O holocausto do arquipélago da fome

O holocausto do arquipélago da fome O que fizemos ao certo, nós que não iniciamos nenhuma revolução industrial, nem explodimos a bomba atómica? Nós que não distribuímos o agente laranja e muito menos o chlordécone? Nós os habitantes de um país cuja única guerra foi exatamente para recuperar um bioma, preservar vidas e o direito à respiração? O que fizemos nós, os resistentes da terra, para que ela nos condenasse? De facto, como dizia alguém, um dos crimes do colonialismo foi alienar-nos de tal modo a ponto de acreditarmos que a nossa simples existência constituía/constitui em si, uma aberração.

Mukanda

21.02.2024 | por Apolo de Carvalho

Sisal em Carne Viva - introdução

Sisal em Carne Viva - introdução Enquadrado pelo imaginário imperial racialista, o regime do Indigenato consagrava uma delimitação entre indígenas e não-indígenas, que serviu a hierarquização da ordem de interação colonial. Esta delimitação admitia que, de entre os africanos, algumas – poucas – pessoas se aproximavam dos padrões de conduta e estatuto social valorizados pela população de origem europeia, ali monopolizadora das posições de maior poder económico, simbólico e político, geralmente associadas a uma certa ideia de urbanidade. Tal aproximação seria oficialmente reconhecida pela concessão do estatuto de assimilado, e quem assim fosse consagrado estaria isento das obrigações exigidas aos indígenas, incluindo o trabalho forçado.

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24.11.2023 | por Inês Galvão

Caro amigo guineense (da colonialidade)

Caro amigo guineense (da colonialidade) Caro amigo guineense, o povo da Guiné é claramente dominado, doutrinado, manipulado, segregado e explorado pelo próprio estado. Um estado que se diz soberano, entretanto manietado e manipulado pelos colonialistas, que hoje simplesmente se chamam de capitalistas, portanto, ainda servimos os mesmos amos, e carregamos o povo com o fardo de escravo moderno. É mais do que certo que o estado guineense desenvolve a sua colonialidade, o estado também trabalha para bancos privados e interesses económicos bem obscuros, que só mantém o povo no escuro e faz furos nos seus bolsos e nas suas vidas, esvaziando-os até dos direitos mais básicos, como a saúde e a educação.

Mukanda

07.09.2023 | por Marinho de Pina

Do dever de memória ao direito de não ser um perpetrador - "Memórias em Tempo de Amnésia" de Álvaro de Vasconcelos

Do dever de memória ao direito de não ser um perpetrador - "Memórias em Tempo de Amnésia" de Álvaro de Vasconcelos O autor oferece-nos um testemunho e uma reflexão sobre o fascismo em Portugal e sobre o colonialismo português, pelo dever de memória, a mesma responsabilidade que Primo Levi assumiu ao escrever sobre o holocausto. Porém, ao contrário do autor judeu, que foi juntamente com os seus familiares vítima dos campos de concentração nazi, Álvaro de Vasconcelos não foi vítima do colonialismo; como confessa, foi seu beneficiário. Além disso, a sua condição de homem, nascido num meio privilegiado permitiu-lhe, mesmo durante o fascismo, o acesso a uma liberdade com a qual a maior parte dos portugueses - e sobretudo portuguesas - não podia sequer sonhar. No entanto, Álvaro de Vasconcelos não lamenta “paraísos perdidos” nem no Douro da sua infância, nem na Beira da sua adolescência, nem na Joanesburgo da sua juventude.

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10.01.2023 | por Ana Cristina Pereira (AKA Kitty Furtado)

Pós-Europa Oxalá: a forma em que o novo entra no museu

Pós-Europa Oxalá: a forma em que o novo entra no museu No entanto, em sentido algo divergente, vários alunos e alunas proferiram frases como “Não me sinto português/portuguesa”, “Não me sinto europeia/europeu”. As experiências dos estudantes convocadas pelas obras de arte provocaram reflexões sobre até que ponto a Europa e o Portugal estão a conseguir reencontrar-se e reconstruir-se com e na multiplicidade de corpos e culturas, na pluralidade de línguas e sotaques, nos diversos trajectos e histórias que compõe qualquer mosaico diverso, e que existe em Portugal, não nos esqueçamos, desde tempos remotos. Estas partilhas na galeria do museu demonstram também como é necessária a existência de espaços para estas conversas e, sobretudo, uma resposta comprometida para o sentimento de exclusão, de não pertença à sociedade, de mágoa e revolta, da qual a escola muitas vezes se distancia.

