo o seu funcionamento. Estar na Rede é uma maneira de procurar antídotos contra a indiferença e a impotência, uma maneira de nos afetar pelo presente e sua historicidade.
Atualmente, a Rede está organizada através de quatro nódulos: arquivos, pesquisas, publicações e ativações. Impulsionamos projetos coletivos conformando grupos de trabalho dentro dos nódulos, em contato entre distintos nodos ou de forma transversal como projetos curatoriais ou de pesquisa. Também partilhamos instâncias plenárias (pelo menos uma por ano) para pôr em comum e resolver questões transversais, assim como para designar nossxs delegadxs. Nos vinculamos com outras pessoas, grupos e instituições desde distintas posições e a diferentes escalas.
Trabalhamos e colocamos em comum os processos em andamento através de encontros periódicos presenciais ou bem empregando distintas plataformas virtuais. Chegar até aqui não supôs um processo rápido nem sujeito a lógicas de eficiência, senão um caminho sinuoso em que nos deparamos tanto com desacordos como com descobertas deste fazer juntxs. Temos ensaiado e continuamos ensaiando metodologias e modos de colaboração com rotação da coordenação geral e delegadxs por nodo. Os encontros presenciais funcionam como um combustível para acender os afetos e a imaginação política, propiciam espaços de discussão interna e pública.
O complexo de trabalho de pesquisa, de ações e experiências políticas cobra sentido e se expande graças a alianças que, desde um horizonte de autonomia, a RedeCSul estabelece com diferentes atores. Como posição que não renega da instituição mas que tenta gerar espaços instituintes, os projetos da Rede têm sido possíveis graças a uma somatória de práticas e elaborações de cada integrante, e a apoios tanto individuais como institucionais. A Rede também tem ensaiado uma pragmática vitalista, uma composição de modos de fazer para construir e defender um espaço-tempo de afirmação comum, para ensaiar outras economias e redistribuição de recursos, e onde achar aliadxs tem sido importante. A Rede tem estabelecido alianças com instituições tanto do norte como do sul global, que permitiram incidir em diferentes escalas. Cabe ressaltar as alianças com a Foundation for Arts Initiatives, que desde o ano 2009 tem apoiado diferentes projetos da Rede e com o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía de Madri. Da mesma forma, foram possíveis colaborações com instituições do sul como o Archivo General de la Universidad de la República em Montevidéu, o Instituto de Investigaciones Gino Germani de la UBA, e Memoria Abierta de Buenos Aires, o Museo de la Memoria y los Derechos Humanos em Santiago do Chile, o Museo de Arte de Lima, o Centro de Documentación Arkheia del Museo Universitario de Arte Contemporáneo de la UNAM na Cidade do México e o Centro de Artes Visuales/Museo del Barro em Assunção, que foram fundamentais para a Rede.
A Rede, por sua parte, expande as possibilidades que essas alianças abrem para outros agentes. Porém, não nos percebemos como “mediadores”. Entendemos que nossas propostas e intervenções não vão (por exemplo) dos artistas às instituições como se fossem agentes imperturbáveis; pelo contrário, buscamos que estas interações consigam alterar, re-configurar e em certos pontos desfazer as práticas instituídas. Quer dizer, que estes contatos as afetem. Estas alianças não só supõem recursos, mas também a negociação e construção de espaços de co-responsabilidade e trabalho conjunto, com todas as tensões que tais relações acarretam, o que nos permitiu gerar também possibilidades inesperadas.
No processo de construção do comum, reconhecemos uma afinidade ética tanto como um princípio de autonomia entre aquelxs que integramos a Rede, as dinâmicas próprias dos respectivos nodos, os projetos específicos e nossxs aliadxs. A autonomia convive com uma política da escuta que envolve a possibilidade de construção de acordos e critérios compartilhados, que supõe entender, mas também dissentir e pactar desde as diferenças. Autonomia e colaboração são formas de fazer através das quais a Rede vai se expandindo e ganhando forma. Apostamos numa permeabilidade da escuta que nos mantenha porosxs, evitando a reprodução de modos autoritários e hierárquicos de relacionamento. Construir espaços de escuta e vulnerabilidade supõe abrir um tempo de ressonância, que dê lugar para a elaboração e a afetação, tanto do assimilável como daquilo que só se escuta como ruído. Uma política da escuta possibilita que o desconfortável nos habite para poder tomar posição. Reconhecemos as desigualdades nas condições de existência que definem a possibilidade de interferência de membrxs e não membrxs nos âmbitos sujeitos a políticas da Rede. Promovemos uma hospitalidade e apoio mútuo como uma forma de abrir o horizonte feminista, bicha-sapatona, cuir e multiespécies de nossa agência. Isto não só permitiu reconhecer mas também habitar as precariedades que nos atravessam em nosso trabalho produtivo junto com uma imensa labor de cuidado; é condição de possibilidade de nossas ideologias monstruas.
