O que resta depois do Carnaval: Liceu, Mingas, o hino e a bandeira I Um passo atrás

O que resta depois do Carnaval: Liceu, Mingas, o hino e a bandeira I Um passo atrás É muito fácil esquecer que os hinos nacionais, as bandeiras e as insígnias foram criadas por mãos humanas, gente como nós. O processo de sacralização desses símbolos, como se tivessem sido obra de um deus no início dos tempos, como se sempre tivessem estado ali, como se fossem invioláveis e imutáveis, é uma espécie de pacto coletivo, não necessariamente consensual, muitas vezes implicando a existência de uma bandeira vencida e outra vencedora. Esse é, como sabemos, o caso de Angola, onde a bandeira vencedora triunfou sobre as outras.

15.02.2024 | por Aline Frazão

Sobre Bantu, de Victor Hugo Pontes

Sobre Bantu, de Victor Hugo Pontes Assim como o destas pessoas de Bantu, onde sete bailarinos, três moçambicanos e quatro portugueses, cinco homens e duas mulheres, quatro negros e três brancos, se juntaram para entrar em jogo. Vinham com as suas marcas, as suas histórias, os seus ritmos nos pés e na mente. Juntos experimentaram frases rítmicas, improvisaram muito, trocaram de papéis, desconstruíram o que achavam saber, impulsionaram a expressão de cada um e a de um coletivo que se reconfigura entre solos e gestos gregários. Tateando-se, libertando-se, individual e socialmente, os corpos brancos e negros contrastam mas afagam-se.

22.01.2024 | por Marta Lança

Da missão em “A Missão da Missão”, ou de como se aplaude de pé quando o Teatro nos explode o coração

Da missão em “A Missão da Missão”, ou de como se aplaude de pé quando o Teatro nos explode o coração   Quadro “eu é que sou a mais negra”, trazendo ao de cima questões sobre o lugar de fala, sobre o direito (ou não) de reclamar para si a negritude quando a pele, à vista desarmada, não conta essa marca; Quadro “é estrutural”, usando um saco de boxe, numa clara analogia ao cansaço do argumento que justifica tudo como “estrutural” e as vezes em que essa ideia iliba os indivíduos das suas responsabilidades no quotidiano; Quadro “a solidão da mulher negra”, uma longa conversa – hilariante e profunda – sobre a constatação de que a maioria dos homens negros que alcançam algum poder (ou fama) acabam quase sempre por escolher mulheres brancas para suas companheiras;

30.12.2023 | por Maria Lima

Sim aos Comboios, Não aos Saloios*

Sim aos Comboios, Não aos Saloios* Tal como os novos velhos políticos percebem que, para ascenderem, devem excitar a comunicação social esfomeada — enquanto regam com álcool as feridas das democracias. E a violência da guerra começa assim, não é? Quando nos viciamos nesse frenesim alucinante do sangue a esguichar a qualquer hora, em qualquer direcção.

28.12.2023 | por Francisco Mouta Rúbio

Tradidanças, na serra, entre bailes e cantos, poços e florestas

Tradidanças, na serra, entre bailes e cantos, poços e florestas Além do que está organizado durante os dias de Festival, abundam espontâneos encontros musicais e de dança, alguns acontecem madrugada fora na zona do recinto, com dezenas de pessoas que vão fazendo a música e a dança sem alinhamento, outros nos espaços envolventes. O espírito de encontro e de convívio marca toda a gente que participa no Tradidanças, assim como a possibilidade de fazer junto. Este relacionamento social mais impactante resulta, por certo, dos diferentes tipos de baile que proporcionam uma socialização diferente daquela que é vivida na maior parte dos Festivais de Verão. Aqui há convívio garantido mão na mão, olhos nos olhos, entre saltos ritmados, galopes e trocas de par. O Festival tem ainda outra particularidade: é claramente intergeracional, com muitas atividades para crianças e gente de todas as idades.

21.08.2023 | por Maria Prata

'Os Sons da Nação', História Política e Social da Música Urbana de Luanda: 1945-2002 - excerto

'Os Sons da Nação', História Política e Social da Música Urbana de Luanda: 1945-2002 - excerto Eu defendo que é na e pela música popular urbana, produzida esmagadoramente nos musseques de Luanda, que os homens e mulheres angolanos forjaram a Nação e articularam expectativas sobre o nacionalismo e sobre a soberania política, económica e cultural. Fizeram-no pelas relações sociais que se desenvolveram em torno da produção e do consumo de música. O conteúdo lírico e o som musical importavam, mas o público e os músicos davam-lhes um significado dentro do contexto. Por outras palavras, a música, no fim da Angola colonial, moveu as pessoas para uma Nação e de encontro ao nacionalismo, porque as aproximou de novos espaços urbanos, de novas maneiras, através de linhas de classe e etnia, através da política íntima e pública do género.