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28.12.2022 | por Joana Simões Piedade

Uma abordagem crítica do romance “A Última Lua de Homem Grande”, de Mário Lúcio Sousa (parte II)

Uma abordagem crítica do romance “A Última Lua de Homem Grande”, de Mário Lúcio Sousa (parte II) Inserindo vários monólogos de Amílcar Cabral consigo próprio, vazados e lavrados em modo diarístico na sua depois desaparecida, ou, melhor, surripiada agenda azul, o romance 'A Última Lua de Homem Grande' pretende ser ser uma espécie de reconstituição póstuma dessa mesma agenda azul e de eventos marcantes da vida e da obra de Amílcar Cabral, esse Morto Imortal, cujos dilemas, paradoxos, ambivalências e notável coerência do ser e do estar são traçados à saciedade nesse deslumbrante e cativante, mas também trágico perfil social e psicológico de Amílcar Cabral que é o romance A Última Lua de Homem Grande, doravante um marco fundamental do percurso literário de sucesso de Mário Lúcio Sousa que vem, aliás, marcando com um verbo muito próprio e luzente as letras caboverdianas contemporâneas, tornando-se assim por mérito próprio um dos maiores, mais criativos, imaginativos e produtivos escritores

Mukanda

22.09.2022 | por José Luís Hopffer Almada

Uma abordagem crítica do romance “A Última Lua de Homem Grande”, de Mário Lúcio Sousa (parte I)

Uma abordagem crítica do romance “A Última Lua de Homem Grande”, de Mário Lúcio Sousa (parte I) Lido e/ou ouvido o impressionante, poderoso e sempre cativante poema “Kabral ka More”, de Emanuel Braga Tavares (o saudoso Xanon), debrucemo-nos agora e mais detalhadamente sobre o livro que aqui nos traz e que certamente teve a sua génese mais remota nessa primeira vez que Mário Lúcio Sousa resolveu, ainda menino e por inexcedível curiosidade infantil, espicaçada pelos tempos de festiva ruptura com o statuo quo colonial-fascista, copiar (e, certamente, decorar) o poema de Emanuel Braga Tavares e fazê-lo ressoar entre os colegas meninos e os mais adultos da sua vila natal do Tarrafal, poema esse que para sempre mudou a vida dele e de todos nós, crescidos e amadurecidos nesses férteis e irruptivos tempos pós-1 de Maio de 1974.

Mukanda

22.09.2022 | por José Luís Hopffer Almada

Planta baixa do corpo alto

Planta baixa do corpo alto Em mil quatrocentos e qualquer coisa, ao desembarcarem de seus barcos usando suas pernas em território americano, humanos usaram seus braços para carregar até os barcos coisas que não eram suas, depois usaram seus barcos para levá-las embora. Fizeram este movimento de braços e barcos por séculos Acredita-se que os braços humanos podem ter processado um esticamento por excesso de uso. Usa-se braços para fazer o sinal da cruz.

Corpo

02.08.2022 | por Manuella Bezerra de Melo

O transe amazónico em diferentes tempos e lugares na cinematografia de Jorge Bodanzky

O transe amazónico em diferentes tempos e lugares na cinematografia de Jorge Bodanzky No início da década de 1970, quando Jorge Bodanzky começou a filmar o real nos territórios amazónicos, o Regime Militar brasileiro (1964-1985) promovia um imaginário irreal sobre Amazónia, com o fim de desmatar a floresta, explorar as suas terras, integrá-las num projeto colonizador megalómano. Para chamar os colonos de todo o Brasil, as campanhas da ditadura vendiam a Amazónia como uma “terra sem homens para homens sem terra” ou como “um deserto verde”. Oficialmente, a “Revolução chegava à selva” mas, de facto, o que se implementava era uma sanha destruidora que não se deteve até aos dias de hoje. Enquanto militares e empresários ampliavam fronteiras colonialistas, Bodanzky abria fronteiras através do cinema, com o registo da degradação social e ambiental em curso.