Nos interessa retomar o espírito anticapitalista, e o impulso descentralizador e libertário dos internacionalismos de esquerdas e anarquistas; as lutas anti coloniais, decoloniais e anti imperialistas, anti racistas e ecologistas do terceiro Mundo, mas com a condição de que não se tornem meros slogans, e que possam ajudar a ampliar o limite, ou produzir uma descoberta micropolítica em nossos modos de fazer, reconhecendo a importância destas ressonâncias tanto nos seus resultados como nos seus processos.
As tramas ideológicas que intervêm nas nas agências da RedeCSul não são estáticas, e sua configuração está exposta ao devir daquelxs que participamos de seus trajetos. Assumimos a contingência de nossos posicionamentos coletivos, sujeitos por sua parte a revisões, a tensões e questionamentos, reconhecendo que o desacordo forma parte da articulação do espaço comum.
2. Propósito da Rede
O propósito da Rede pode ser sintetizado em pelo menos três eixos: incid[encia em políticas da memória e de arquivos; produção de conhecimento e modos de fazer que nos permitam intersectar diferentes saberes; criação de comunidade e solidariedade internacional.
Temos nos comprometido nas disputas pela memória e a interpretação de práticas poético- políticas que têm tido lugar na América Latina desde os anos ’60. Estas têm estado expostas à fetichização, precariedade institucional, censura e autocensura, restrição de acesso, limitação de usos e clausura de sentidos ou coisificação/mercantilização de experiências do passado. Nosso trabalho em políticas de arquivo e em modos de fazer cultura autogestivos e institucionais tem sido maneiras de ensaiar respostas práticas para promover formas do comum que permitam interromper os encurralamentos das memórias críticas.
A Rede se concebe como um lugar de produção de saberes situados. Reconhecemos as ambiguidades que constituem formas de curto-circuito inerentes à processos coletivos de produção de conhecimento, que antes do que retenção de informação ou presunção de campos de exclusividade temática, ensaiam formas de distribuição de energias, capacidades e responsabilidades na invenção do comum. O posicionamento crítico e na fronteira dos espaços legitimados de conhecimento não supõe uma desvalorização da erudição (popular, acadêmica, indígena, militante, etc.), porém estejamos habitadxs por condições de acesso diferenciadas à distintos regimes discursivos (como os discursos hegemônicos acadêmicos ou sobre a arte, repertórios léxicos ativistas ou vozes indígenas). A Rede faz, ao mesmo tempo, um chamamento a construção de conhecimentos situados e híbridos ainda por ser encontrados que não se correspondam necessariamente com um logos acadêmico. Em concordância com esta necessidade, propomos pensar políticas de tradução de conceitos, buscando termos afins aos fundamentos éticos de enunciação desde os quais estes operam, nos respectivos terrenos. Uma tradução não apenas linguística, mas que involucre outros paradigmas lógicos: traduzir a ideia à gráfica, a gráfica à ação, a ação ao texto, a experiencia comum ao manifesto.
Na interseção entre práticas e saberes e políticas da memória, como Rede buscamos desenhar mapas de afetos que buscam construir comunidade e tornar sustentáveis formas de solidariedade internacional. A Rede atua como ponto de fuga e âmbito de trabalho colaborativo e afetivo. Através de sua prática, a Rede constrói comunidade (já internacional) entre seus integrantes e, ao mesmo tempo, estabelece formas de aliança e colaboração com instituições, organizações, movimentos, pesquisadorxs, artistas, arquivistas, docentes. A partir disto, a Rede busca tomar posição e apoiar processos políticos contingentes que ocorrem em diferentes pontos da América Latina e o Sul global, como um modo de rastrear futuros emergentes, que nos permitam antecipar as violências por vir, mas também nos conectem com a urgência de reforçar esses momentos em que aparece a possibilidade de outros mundos.
3. Trans-bio-regionalidade
Concebemos o trans-bio-regional como uma trama bio-lógica comum e híbrida, atravessada por trajetórias históricas compartilhadas e especificidades, e que implicam paisagens culturais, linguísticas e ecológicas em situação de fronteira. O trans-bio-regional se vê tensionado por formas de viver e morrer que traçam continuidades e descontinuidades na vida dos diferentes habitantes e espécies de um território, de seus recursos e matérias primas, de suas línguas e saberes.
