Contai aos vossos filhos

Contai aos vossos filhos A fotografia e a guerra formam, na nossa época, uma parelha que tem muito que se lhe diga, mas não uma leitura única. Susan Sontag, uma escritora americana que descreveu, historiou, e tentou explicar a estranha coligação deste estranho casal (a fotografia e os sofrimentos da guerra) no seu livro “Ohando o sofrimento dos outros” (que diga-se de passagem, foi traduzido por mim) diz a certa altura: “As guerras são agora também imagens e sons de sala de estar. A informação sobre o que está a acontecer noutro sítio, a que se dá o nome de «notícias», sublinha o conflito e a violência – If it bleeds, it leads [«Se há baixas, há cachas»], reza a provecta divisa dos tabloides e dos programas noticiosos de 24 horas – que recebem em resposta compaixão, ou indignação, ou excitação, ou aprovação, à medida que cada notícia vai surgindo.”

15.03.2024 | por José Lima

La Patria no se Vende

La Patria no se Vende Pela primeira vez na história da Argentina deu-se uma greve geral no primeiro mês de um governo novo. Na manhã de 24 de janeiro, Javier Milei foi confrontado com mobilizações de milhares de pessoas por todo o país, exigindo o fim da Lei Omnibus e do pacote de Decreto Nacional de Urgência. As ruas centrais de Buenos Aires encheram-se de forma organizada através de blocos de diferentes sindicatos e de grupos laborais. Da Praça de Maio ao Congresso (dez quarteirões) era impossível andar, de tal modo as pessoas estavam encavalitadas, gritando e empunhando cartazes contra o novo presidente.

01.02.2024 | por Francisca Duarte

O pesadelo de Borges

O pesadelo de Borges Na Argentina, ganhou Milei. O improvável outsider roqueiro, de olhos esbugalhados, o leão anarcocapitalista chegou à Presidência de um país empobrecido com uma motosserra na mão. Ainda em expansão, as ondas de choque. Quem teme o autoritarismo, a repressão e a redução do Estado a mínimos incomportáveis encontra sinais de hecatombe até no insuspeito. Neste medo contido no assombro, ressurgem os pesadelos de Jorge Luís Borges.

01.12.2023 | por Pedro Cardoso

No Need for European Decolonial Instruction

No Need for European Decolonial Instruction O resultado evidente do processo disciplinar desencadeado pela Documenta15, confirmado pelo que está a acontecer nos últimos dias, é o desmascarar da hipocrisia perversa da política cultural descolonial europeia. Em vez de resolver questões internas que vêm à tona de modo cada vez mais flagrante, o Estado alemão prefere aplicar medidas disciplinares autoritárias, repetindo antigas formas de gaslighting implementadas na Alemanha de Leste durante as décadas de 1970 e 1980 e criando, a cada situação, novos bodes expiatórios.

21.11.2023 | por Laura Burocco

COLÓQUIO INTERNACIONAL AFROLAB 2023 Escritas Afrodescendentes

COLÓQUIO INTERNACIONAL AFROLAB 2023  Escritas Afrodescendentes "O objectivo desta reflexão é discutir os termos de (auto)identificação e de pertença em Portugal, através da localização da escrita de autoria afrodescendente no sistema literário português, cujo contexto é claramente português, sendo os seus autores sujeitos conscientes do deslocamento geográfico e psico-cultural, porém com um sentido de pertença claramente europeu – razão por que vêm sendo designados afropeus a sua escrita afropeia, evidenciando particularidades de uma diversa cenografia literária nacional que, em certa medida, desafia a visão hegemónica do “cânone literário” português." Inocência Mata

06.11.2023 | por vários

A morte é um eterno regresso

A morte é um eterno regresso Esta noite, os mortos regressam à nossa dimensão. Dançam com os vivos. Lambuzam-se com as comidas preferidas e embriagam-se com tequila e mezcal. Na sua incorporalidade, chegam desde o inframundo, guiados pelo aroma das flores de cempasúchil, pelo fumo do copal e pela luz das velas dos altares e campas. Nos espelhos e nas fotografias reconhecem-se; nos objetos pessoais, materializam-se. Esta noite, a vida e a morte fundem-se num abraço nostálgico e espectral.

