Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 13)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 13) O que fariam os tugas de bens pobres se toda essa gente que limpa as cidades, colhe as frutas e tomates cherries que enchem as suas mesas, calceta os seus passeios, limpa as suas casas e escritórios, leva-os de uber de um sítio para outro e entrega as suas comidas, se fossem embora? Se os tugas de bens pobre ou os pretos ou os ciganos ou os sul-asiáticos distraídos acordassem para as questões das desigualdades estruturais, o medo e a diferença usados para dividir, entenderiam que a luta não é uns contra os outros, mas todos ao lado uns dos outros, porque os problemas são comuns: salários baixos, habitação precária, falta de oportunidades, escassez de transportes públicos, guetização, falta de acesso a espaços culturais, entre outros.

13.01.2025 | por Marinho de Pina

Ao que nos levou o fracasso do Estado Social

Ao que nos levou o fracasso do Estado Social Há muito que sentimos que o Estado se distanciou das suas responsabilidades com a população, sobretudo a mais pobre e vulnerável. E engane-se quem pensa que os governantes não se aperceberam disso. Basta contarmos o número de vezes que o Presidente da República inaugurou torneiras com direito a fitas decorativas, champanhe e cobertura mediática em cadeia nacional. Um país no qual abrir fontes de água para uma comunidade faz manchete na imprensa nacional diz muito da sua realidade social e política. Há problemas sérios no acesso a serviços básicos, as pessoas metem os pés nos rios, ceifam excrementos de animais e tiram água para beber; percorrem quilómetros para ter acesso a serviços que funcionam no horário normal de expediente nas repartições e quase sempre faltam medicamentos; a electricidade para todos é uma miragem; a educação resume-se ao debate sobre salas de aulas (que são árvores), o livro escolar que nunca chega - e, se chega, tem erros graves - e a falta de pagamento aos professores. Podemos parar por aqui porque a lista é extensa.

05.01.2025 | por Eduardo Quive

O que dignifica?

O que dignifica? Porque são eles invisíveis?, perguntaria a criança a seguir. Porque sempre existiram mas ninguém deu conta deles, não vestem adequado, não cheiram aos aromas de Paris, nem à moda milanesa, antes à contrafação chinesa ou nigeriana; sempre andaram aos gritos que só os arrepiava a si mesmos, porque quem os devia escutar cercou-se de vozes semelhantes, de igual poder e cheiros, cantando todos em uníssono as canções de embalar os saciados. O que ficou para estes, resquícios de uma solidão e angústia só sufocada nas promessas e nos sonhos vistos em ecrãs de smartphones de segunda mão, tal como as roupas, vindas de contentores para o descarte. Os pensamentos da mãe podiam continuar a escalar, não fosse a criança ir-se tornando incómoda, impaciente, um tormento para quem também tem os seus porquês da vida. Está na hora de responder à criança que não se cala, em coro com os inaudíveis.

27.12.2024 | por Eduardo Quive

Tomar balanço. 2024 e os livros que exigem ser lidos

Tomar balanço. 2024 e os livros que exigem ser lidos O que neles podemos encontrar de comum diz sobretudo do tempo em que se mostram, do seu vazio. Como se o que os justifica fosse a circunstância de se encontrarem num enorme campo aberto, e não a sua fixação definitiva enquanto objectos orientados para a sua própria posteridade. São livros não academizados, para retomar ainda Maiakowski, não dependem da ilusão do futuro, e é isso que lhes permite coincidirem numa experiência concreta de leitura capaz de, eventualmente, gerar e propagar um eco.

26.12.2024 | por Fernando Ramalho

O período da transição política de Cabo Verde para a sua independência política e soberania nacional e internacional

O período da transição política de Cabo Verde para a sua independência política e soberania nacional e internacional sses acontecimentos demonstraram-se como sumamente necessários para uma catarse psicológico-cultural de amplas repercussões identitárias e político-ideológicas e, assim, para a total ruptura com o assimilacionismo colonial e a tutela assistencial portuguesa, considerada até aí, tanto em franjas extensas das camadas mais humildes e vulneráveis das populações, como também por importantes sectores das elites letradas, burocrático-administrativas, comerciais e fundiárias do povo das ilhas, como indispensável, senão insubstituível, para a viabilização da emigração caboverdiana para Portugal,

22.12.2024 | por José Luís Hopffer Almada

Comunicado de Imprensa Rua do Benformoso

Comunicado de Imprensa Rua do Benformoso Na Rua do Benformoso há muitas carências que devem ser tratadas com urgência, incluindo a melhoria na recolha de lixo, programas de cuidado para toxicodependentes, articulação das instituições com a sociedade civil, policiamento de proximidade. As comunidades residentes nesta área, portuguesas e de outras origens, estão desagradadas com estas operações policiais absolutamente desproporcionais à criminalidade que ali existe e revoltadas pois o investimento necessário para melhorar a situação não está a ser feito.