Uma história comum de colonização fez que na América meridional existisse um Sul geográfico em que o espanhol junto com o português deviesse línguas e formas estéticas dominantes de regulação de nossas interações. Esta colonização linguística e visual tem sido territorial, cultural e espiritual. As condições homogeneizadoras que este processo criou, já subvertidas, podem ser imaginadas como aspecto comum, e têm sido recuperadas em distintas datas como elemento propiciador de integrações.
Assim, um elemento que identifica o momento fundacional da Rede é seu componente linguístico comum que, mesmo que heterogêneo, está marcado pelo castelhano e o português. Por um lado, em nossa opção pelo bilinguismo castelhano/português há uma resistência à imposição do inglês como língua franca do mundo da arte/acadêmico, e um desejo de fortalecer a conexão entre latino-americanxs. Por outro lado, sabemos que estas línguas “oficiais” expressam uma história colonial sob a qual pululam não só distintos registros e sotaques que transformam a natureza e são imaginados como potência; mas também são interferidas por línguas indígenas que, mesmo que minoritárias em nossas construções do comum, aportam significados diferentes que ameaçam as estabilidades das línguas reguladoras e possibilitam a conformação de linguagens comuns e imaginários, manchados, pintados, mestiços, cholos, chixi, champurria, jopara. Desde este complexo linguístico, a Rede reconhece que neste Sul suas relações se dão maiormente em castelhano, logo em português, mas expressa, assim mesmo, um desejo de se instituir em rede de línguas e de regimes visuais, partindo da escuta e do aprendizado, e assumindo que nenhuma linguagem, nenhum sotaque, nenhuma mancha, é capaz de nomear ou de enfocar nitidamente, por si só, certas realidades marcadas pela carga histórica dessa língua: cada língua e cada imagem põe em jogo um mundo, e se esta circunstância é aplanada, muito é aplanado; isso implica, ao mesmo tempo, que existem zonas que permitem a construção de um nós inclusivo, ñande: e que, por momentos, este nós devêm excludente, ore. Da mesma forma, xs integrantes da Rede habitam outras línguas dominantes como o inglês ou o francês, geralmente vinculadas à experiência migrante de alguns de seus integrantes, e ao potencial que seu uso tem para permitir o diálogo com outras trans-bio-regiões e línguas.
Desde suas práticas concretas, a Rede busca incidir em imaginações e em políticas, produzindo contextos e espaços ch’ixi, relações situadas e trans-bio-regionais, e pronunciar opacidades ativas e potentes.
Reconhecemos as dificuldades de pensar nosso Sul; a necessidade de especificá-lo cada vez. Os bordados pela memória no México no contexto de massacres e desaparições perpetradas pelo narco-Estado, os huipiles tecidos por mulheres da Guatemala como uma forma de pensar e sentir o mundo, a gráfica que proliferou após as revoltas de outubro de 2019 no Chile, os rituais do Arete Guasu no Paraguai, não nos falam de um espaço-tempo homogêneo, nem de um mesmo Sul. As complexidades dos processos históricos, as coincidências e descontinuidades linguísticas e os processos históricos distintos, assim como as violências que os atravessam, requerem que assumamos a existência de subjugamentos intrarregionais. Nesse sentido nos interessa questionar de forma permanente as condições para que as identidades subalternas, em relação com instâncias dominante, produzam imagens ou participem com seus sentidos diante da ameaça de apropriação e a instrumentalização neutralizadora.
Desde a Rede reconhecemos os efeitos do constructo de nação em nossas relações mediadas pelas fronteiras dos Estados-nação. Buscamos nos abrir a ecossistemas trans-bio-regionais que os excedam e se abram, além disso, a ecossofias e práticas comuns e heterogêneas que atravessem as distribuições regionais estatais e mercantis. Isto supõe imaginar alianças que possam conectar pessoas e conflitos não só pela sua pertença ou arraigo a países, mas também a bio-regiões, quer dizer territórios com uma geografia, uma paisagem, rasgos ecológicos e históricos comuns, línguas compartilhadas, que não sempre se correspondem com as delimitações do Estado-nação; que podem conviver num mesmo Estado ou atravessar vários Estados. E além, o termo bio de trans-bio-regional nos fala em seu sentido mais decisivo, das formas tensas de viver e de morrer dignamente em nossa região.