13.07.2023 | por Marissa Moorman

Ritual de Escuta

Ritual de Escuta O enredo gira em torno da preparação da conversa que pais de filhos gerados em relações inter-raciais terão, algum dia, de ter com as suas crianças sobre questões raciais. É um tema difícil, por isso, muitos pais não sabem como começar a discussão e perdem-se entre acusações e o autoflagelo. O ator Daniel Moutinho e a atriz Manuela Paula dão vida ao casal inter-racial que procura um caminho para “A Conversa”. São cerca de 20 minutos de auscultação em que o ouvinte será levado pelo mundo de dúvidas, aspirações, esperança, determinação e incerteza, num ensaio para uma conversa que é inevitável, seja por iniciativa própria ou por força da sociedade.

05.04.2023 | por Carla Fernandes

ACARTE: heterotopia, heterocronia e a construção do comum

ACARTE: heterotopia, heterocronia e a construção do comum A partir do ACARTE, Bigotte desenvolve um sofisticado exercício de interpretação das transformações sociais ocorridas em Portugal na década de 80, usando um não menos sofisticado aparelho critico que lhe permite abordar as temporalidades, espacialidades e as múltiplas corporalidades que se colocam em jogo num período de intensas transformações. ACARTE aparece como uma heterotopia e heterocronia. Aparece como um ALEPH no qual se suspendem as determinações de uma sociedade recém-saída do longo período da ditadura de Salazar, no qual se viram truncadas, espacial, temporal e corporalmente, as aspirações da modernidade proclamadas por Almada.

14.12.2022 | por Jesús Carrillo

Festival "Todos - Caminhada de Culturas" 2022

Festival "Todos - Caminhada de Culturas" 2022 Pouco a pouco, habitamos esse pedaço grande da cidade, ali colhendo memórias, visíveis e invisíveis, para voltar a afirmar o valor da interculturalidade e a importância das gentes de Santa Clara no desenvolvimento da capital. Nesta 14.ª edição do TODOS, convidamos a olhar Santa Clara como um centro de onde a cidade irradia, na certeza de que, juntando diferentes ideias, emoções e vontades, poderemos continuar a Acertar o Mundo. Depois de um primeiro ano de trabalho, queremos agora amplificar artisticamente essa experiência, ajudando a romper com o entorpecimento da quotidianidade para evitar que cada um se torne prisioneiro de lugares-comuns e das ideias que já conhece.

01.09.2022 | por vários

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (8)

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (8) Paula Cardoso e Manuel Arriaga trazem-nos ferramentas para a liberdade e a garantia de memória futura, pela acção e empoderamento cívico.

09.08.2022 | por vários

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (7)

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (7) Maria Giulia Pinheiro é escritora, poeta, performer e pesquisadora feminista. Irmà Estopiña é poeta e arte-terapeuta/psicoterapeuta. Juntas organizam há alguns anos a "Ginginha Poética", um exercício de poesia comunitária e celebratória que emprestam ao Temos de Falar.

09.08.2022 | por vários

Danço-Congo na IX Bienal de São Tomé e Princípe

Danço-Congo na IX Bienal de São Tomé e Princípe Com o seu caráter original e “foco nos movimentos e falas, nas piadas de bobos, no ritmo dos tambores”, no Danço Congo “a história como um todo, assim contada pelas pessoas mais idosas, diluiu-se e deixou de ter importância.” Todos os participantes vestem-se a rigor, com destaque para os “capacetes feitos de banças de palmeira decoradas com coloridos pedacinhos de plástico.”

30.06.2022 | por João Moreira da Silva

Badio Branku de Djam Neguin

Badio Branku de Djam Neguin Djam Neguin, artista caboverdiano multifacetado provocativo e irreverente, brinda-nos e surpreende com nova composição. “Badio Branku” como título, manifesta uma capacidade sintética de todo um conteúdo e narrativas contemporâneas daquilo que enfrentamos nas nossas sociedades, sedentas de africanidade como processo emancipatório. Djam canta a um “espelho invertido”, uma máscara de quem não se quer ver. E sobretudo acusar-se. O existencialismo fala-nos do fardo que é a nossa própria liberdade, na simetria de uma responsabilidade que nem sempre é assumida na mesma medida. Amílcar Cabral falou disso, quando projetou e defendeu a criação do “homem novo”, que pensasse pela sua “própria cabeça”. Um ser livre. Um homem que se pode dar ao luxo de se ver e de ser visto, humanamente, sem “lágrimas de cor”.

07.06.2022 | por Valdevino Santos Bronze

Um Marquês de Pombal mestiço

Um Marquês de Pombal mestiço Uma figura está de boca aberta, em posição de espanto e outra, com medo; no centro, o Marquês de Pombal, com a sua inconfundível cabeleira, estende a mão num sinal de confiança, talvez até de futuro. Uma imagem é para ser olhada várias vezes, pelo menos uma imagem no seu sentido mais nobre de valer mil palavras e, olhando com mais atenção, percebemos que o rosto branco do Marquês de Pombal, com a pesada maquilhagem de época, é afinal um rosto negro.