22.12.2024 | por vários

A legítima desconfiança em relação aos intelectuais

A legítima desconfiança em relação aos intelectuais Estas tensões entre formas de vida e saberes diferentes foram também teorizadas pelo historiador francês Michel de Certeau, que considerou que os diversos campos de construção do conhecimento tendem a entrar em conflito não pela validade das suas ideias, mas pela necessidade de as verem priorizadas nos processos de transformação do quotidiano.

18.12.2024 | por Jessemusse Cacinda

80 anos de Chico Mendes

80 anos de Chico Mendes Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, é um ícone na luta pela preservação da Amazônia e pelos direitos das populações extrativistas. Se estivesse vivo, celebraria 80 anos hoje. Nascido em 1944 no seringal Porto Rico, em Xapuri, no Acre, Chico Mendes passou sua infância cortando seringa ao lado do pai, enquanto testemunhava a exploração e injustiças impostas aos trabalhadores da floresta.

16.12.2024 | por Gabriella Florenzano

Cais-do-Sodré

Cais-do-Sodré Tinha ido na tarde calorenta entregar um volume de As Farpas emprestado pelo pai e encontrara-o sentado num banco, à porta de casa, com um manduco a escavar e a fazer riscos no chão. Mirrado, possivelmente devido à muita nhongra e fominha, possuía contudo um falar alterado. Assarapantava quem nunca o tivesse ouvido. As palavras enrolavam-se-lhe na boca como cascalhos arrastados até à praia por ondas bravias. Saíam, ao cabo, soltas, desconsertadas, e sempre intencionais. Falava assim por ser maçónico, dizia-se. Era da maçonaria, confirmava o povo, fazia artes como as feiticeiras.

16.12.2024 | por Orlanda Amarílis

Emissora Católica de Angola /A rádio mais antiga do país que não consegue ficar velha

Emissora Católica de Angola /A rádio mais antiga do país que não consegue ficar velha Um passado que fala bem, mas às vezes muito mal mesmo, da forma como Angola se tem estado a movimentar no território das liberdades fundamentais ao mesmo tempo que nos dá ideia de como os jornalistas de uma pequena estação emissora souberam afirmar o projecto com a necessária liberdade e independência editorial. Uma afirmação que teve sempre como referência mais crítica a relação do projecto Ecclésia com o poder político, cuja natureza controlista é sobejamente conhecida, mas nem sempre reconhecida pelos seus responsáveis quando são confrontados com este tipo de avaliação.

15.12.2024 | por Reginaldo Silva

Dança Não Dança? Pois dancemos…

Dança Não Dança? Pois dancemos… Dança Não Dança incorpora as genealogias culturais das danças africanas e das da diáspora negra nas Américas, viajando de Josephine Baker ao Ballet Nacional da Guiné-Bissau e do charleston à breakdance. A exposição como que observa o processo de contaminação do colonizador ocidental (e português) pela África colonizada e neocolonizada depois das independências, numa claríssima proposta de mudança das mentalidades no próprio berço do arranque esclavagista e imperial do capitalismo, Lisboa – urgente numa altura em que esse mesmo Ocidente, Portugal incluído, está a ser palco de um regresso dos fascismos.

10.12.2024 | por Rui Eduardo Paes

ManaKamba Milonga

ManaKamba Milonga Daí vem a nossa identidade de pontos de vistas. A nossa cumplicidade. De duas mulheres africanas. Diaspóricas. Angolanas. Militantes da luta anti-racista no Mundo. Contra a subjugação dos povos. Contra o racismo estrutural. Contra o fascismo e a xenofobia. Contra a violência policial, racial e sistémica em Portugal. Contra a exploração, as desigualdades e violência de género e outras. Contra o enriquecimento de uns à custa da miséria de outros, a maioria.

07.12.2024 | por Luzia Moniz

Tina Modotti e o fogo da Revolução Mexicana

Tina Modotti e o fogo da Revolução Mexicana No pós-Revolução Mexicana (1910 – 1920), a cultura foi arma de transformação de um país fraturado. Durante o “Renascimento Mexicano”, as fotografias da italiana Tina Modotti testemunharam um tempo de liberdades em carne viva, de ideais traídos e de ideologia fervilhante. Comunista, amante, livre, feminista e firme denunciante das injustiças sociais, a artista acusada de matar um amante e de tentar assassinar um presidente mexicano, é hoje parte do imaginário de um país que fez dela uma lenda.