Buscamos habilitar uma forma de intercâmbio decolonial que possa ser posta em prática tanto à distância, como o que está longe, como com o mais próximo. É desde ali que repudiamos tanto as renovadas formas de imperialismo exterior, assim como as consequências do avanço extrativista de empresas transnacionais que não reconhecem fronteiras, e o colonialismo interno que o Estado exerce sobre os povos migrantes e indígenas, e sobre aquelas comunidades e subjetividades subjugadas por outras formas de desigualdade estrutural, que convivem no território demarcado pelas fronteiras.
4. O que temos feito
Nos 13 anos de vida da RedCSur, promovemos diversas iniciativas em políticas de arquivo, experimentos curatoriais, pesquisas e publicações coletivas, seminários e ações de solidariedade internacional.
A Red realizou processos coletivos de investigação e conformação de arquivos para preservação e socialização dos documentos, buscando abriga-los em instituições públicas baseadas em seus próprios locais de emergência, e promovendo sua consulta por meio de digitalização e múltiplos modos de uso. Um projeto precursor foi o Cartografias Críticas (2007-2011), antecedente fundamental para os projetos atualmente em curso. Entre eles estão, o arquivo do artista e poeta Clemente Padín, em Montevidéu; o arquivo do grupo CADA, da Agrupación de Plásticos Jóvenes (APJ), do Centro Cultural Tallersol, de Guillerno Nuñez, da fotógrafa feminista Kena Lorenzini, de Luz Donoso, em Santiago do Chile; o arquivo do artistas Juan Carlos Romero e as bandeiras da AIDA em Buenos Aires, o arquivo de Graciela Carnevale em Rosário e Elena Lucca em Resistência; o arquivo Cira Moscarda em Assunção, Umberto Giangrandi em Bogotá e a coleção Visualidades e Mobilização Social na Cidade do México, entre outros. Ao mesmo tempo, desenvolvemos a plataforma archivos en uso para agrupar essas coleções de documentos, que se conformou como uma ferramenta de trabalho e uma alternativa política para a sistematização e socialização de arquivos.
Da mesma forma, o Chamamento por uma política comum de Arquivos lançado em 2019 é uma iniciativa que busca construir consenso sobre práticas e políticas de memória, buscando desta maneira contagiar outros processos de arquivos autogerenciados, civis e institucionais, com os princípios que norteiam as práticas da Red no que tange arquivos, para potencializar a imaginação arquivística, ampliar e fortalecer alianças conjuntas e políticas de cuidado que possam responder à negligência do estado ou à voracidade comercial.
Em articulação com projetos de arquivo e pesquisa, a RedCSur desenvolve experimentações curatoriais e editoriais. Entre as exposições promovidas, podemos citar Inventário (Rosario, 2008), Perder a Forma Humana. Uma imagem sísmica dos anos oitenta na América Latina (Madrid, Lima, Buenos Aires, 2012-2014) e Colocar o Corpo. Chamamentos de arte e política nos anos oitenta na América Latina (Santiago, 2016). O trabalho editorial da Red começou com publicações como Conceitualismos do Sul / Conceitualismos do Sul (São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2009), O desejo nasce do colapso (Madri, MNCARS, 2011 reeditada em 2018), Perder a Forma Humana. Uma imagem sísmica dos anos oitenta na América Latina (MNCARS 2013-2014), (Des)inventario. Esquirlas de Tucuman Arde (Santiago do Chile, Ocholibros / MNCARS / RedCSur, 2015), que analisa as maneiras como se constituiu e circulou o arquivo de Graciela Carnevale, Arte e dissidência política. Memórias do Taller 4 Rojo (RedCSur, MNCARS, Projeto Bachué, Bogotá, 2015) que reúne os depoimentos de 4 dos 5 membros dessa associação de artistas e o Archivo CADA. Astúcia prática e potências do comum (Santiago do Chile, Ocholibros / MNCARS / RedCSur / MMDH, 2019), que retoma o processo de institucionalização do Arquivo do Coletivo de Ações de Arte no Museu da Memória de Santiago do Chile. Atualmente, a Red está trabalhando em um projeto coletivo, a exposição Giro Gráfico, que deve ser aberta em 2022.
