Face à impossibilidade de reparar a brutalidade da violência colonial (Mbembe 2021) – a ocupação, a espoliação, o etnocídio, o desenraizamento, os raptos, as violações, o epistemicídio, o saque em grande escala, e o extrativismo – é preciso, ainda assim, fazer a sua “necrologia” (Hicks 2020), insistir no gesto de reparação, através de uma “ética da incomensurabilidade” (Tuck & Yang 2012), parte essencial de um processo de cura e cuidado permanentes.
Mukanda
28.03.2023 | por Ana Cristina Pereira (AKA Kitty Furtado) e Inês Beleza Barreiros
Cada um de nós pensa na solidão de uma forma única. Formamos as nossas opiniões sobre o assunto através de experiências diferentes. Quão diferentes são as nossas experiências de solidão? Em que espaços e em que tempos, cada um de nós se sente sozinho? Como é que os nossos papéis sociais, laborais e familiares influenciam a nossa experiência da solidão? O que significa um momento de solidão para aquele que raramente a encontra? E o que fazemos com esses momentos quando eles se proporcionam? Será a solidão um luxo? Como é que imaginamos a solidão dos outros? Embora internamente a experiência possa ser muito diferente, há também a ideia muito contemporânea de uma solidão partilhada. Existe algum tipo de ligação entre pessoas que se sentem sozinhas? São diferenças que parecem ter sido ampliadas ao longo da pandemia, mas o que é a solidão historicamente? Quero um dia em que não se espere nada de mim pretende pensar o duplo potencial da solidão como força perturbadora e lugar de privilégio histórico.
A ler
24.03.2023 | por Marta Rema
Diz-se no México que as boas histórias de vida são passionais. São felizes e dolorosas, atam e desatam nós cegos na garganta, tipo trago áspero de tequila barata.
Damos o tom e entramos numa das tabernas taciturnas da cidade de Guanajuato – as chamadas “cantinas”, onde se destilam contos pessoais com o avançar dos copos. Paredes de pedra bruta a meia-luz, bafo húmido. Na minha cabeça, Chavela Vargas canta “Tú me acostumbraste”. É noite e chove miudinho lá fora. Com um brinde selamos o momento. E contamos uma secreta história de vida.
Cara a cara
24.03.2023 | por Pedro Cardoso
Quando fiz Between Fences estávamos no auge dos protestos contra a forma como o país lida com os imigrantes. O Supremo Tribunal tinha rejeitado, consecutivamente, várias leis do Governo relativas aos requerentes de asilo, o que é um ponto-chave para compreender porque o Estado entrou em conflito com o Supremo Tribunal. Atualmente, o Governo está a tentar “cortar a cabeça” deste tribunal. Foi curioso porque na época, muito destes protestos não eram em defesa dos direitos humanos, mas impulsionados pelos proprietários dos restaurantes que reivindicavam que, se os refugiados fossem expulsos, era o fim da sua atividade, porque ficariam sem mão-de-obra: ajudantes de cozinha, profissionais de limpeza, etc. A Lei de Imigração de Israel beneficia apenas a entrada de judeus no país.
Cara a cara
23.03.2023 | por Anabela Roque
Procuro defender aqui que existe uma especificidade dos processos criativos destes arquipélagos que consiste numa maior sensibilidade às questões ambientais e à coexistência com o Outro, uma vez que, por um lado, são mais dependentes de recursos limitados e, por isso, mais suscetíveis aos desequilíbrios climáticos e sociais e, por outro lado, enquanto pontos de encruzilhada entre diversas culturas, desenvolvem formas criativas de apropriação seletiva que alimentam um imaginário cultural pautado pela riqueza e vitalidade. Veremos, ao longo deste trabalho, como as ilhas são propícias a criar através de elementos de origens diferentes, e pelo seu isolamento, a manter a diversidade cultural ao longo do tempo podendo, assim, constituir espaços de estilos de vida alternativos.
Mukanda
14.03.2023 | por Ana Maria Garcia Nolasco da Silva
Em Portugal não temos categorias étnico-raciais legalmente aprovadas. Isso significa que não somos legalmente capazes de identificar desigualdades sociais em termos de raça. Este é um aviso importante de como a sociedade portuguesa funciona e como esse silêncio social da política nos informa que não há interesse em identificar esse problema. Mas podemos fazer isso visualmente. Basta olhar quem são as pessoas que estão liderando instituições de arte e curadorias para entender essa lacuna.
Mukanda
13.03.2023 | por Rodrigo Ribeiro Saturnino (ROD)
A experiência, particularmente em Cabo Verde, leva-me a crer que uma das razões que travam o desenvolvimento do setor cultural e artístico, em específico no artesanato, é o alto nível de amadorismo com que tem sido gerido. É, por isso, imprescindível garantir a competência e o profissionalismo neste domínio, pois de outro modo não parece viável beneficiar do pleno potencial criativo, cultural e económico que este setor possa oferecer.