06.12.2024 | por Pedro Cardoso

A morte apaixonou-se por aquela família

A morte apaixonou-se por aquela família Hoje, depois de ela ter chamado os nossos antepassados, é a vez da outra geração (nossa geração) entregar o seu sangue em obséquio da felicidade e realização de um defunto que nem o vimos respirar. Questionávamos a culpa de termos nascido nesta família amaldiçoada. Até quando pessoas inocentes irão sacrificar suas vidas para se cumprir a vingança de um cadáver, porah! Nascemos para a desgraça... Não temos o privilégio de viver e conhecer a nossa geração, estamos amarrados à velha.

04.12.2024 | por Edna Matavel

O Nkeklet e a Janela Mandinga

O Nkeklet e a Janela Mandinga as origens de findi kadera parecem ter sido semelhantes e não menos violentas, se atentarmos à descrição de uma prática estigmatizante mandinga referida em português em princípios do séc. XVI: “E se alguun acha outro homem com sua molher leua ho diante delrey, e elrey da huun cuytello ao acusador na mão com q ha de fender ao adultero ho coyro de tras des ho pescoço ata o cuu”. Isto é, em caso de adultério flagrante, o marido ofendido fazia-se acompanhar pelo autor da ofensa à presença do rei, pondo este na sua mão uma faca destinada a fender a pele do adúltero desde o pescoço até ao traseiro.

03.12.2024 | por Teresa Montenegro

Independências africanas: processos, imaginários, conexões.

Independências africanas: processos, imaginários, conexões. O ano de 1975 no continente africano fica marcado pelas independências de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, depois que, dois anos antes, a Guiné-Bissau auto-proclamara a sua independência. Concluía-se um processo lento, complexo e multiforme de maturação de condições sociais, económicas e culturais, de formação de imaginários, de lutas e resistências onde se forjaria o início da concretização dos projectos nacionais. Necessariamente plural, na diversidade dos caminhos percorridos e nas circunstâncias concretas de cada país, esse movimento constitui uma etapa marcante do quadro amplo de lutas pela autodeterminação que marca toda a segunda metade do século XX e que tem no continente africano um dos seus principais cenários.

29.11.2024 | por várias

25 balas por Moçambique

25 balas por Moçambique São estas balas cravadas no meu peito que levantam choros e dor. Desperta para a vida, desperta tu que ainda dormes, porque o momento de ressuscitar os Mondlane, Machel, Azagaia e tantos outros que aqui, nessa eterna espera, se encontram, chegou. 25 balas por Moçambique, carreguei esta dor, mas com satisfação de saber que a luta continua.

28.11.2024 | por Edna Matavel

Mulheres que constroem a Consciência Negra

Mulheres que constroem a Consciência Negra Por séculos, pessoas negras – principalmente mulheres – foram descartadas pela história como os resíduos sólidos que recolhem para sobreviver. Parafraseando Angela Davis, numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista. Ler mulheres negras é um ato de resistência e a melhor arma na construção de uma realidade mais justa: a consciência através da educação perpetuada pela voz de quem sabe o que precisa mudar.

23.11.2024 | por Gabriella Florenzano

"São os intelectuais que, no fundo, dirigem mesmo as revoluções mais populosas", conversa com Manuel Videira sobre Mário Pinto de Andrade, as suas memórias e a sua militância no MPLA

"São os intelectuais que, no fundo, dirigem mesmo as revoluções mais populosas", conversa com Manuel Videira sobre Mário Pinto de Andrade, as suas memórias e a sua militância no MPLA Manuel Videira foi um dos estudantes africanos que se encontravam em Portugal quando eclodiu a guerra em Angola. Seguindo os seus ideais anticolonialistas, fugiu para Paris em 1961, participando na chamada “fuga dos cem”. Pouco depois, fugiu também de Paris para se juntar às fileiras do MPLA em África, primeiro em Accra e depois em Léopoldville (atualmente Kinshasa). Foi um dos primeiros médicos a atuar no CVAAR (Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados) e, mais tarde, participou na guerrilha, tornando-se responsável pelo SAM (Serviços de Assistência Médica) da IV região político-militar do MPLA.

21.11.2024 | por Elisa Scaraggi

Na morte de Oswaldo Osório, um dos maiores mortos imortais da história da literatura caboverdiana e da lusografia

Na morte de Oswaldo Osório, um dos maiores mortos imortais da história da literatura caboverdiana e da lusografia Na prosa literária, foi autor de um romance intitulado As Ilhas do Meio do Mundo (2013), há muito aguardado com o título antecipado As Portas de Roterdão, para além de contos curtos de paixão amorosa intitulado Amores de Rua e da novela Nimores e Clara, muito inovadora do ponto de vista temático e do imaginário caboverdiano construtivista.

17.11.2024 | por José Luís Hopffer Almada