01.11.2023 | por Pedro Cardoso

Bienais do Sul

Bienais do Sul Nos últimos tempos assistimos cada vez mais a um “des-branqueamento” (De-Whitening) do mundo não só da arte, mas da cultura em geral. Embora inteiramente desejável, este movimento nem sempre é acompanhado de conteúdos concretos. Se não ter um artista negro no painel de artistas representados tornou-se hoje quase “inaceitável” para uma galeria – talvez por falta de estratégia financeira, uma vez os artistas não brancos influenciam os valores do mercado de arte – nem sempre estas escolhas vão além de interesses económicos.

18.09.2023 | por Laura Burocco

Cadernos chilenos: tragédia e sopro

Cadernos chilenos: tragédia e sopro Há 50 anos, a 11 de setembro de 1973, Pinochet chegava ao poder. Há 50 anos, Salvador Allende suicidava-se, barricado no Palácio de la Moneda, sob bombas e cercado de militares golpistas. Meio século depois, grandes e pequenas tragédias põem o Chile frente a um espelho-poliedro. Apontamentos de um país assaltado por revisionistas e negacionistas. A 50 anos do início de um longo terror, e com um governo de esquerda de novo no poder, o Chile não se encontra. Nem nas ruas, nem na memória, nem nas canções.

11.09.2023 | por Pedro Cardoso

Comemoração verde e prática não-invasiva - o caso de “O Salgueiro da Ester”

Comemoração verde e prática não-invasiva - o caso de “O Salgueiro da Ester” Jason Francisco falou da sua experiência de percorrer os sítios com memórias judaicas em toda a Europa onde faz recolha de plantas. Por sua vez, Daniela Naomi Molnar reiterou o que Francisco dissera e evocou também a recolha de plantas dos sítios com passado pesado como materiais para usar com as cores nas suas pinturas. A apresentação da Marta Sala parece-me o mais pertinente da conversa, pois o seu caso pode provocar a contradição de “práticas não-invasivas”. Trata-se da plantação de uma árvore, ou seja intervenção física, que é, ao mesmo tempo, verde.

18.07.2023 | por Cheong Kin Man

IV Encontro de Cultura Visual - Reparações

IV Encontro de Cultura Visual - Reparações O IV Encontro de Cultura Visual: Reparações, organizado por Ana Cristina Pereira (aka Kitty Furtado) e Inês Beleza Barreiros, coordenadoras do Grupo de Cultura Visual da SOPCOM – Associação Portuguesa para as Ciências da Comunicação, terá lugar nos dias 23 e 24 de Junho, na mala voadora, no Porto. Este encontro, que terá uma conferência inaugural da politóloga, historiadora e ativista Françoise Vergès, “Imaginando um pós-museu”, juntará investigadores, artistas e ativistas para juntes pensarem o projeto de reparação do mundo estilhaçado em que vivemos como um programa de “contravisualidade”.

19.06.2023 | por várias

48 horas, algures nos últimos quinze anos …

48 horas, algures nos últimos quinze anos … Onde tudo definhava já, o amarelo seco tornou-se num verde triunfante. As chuvas fustigam os milheirais em Nguer Malal, enquanto um chauffeur zeloso evita as crateras da estrada mal cuidada. Fico impaciente nos bancos de trás. Louga, terre des modou modou. Aviso: não me digas o que pensar! Ainda menos com o sufoco do ar húmido e quente. No Cavaleiro e a Sombra de Boris Diop, Khadija, a mulher corajosa, desaparecida há oito anos, manda missiva a Lat Sukabé. Lat tem pinta de otário excessivamente romântico e deixa tudo porque a morta afinal não está morta. Kebemer, a terra de Wade. Ngaye, a terra de todas as sandálias.