A ler
10.03.2023 | por Irlando Ferreira
Este livro é sobre um homem e sobre como o sítio onde nasceu se espelha naquilo em que se tornou. E acerca de como cada um é capaz de mudar a sua sina. Porque se ela parece traçada para os que nascem na Zona J, uma visita ao bairro mostra a ignorância das nossas suposições. Candé, não sendo um homem com canudo, era um cidadão curioso e um ator em ascensão, que não ascendeu mais porque a paixão pelo teatro consumou-se como profissão já tarde na sua vida. Também isto é reflexo da marginalização que a cidade impõe àquele pedaço de terra, onde Candé viveu e onde a cultura demora a chegar. Demorava mais antes, até Candé e os amigos ajudarem a mudar.
Mukanda
10.03.2023 | por Catarina Reis
Enquanto no imaginário coletivo, os países nórdicos remetem para ideias progressistas, politicamente corretas, símbolo da eficiência ambientalista e do respeito por direitos civis, uma sociedade que funciona (apesar dos altos índices de suicídio) em comparação com outras, a realidade parece não corresponder a esse imaginário. Fosen Vind é um complexo de seis parques eólicos onshore em Fosen, na região central da Noruega; o parque eólico de Roan foi o primeiro a ser concluído. Cinco dias após a sua inauguração, a 20 de agosto de 2016, duzentas pessoas se reuniram no estaleiros das obras para protestar contra o projeto. Norges NaturnForbund, uma das maiores organizações ambientais da Noruega com cerca de 24 mil membros, juntou-se aos representantes Sámi para criticar a escolha do local como um importante habitat de renas de grande importância para os pastores do sul de Sápmi, terras Sámi.
Jogos Sem Fronteiras
08.03.2023 | por Laura Burocco
Velhotes a jogar bilhar à espera de vez para a cadeira de barbeiro. Concertos de bandas. Valsas e forrós, sardinhadas e jazz. Erasmus, poetas, ex-ocupas, membros da sociedade da copofonia artística. Tantos encontraram refúgio no Grémio Lisbonense, uma jangada com secular varanda de pedra sobre o Rossio. O velho Grémio, porto de abrigo de cultura numa Baixa pombalina que se rende à especulação e gentrificação, foi afundado à força de bastonada policial. O “Elogio da loucura” numa cadeira de barbeiro. Texto de 2008
Cidade
07.03.2023 | por Marta Lança
Reitera-se pois, aqui e agora, o desiderato expresso no artigo "O Bilinguismo Literário Caboverdiano" no sentido de que a primeira tradução para a língua caboverdiana da Constituição da República, já lá vão quase seis anos, seja um auspicioso sinal de um futuro não muito longínquo em que a nossa língua materna terá inequivocamente assegurado o seu estatuto de língua plenamente oficial em paridade com o português, como, aliás, já tantas vezes referido, augura e preceitua de forma programática a Constituição da República, deste modo enterrando de vez os muitos malefícios da diglossia que tanto tem prejudicado ambas as línguas de Cabo Verde e a sua plena e descomplexada expansão nas áreas formais e informais de comunicação e, assim, contribuindo para a emergência e o reforço de um efectivo e produtivo bilinguismo nas ilhas e diásporas caboverdianas.
A ler
07.03.2023 | por José Luís Hopffer Almada
ML: Essa geração mais velha que, entretanto, conseguiu alguma ascensão social ainda terá presente essa memória da fome. Mas a Cesária também retribui com a partilha da comida. ASF: A Cesária usa a fama e o sucesso para quê? Para ter o que ela considera importante em termos materiais - ter uma casa e ter comida. E comida não só para ela, mas para todos ao seu redor. A Cesária tem esse sentido comunitário. A Cesária põe uma panela ao lume vinte e quatro horas por dia, tem três arcas frigoríficas. Sabia o que era a fome e tentava que à sua beira não existisse. Acho que isso mostra uma consciência social muito forte. A Cesária tinha a porta aberta para toda a gente e não fazia distinção mas, na verdade, preferia muito mais receber os marginalizados da sociedade do que a elite.
Afroscreen
03.03.2023 | por Marta Lança
São seis horas da manhã e ainda não dormi. A vida não espera, parece que o novo dia já acontece, parece que é preciso seguir, parece que mais um dia é preciso ser forte, parece que mais um dia é preciso ser esteio, apoio, estrutura, vínculo, laço, base, centro, acolhida. Parece que mais um dia é dia de não ser eu mesma e ser esta grande fundação que sustenta o firmamento. Com os pés, procurei o chinelo pelo chão, ainda sentada, ainda meio viva meio morta, ainda nem acabei meu ontem mas já é preciso ser hoje, e é preciso que o hoje seja agora.