30.05.2022 | por Susana Moreira Marques

TEM GRAÇA – Festival Internacional de Mulheres Palhaças | Entrevista a Susana Cecílio

TEM GRAÇA – Festival Internacional de Mulheres Palhaças | Entrevista a Susana Cecílio O clown faz parte do nosso ADN. Todas temos formação como palhaças, somos todas palhaças. Mas somos palhaças por loucura, investigamos uma comicidade a partir da nossa própria biografia, da exposição ridícula e escancarada dos problemas que todos imaginamos nas nossas cabeças e a comicidade parte daí. É um trabalho de proximidade, muito mais ligado à comunidade. É um trabalho de utilização de espaços não tão evidentes para apresentações performáticas, como um jardim, um lavadouro, lugares que são património da freguesia. Chamamos os públicos, os vizinhos, as associações, para participarem e para serem público. A narração oral tem esta proximidade, porque é um trabalho sem quarta parede, de olhos nos olhos, de tentar que o público seja testemunha daquilo que está a acontecer, um aqui e agora.

20.05.2022 | por Levina Valentim

Companhia de Dança Contemporânea de Angola | Temporada 2022

Companhia de Dança Contemporânea de Angola | Temporada 2022 Na sua Temporada de 2022, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola apresenta ISTO É UMA MULHER?, uma criação conjunta de Ana Clara Guerra Marques e da coreógrafa Irène Tassembédo do Burkina Faso. Esta peça convoca o público à descoberta, desafiando-o a confrontar-se consigo próprio e a envolver-se num universo onde, em cada pergunta e em cada resposta, existe uma probabilidade de razão. Não se pretendem apresentar soluções, muito menos se tenciona homenagear, exaltar, mostrar compaixão ou assumir qualquer lugar comum, pretendendo-se apenas integrar a construção de um lugar humanizado e evoluído onde ser Mulher já não cabe nos paradigmas do passado.

16.05.2022 | por vários, Ana Clara Guerra Marques e Irène Tassembédo

Pré-publicação: "O que é que temos a ver com isto? O papel político das organizações culturais"

Pré-publicação: "O que é que temos a ver com isto? O papel político das organizações culturais" A “ofensiva de diversidade” deixa-nos desconcertados, irritados, põe em causa os nossos conhecimentos e autoridade, é uma ameaça ao nosso estatuto. Na maioria dos casos, procuramos também o conforto do nosso casulo, o mundo tal como sempre o conhecemos, dialogamos apenas com os pares que partilham das nossas opiniões e não revelamos qualquer inquietação em relação ao que está a acontecer à nossa volta. Há ainda profissionais da nossa área que se contentam com o conforto de uma suposta neutralidade. As palavras “diversidade” e “inclusão” surgem, mesmo assim, com alguma frequência no nosso discurso, mas não têm um efectivo impacto no nosso trabalho, nas perguntas que colocamos a nós próprios, na forma como avaliamos o que fazemos. São palavras bonitas, mas inspiram ainda pouca acção. No entanto, é preciso a mudança começar de dentro.

05.05.2022 | por Maria Vlachou

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (6)

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (6) Gisela Casimiro conversa com Maria do Mar e Lia Pereira. Mulheres da música e das comunidades que ela une. Mulheres que nos fazem sentir em casa.

02.05.2022 | por vários

Rosa Parks e Frantz Fanon no Rap Moçambicano

Rosa Parks e Frantz Fanon no Rap Moçambicano "Pantera” é a mais recente colaboração do rapper moçambicano Duas Caras com Azagaia e Ras Haitrm. Faz parte do álbum Afromatic do músico e chamou a minha atenção pelo facto de versar entre a ancestralidade e atualidade, e pelas referências aos grandes pensadores que sustentam o antirracismo.

30.03.2022 | por Magda Burity da Silva

Rimini Protokoll e o teatro do resgate da consciência

Rimini Protokoll e o teatro do resgate da consciência Em 2015, participei como espetadora-atuante no Europa em Casa, um projeto da companhia Rimini Protokoll, que acontecia em casa de pessoas que se voluntariavam para receber um conjunto de estranhos para aí fazer desenrolar uma mesa redonda/jogo em torno das ideias de fronteiras da Europa. A ideia meio didática instrutiva sobre os elos e geografia política do espaço europeu, e da nossa dimensão enquanto pessoas ou países nessa geografia. Houve um breve momento de tensão quando nos pediram que definíssemos onde deviam estar as fronteiras em torno da Europa ou da União Europeia. Não as internas mas as externas. Eu disse que não devia haver fronteiras e a atriz que dinamizava a atividade reagiu “Como não? Tem de haver!” Provavelmente este não seria o guião, e ela falou de um ponto de vista particular. A peça “Conferência de Ausentes”, no TBA (24 a 26 de fevereiro), fez-me regressar àquele momento.

01.03.2022 | por Josina Almeida