19.06.2023 | por Ricardo Falcão

Priceless: recuerdos do presente: o museu é Portugal

Priceless: recuerdos do presente: o museu é Portugal Estas imagens mimetizam a "negrita" da marca, à excepção de que Gisela e ROD nos olham de frente e não se mostram de perfil. Tornam-se, de repente, um objeto para os/as brancos/as observarem (Kilomba), mas agora causam desconforto, da mesma forma que ser servida uma chávena de café desta marca por uma mulher negra me causa mal estar. Numa loja de recuerdos de um museu fictício, onde nenhum dos objetos pode ser comprado, Gisela Casimiro e ROD nomeiam o seu trabalho Priceless, trocando a língua colonial pela língua imperial, a língua em que se faz comércio global e se tomam decisões políticas. Ambos se apropriam desta língua para dizerem, em última análise: "é assim que nos representam e não é esta a representação que queremos”.

15.06.2023 | por Laura Falésia

Atlas da Solidão

Atlas da Solidão Para que serve a solidão? Porque se torna ameaçadora? Como podemos usufruir da nossa solidão num mundo que se tornou mais veloz do que nunca? Atlas da Solidão aborda um tema crucial para o entendimento da contemporaneidade e convoca uma reflexão sobre múltiplas dimensões da solidão, positivas e negativas, num programa interdisciplinar que procura abordar o tema dos pontos de vista teórico, simbólico e prático. O programa — que inclui conversas, um concerto, uma oficina para adolescentes, um curso online, performances, dança e uma exposição — concentra-se na Appleton Associação Cultural, em Lisboa, até dia 29 de abril, que se torna numa plataforma de encontro entre o público e os intervenientes do projeto.

04.04.2023 | por Marta Rema

Claudia Andujar, yanomami e uma arte ancestral

Claudia Andujar, yanomami e uma arte ancestral Desde os anos 2000, uma nova geração de artistas indígenas no Brasil passou a produzir e expor seus trabalhos fora de seu território, estabelecendo um novo olhar que, além de abrir cada vez mais caminhos no mundo das artes, representa um convite - e um presente que nos é dado - para experimentar outras visões de mundo. Se ninguém está nu na floresta, o olhar ocidental muitas vezes continua querendo buscar a nudez, a miséria, a tristeza que quase sempre ele mesmo produz.

23.02.2023 | por Laura Burocco

Nigéria, milhões de jovens votam em Peter Obi

Nigéria, milhões de jovens votam em Peter Obi Por mais que a Nigéria diga que quer minimizar a importância da etnia na política nacional, a lealdade étnica persiste teimosamente e os três principais candidatos agora refletem as três maiores nacionalidades étnicas do país. A Nigéria, mais dividida e polarizada do que nunca, mostra suas fissuras na controvérsia sobre os candidatos presidenciais e a fé religiosa, na agitação separatista do neo-Biafra no sudeste e na retórica etnocentrica tóxica e preconceituosa comum nos media e nas redes sociais. Enquanto o poder normalmente alterna entre norte e sul e muçulmanos e cristãos, o PDP escolheu Atiku, um muçulmano do norte, APC Tinubu, um muçulmano do sul que lidera grupos religiosos para denunciar a percepção de marginalização dos cristãos. Wole Soyinka convidou os políticos a aproveitar a oportunidade para não exacerbar o debate, dada a atual peculiaridade da situação em que a sociedade nigeriana se encontra vivendo. Pode se referir a ameaças vindas de terroristas do Boko Haram, bandidos, separatistas, criminosos e uma miríade de gangues violentas.

23.02.2023 | por Laura Burocco

Bibliotecas Comunitárias em Angola: espaços de cultura, aprendizagem e esperança para além do centro!