Recentemente, a Red criou a pasafronteras (em minúsculas), uma editora anfíbia que edita publicações nascidas dentro e fora da Red. pasafronteras reúne um espírito internacionalista que busca resgatar as economias (migratórias) informais e solidárias, que permitam outras formas de pensar políticas de impressão e distribuição de livros, e propõe diferentes modos de tráfego e deslocamento para trabalhar nos limites, nas bordas, nas fronteiras de gêneros e
formatos (passando do livro impresso à revista online, ao podcast, ao fanzine). Publicamos recentemente o fanzine 8M (2019) e o Arquivos do Comum II - O Arquivo Anômico (2019).
Por sua vez, a revista Des-bordes propõe cruzamentos entre uma pesquisa comprometida, análise crítica dos conflitos políticos atuais, cultura visual e práticas artísticas. Pensamos na revista como uma plataforma porosa para expandir as afinidades e contágios da RedCSur, e para além. Nesse sentido, a revista é atravessada pela pergunta sobre como habitar fronteiras, mas também sobre como desfigura-las para desbloquear os tráficos indisciplinados entre pensar e fazer, que nos ajude a enfrentar o presente.
Ensaiamos e propusemos diferentes formas de pronunciamentos e ações políticas internacionalistas e trans-bio-regionais e que estabelecem diálogos para além da Red. Se trata de tomar uma posição coletiva e articular dissidências em torno do presente, em processos que não estão isentos de discordâncias tanto dentro quanto fora da Red. Algumas dessas declarações foram Estado de Alerta devido à queima do arquivo Hélio Oiticica (2009), a declaração de repúdio ao golpe de Estado no Paraguai contra Fernando Lugo (2012), a declaração pela situação na Venezuela (2014) e Não temer o mundo! Enfrentá-lo para criar outros mundos! contra o golpe à Dilma Rousseff no Brasil (2016).
Nos últimos anos, as campanhas gráficas foram fundamentais nesse processo e se constituíram em formas plurais, não uníssonas de tomada de posição, que não são mais apenas um posicionamento, mas um chamado à ação gráfica de solidariedade internacionalista, atravessadas por experiências diversas e inscritas em contextos específicos. Essa forma de enunciação plural foi construída desde a campanha Somos todos negros (2009) que a Red realizou em conjunto com Juan Carlos Romero no contexto das celebrações do Bicentenário na América Latina e passou por outras, como a campanha Fora Temer (2016- 2017), em repúdio ao golpe que afastou Dilma Rousseff da presidência do Brasil, ou Nosso murmúrio será ensurdecedor (2018) para a luta pela descriminalização do aborto na região. Também promovemos a campanha e o círculo da palavra com os líderes sociais em Colômbia - Quais são os silêncios da democracia? (2019), bem como a chamada gráfica Estouramos (2019) sobre a revolta no Chile e o Não ao golpe fascista e racista na Bolívia (2019).
Por último, os seminários e atividades públicas da Red buscam abrir instâncias de comunicação nas quais seja possível estabelecer reflexões sobre os campos de atuação da Red, manifestar criticamente nas esferas de discussão, expandindo-as através da proposição de novos vetores, a recuperação de memórias sobre práticas e conhecimentos e a criação de léxicos comuns. Entre os seminários e ações públicas realizadas pela Red estão: o seminário internacional Conceitualismos do Sul / Sur; as diferentes versões do seminário do Arquivos do Comum organizado em conjunto com o Museu Reina Sofia; o seminário Corpos Desobedientes. Novos cruzamentos entre arte e política na América Latina nos anos 80, o encontro Memórias disruptivas. Táticas para entrar e sair dos Bicentenários na América Latina e no Caribe, as atividades públicas no âmbito da Segunda Reunião da RedCSur ou as
sessões abertas ao público da reunião plenária Memórias e Arquivos: categorias modernizadoras, repercussões e dissidências possíveis nos ‘Conceptualismos do Sul’.
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A RedCSur funciona como um corpo em mutação, uma organização de conexões e afetos que procura articular sua posição geopolítica em um campo de horizontalidade. Lugar onde os modos de fazer, pensar, desejar e trabalhar juntes podem ocorrer em um espaço de cuidado comum, para as que não estão mais lá e para as que estão por vir, onde fantasmas do passado podem chegar para se alojar nos presentes não síncronos que habitamos, e legamos a nós mesmas as potências que hibernam e que procuramos reativar. A Red é um exercício ativo de imaginação política que organiza suas forças a partir das fronteiras do agonístico: portanto, não constrói posições no espaço a partir de antagonismos limitados e fechados, mas enfrenta diferenças desde o contingente e instável, tensionando as margens do possível. A Red é o inacabado, é potência. É o que foi, o que está por ser (e será).
Arquivos do Comum no TBA.