Afroscreen

12.07.2022 | por Anabela Roque

Educar como Forma de Libertar e Desacorrentar a Mente

Educar como Forma de Libertar e Desacorrentar a Mente Devemos exaltar os grandes feitos dos homens do nosso continente não na perspetiva de sermos melhores que os outros, mas para incutir nas novas gerações que somos tão capazes como os outros. Só assim conseguiremos guiar os africanos e os afrodescendentes para o êxito e acabar, de uma vez por todas, com esta falta de confiança e de autoestima que paira sobre o nosso continente; só assim, no que deve constituir uma missão prioritária dos sistemas de ensino dos países deste continente, libertaremos, definitivamente, todos os africanos das amarras do colonialismo.

Mukanda

08.07.2022 | por Ednilson Leandro Pina Fernandes

"Não há realmente diferença entre poesia e vida", entrevista a Patrícia Lino

"Não há realmente diferença entre poesia e vida", entrevista a Patrícia Lino Se deste lado do mundo, o assunto é debatido há já algum tempo e institucionalmente desde os anos 80, o interesse pelo tema começa, decisivamente, a chegar ao lado de lá. O Kit de Sobrevivência materializa, com recurso ao exercício paródico e interdisciplinar, esse movimento. Uma mulher portuguesa escreve tão cínica quanto criticamente sobre o grande passado português cujos paradoxos e ilusões decorativas, e penso nas audiências que conheci ao longo de 2021 e 2022, são familiares para as leitoras e os leitores de muitas outras línguas e culturas. Afinal, assim como não há mistério algum no riso, não há mistério algum na violência. As suas dinâmicas desdobram-se em vários idiomas e lugares do mapa.

Cara a cara

17.06.2022 | por Alícia Gaspar

As histórias da história de África, entrevista a Isabel Castro Henriques

As histórias da história de África, entrevista a Isabel Castro Henriques A história dos muitos Outros é uma história autónoma, longa no tempo, muito para além da história colonial e dos períodos do colonialismo, que permite compreender todo o seu percurso e todo o seu passado histórico. Já em meados do século XIX, uma das figuras fundadoras da historiografia africana panafricanista e do pensamento africano anticolonial, o afro-antilhês, depois liberiano, Edward Blyden, afirmava que na muito longa história multimilenar africana, a colonização e a dominação colonial europeias, corolário lógico e previsível da escravatura e do tráfico negreiro, não representavam mais do que um momento a ser rapidamente ultrapassado.

Cara a cara

20.04.2022 | por Elisa Lopes da Silva, Bárbara Direito e Isabel Castro Henriques

As Estátuas e a História da Arte: o debate sobre vandalização de monumentos em Portugal

As Estátuas e a História da Arte: o debate sobre vandalização de monumentos em Portugal Este ensaio debruça-se sobre polémicas recentes e ainda duradouras sobre vandalização e/ou possível desmantelamento ou retirada de esculturas e monumentos, ou reconfiguração de espaços públicos, em Portugal. Embora prenhes de equívocos, as polémicas tiveram o mérito de promover uma discussão pública sobre persistências coloniais nas cidades portuguesas, em especial em Lisboa. Proponho uma reflexão sobre o lugar que a história da arte, ao questionar o seu próprio papel histórico, ao historicizar o seu objecto e ao analisar os modos de produção artística, pode ocupar nessa discussão. Recorrerei necessariamente a vários artigos de jornais, pois foi aí (com ramificações nas redes sociais), que teve lugar a discussão.

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07.03.2022 | por Mariana Pinto dos Santos

Missão Encoberta: o Toucado de Moctezuma

Missão Encoberta: o Toucado de Moctezuma Uma operação secreta no Weltmuseum Wienm, o Museu de Etnologia de Viena de Áustria, causou um burburinho inusitado. Mexicanos viraram agentes infiltrados com uma missão de memória: contar a história indígena sobre o chamado Toucado de Moctezuma, peça que terá pertencido a este imperador azteca, e que a Áustria se recusa a devolver ou sequer emprestar ao México. História hilariante que reviveu a exigência da restituição às culturas da América Latina de peças que os colonos levaram.