Bibliotecas Comunitárias em Angola: espaços de cultura, aprendizagem e esperança para além do centro! Em Angola, nos últimos dois anos e meio, surgiram vários projectos sociais, sem fins lucrativos, ligados à difusão do livro e da literatura no geral. Uma das componentes mais fortes nesses diversos projectos foi a criação de diversas bibliotecas comunitárias, em diferentes regiões do país, pelas mãos de jovens que se foram inspirando uns aos outros. Várias pessoas, em diferentes lugares, às vezes em simultâneo e outras não, foram dando asas à sua imaginação e dentro das suas comunidades criaram bibliotecas comunitárias que têm servido a um número significativo de pessoas, sobretudo crianças e jovens.

18.01.2023 | por Leopoldina Fekayamãle

Bienal de Luleå, autodeterminação dos povos originários dos países nórdicos europeus

Bienal de Luleå, autodeterminação dos povos originários dos países nórdicos europeus Há uma longa história de autodeterminação dos povos originários dos países nórdicos europeus que, muitas vezes, escapa aos olhos mesmo daqueles que concentram o seu pensamento crítico em países longínquos. Em vez de definir um tema abrangente para a Bienal, os curadores decidiram guiar o próprio trabalho num processo de escuta e de aprendizagem do contexto local – com o qual ambos não são familiarizados, vindos do sul do país –, formulando quatro princípios para desenvolver a bienal: Pensamento Além da Fronteira (Beyond Border Thinking); Descentralização (Decentering); Imaginação da Terra (Earthed Imagination); Custódia (Custodianship).

12.01.2023 | por Laura Burocco

“Europa Oxalá”, tales of Europe

“Europa Oxalá”, tales of Europe Ao visitarmos a mostra coletiva Europa Oxalá ficamos, precisamente, com uma ideia mais vívida e premente sobre o poder criativo, as questões, preposições e desafios da contemporaneidade europeia. A noção de Europa afigura-se tanto mais coincidente com a sua realidade, como com os desejos e memórias diversas que a compõem. Na sala expositiva da Fundação Calouste Gulbenkian, percorremos as 60 obras em linguagens como pintura, desenho, escultura, filme, fotografia e instalação, de artistas cujos nomes não são uma mera lista mas fonte de conhecimento sobre identidades, descolonização, xenofobia, racismo, processos migratórios de pessoas, mundos e arte.

27.12.2022 | por Marta Lança

“O impulso fotográfico”, (Des)arrumar o Arquivo Colonial

“O impulso fotográfico”, (Des)arrumar o Arquivo Colonial Nesta exposição, a expansão da fotografia associa-se à expansão científica colonial que vê na fotografia a tecnologia adequada para visualizar, medir, classificar e arquivar os seus objetos de estudo de modo potencialmente infinito, num contexto de progressivo extrativismo. Partindo desta obsessão pela medição e classificação, mostra-se os modos como os territórios e os corpos das pessoas colonizadas foram visualmente apropriados durante as missões científicas de geodesia, geografia e antropologia, no período 1890-1975, e como se difundiram as narrativas da ciência colonial.

11.12.2022 | por vários

"Resistência Visual Generalizada”: algumas reflexões críticas para recordar o passado do século XX na luta contra o presente neo-liberal

"Resistência Visual Generalizada”: algumas reflexões críticas para recordar o passado do século XX na luta contra o presente neo-liberal Se outros sistemas económicos e sociais caíram no passado, porque é que o capitalismo não pode acabar, mais tarde ou mais cedo? Porque não levantar essas questões, geralmente declaradas como "impossíveis" de resolver? Por vezes, pensamos nas organizações económico-políticas das sociedades como estruturas imutáveis, as formações guerrilheiras não o fizeram, mesmo quando tudo podia parecer perdido. Sonhando e praticando sonhos, as utopias tornam-se realidade.

23.11.2022 | por Francesco Biagi