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03.03.2022 | por Pedro Cardoso

Lucio Costa era racista? Notas sobre raça, colonialismo, e a arquitetura moderna brasileira

Lucio Costa era racista? Notas sobre raça, colonialismo, e a arquitetura moderna brasileira No título, Paulo Tavares dá o tom de seu ensaio ao perguntar: “Lucio Costa era racista?” Em seguida, revê alguns de seus textos cruciais, demonstrando como a questão racial e o colonialismo embasam seu pensamento. Se em 1928, na entrevista que concedeu ao jornal O Paiz, Costa diz que “Tudo é função da raça. A raça sendo boa o governo é bom, será boa a arquitetura. Falem, discutam, gesticulem, o nosso problema básico é a imigração selecionada, o resto é secundário, virá por si”, em 1957, no Relatório do Plano Piloto de Brasília, ele afirma: “Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial”.

Jogos Sem Fronteiras

23.02.2022 | por Roberto Conduru e Paulo Tavares

No centenário do nascimento de Francisco José Tenreiro (1921-1963): mediações e perspetivas

No centenário do nascimento de Francisco José Tenreiro (1921-1963): mediações e perspetivas Através desse cliché usado (ironicamente) por Pessoa, FJT levantava uma outra questão para a qual ainda não temos grandes respostas: como é possível que “África” seja uma presença tão negativa, ou aparentemente indelével, na obra do nosso maior modernista? Ou, não estaremos perante um problema da crítica literária oficial, que durante anos procedeu a um “branqueamento” da obra de Almada Negreiros? Que essa miopia ou parcialidade crítica existiu prova-o o estimulante ensaio de Pedro Serra, “Usos do 'Primitivo' Africano na cena de Orpheu. Uma incorporação de Fernando Pessoa”, cujo título ilustra uma abordagem quase inédita da obra pessoana. Movendo-nos noutras direções, e inspirado por este ensaio, talvez seja possível proceder a outras revisitações quer da obra de Pessoa quer da de outros poetas maiores da literatura portuguesa no sentido de aí rastrear a presença africana e estudar o seu papel (poético-linguístico, por ex.) no contexto das respetivas obras. Ainda não se estudou em profundidade a influência de “África” (Guiné e Cabo Verde) e de outros lugares multiculturais e poliglotas (como Londres) na obra de Maria Velho da Costa. Como ainda não se estudou suficientemente a “coisa africana” na obra de Herberto Helder, a “frase ocre africana”.

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26.01.2022 | por Maria de Lurdes Sampaio

"Moçambique nunca conheceu momentos de paz”, entrevista a Paulina Chiziane

"Moçambique nunca conheceu momentos de paz”, entrevista a Paulina Chiziane Foi a primeira mulher a publicar um romance no seu país. E a primeira africana a ganhar o Prémio Camões, em 2021. Ser tudo isto levou-a a perguntar: “Porquê agora?” A resposta ocupa a conversa com o Expresso. Nela recua-se aos inícios, fala-se do rumo do continente africano, da autocolonização e da colonização da língua

Cara a cara

19.01.2022 | por Luciana Leiderfarb

Caro amigo branco (da Reversão)

Caro amigo branco (da Reversão) Caro amigo branco, quando as pessoas falam do racismo, falam de um sistema ridículo construído por uns brancos ricos no alto do seu imperialismo e que tem diminuído vários indivíduos, arrastando-os para um abismo de auto-depreciação. O racismo é uma ação baseada no poder e na dominação, o racismo aliou-se ao capitalismo, o racismo é parte de um sistema económico, político e social de controlo das mentes, que atira gentes contra gentes, convencendo gentes de que são mais gentes do que outras gentes.

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17.01.2022 | por Marinho de Pina

Regressar a África ou ficar na metrópole: agência negra e constrangimentos coloniais (1.ª metade do século XX)

Regressar a África ou ficar na metrópole: agência negra e constrangimentos coloniais (1.ª metade do século XX) Não havendo um levantamento das fontes relevantes para a história da presença negra em Portugal – tarefa que urge iniciar – partilho aqui o meu encontro fortuito com uma série documental produzida pelo Ministério das Colónias, à guarda do Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa, Portugal), que ilumina aquela presença, paradoxalmente invisível.

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05.01.2022 | por Cláudia Castelo

Como está-tua ex-celência?

Como está-tua ex-celência? A História é tanto a erecção das estátuas e dos monumentos como as suas demolições. Presumindo e contundindo, pedir a substituição, a recolocação ou o afundamento duma estátua faz parte do processo histórico.

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14.12.2021 | por Mário Lúcio Sousa