Mukanda
02.03.2023 | por Laura Gusmão
Realizador guineense da geração de Flora Gomes, estudou cinema em Cuba, filmou a guerrilha do PAIGC, foi director no Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual da Guiné-Bissau, e tem-se esforçado por resgatar e arquivar as imagens da luta de libertação, nos últimos 13 anos com a artista Filipa César com quem colabora em projectos artísticos e de intervenção. Fez de tudo para filmar, quase sempre em baixo orçamento, e caminhando quilómetros para ir buscar e mandar revelar película. Conta-nos a importante missão que Amílcar Cabral lhes delegou e como foi, a meio do processo, saber a esmagadora notícia do seu assassinato. Calhou-lhe como primeiro trabalho filmar Amílcar Cabral numa exposição em Conacri, em 1972, e depois a transladação do seu corpo para Bissau, capturando a comoção dos guineenses pela morte do melhor pensador e líder da resistência anticolonial. No encontro essencial com Chris Marker e Sarah Maldoror e, mais recente, com Filipa César, percebe que é possível trabalhar mais autonomamente.
Cara a cara
01.03.2023 | por Marta Lança
Um carnaval fora de época celebra todos os anos a fundação da pequena cidade de Yanga, no estado mexicano de Veracruz. Nos primeiros dias de agosto, milhares de afromexicanos revivem o “príncipe africano” que, no século XVII, liderou uma revolta de escravos que obrigou a coroa espanhola a criar o “Primeiro Território Livre das Américas”: San Lorenzo de los Negros, nome antigo da quente Yanga.
Jogos Sem Fronteiras
28.02.2023 | por Pedro Cardoso
Ao pensar a política na rua, na praça, na estrada e na mata, Jean Tible apresenta uma teoria da democracia que a encontra lá onde a polícia e a milícia matam sem medo de consequências jurídicas; lá onde foi assassinada a representante preta e lésbica da favela, do Complexo da Maré; lá onde pessoas pretas e/ou pobres diariamente confrontam a brutalidade policial e a precariedade econômica.
Ao fazê-lo, política selvagem nos oferece um ponto de partida para recompor o arsenal disponível para a crítica da arquitetura política liberal, em particular de sua composição mais recente, o Estado-Nação. Essa recomposição pode ser indicada a partir de quatro movimentos, que vejo atuados e sugeridos no livro: focar na revolta como atualização da democracia; ver os comuns como materialização da revolta; adotar subalternos da matriz colonial, racial, cis-heteropatriarcal como figura política central; e a consequente recomposição do Estado-Nação, na qual a repressão aparece como a quarta de suas funções fundantes, ao lado de proteção, preservação e representação.
Mukanda
28.02.2023 | por Denise Ferreira da Silva
o regionalismo e o bairrismo omnipresentes e omniscientes e o seu patriótico e caridoso afã no recrutamento de empregadas domésticas das as-ilhas para que os filhos dos seus patrões não aprendam a falar latim em casa e nunca tenham a ousadia de enunciar rústicos provérbios e poéticas sentenças na língua de Anastási Lópi/Nho Puxim e nas falas ponderosas e metafóricas de Nha Bibinha Cabral, Nha Násia Gomi, Codé de Dona, Sema Lópi, Ano Nobo, Katxás dos Bulimundo, Antero Simas ou Zezé e Zeca de Nha Reinalda e, pior, tenham o vão desplante de pronunciar os seus vocábulos repletos de impenitentes vogais e eminentes "is" esvaziados dos "erres" muito carregados, muito cientes de si e da sua propalada genealogia fidalga e da sua ventosa indumentária ornamentada de consoantes e passos bailarinos.
Mukanda
27.02.2023 | por José Luís Hopffer Almada
"NOSSA SENHORA DA LOJA DO CHINÊS", do realizador angolano Ery Claver, estreia em Portugal, na sala Fernando Lopes. Quando um comerciante chinês traz para um bairro de Luanda uma singular imagem de plástico sagrado de Nossa Senhora, uma mãe enlutada busca a paz, um barbeiro atento inicia um novo culto e um jovem desorientado busca vingança por seu amigo perdido. Este bizarro conto urbano revelará uma família e uma fachada de cidade cheia de ressentimento, ganância e tragédia.
Afroscreen
23.02.2023 | por vários
Desde os anos 2000, uma nova geração de artistas indígenas no Brasil passou a produzir e expor seus trabalhos fora de seu território, estabelecendo um novo olhar que, além de abrir cada vez mais caminhos no mundo das artes, representa um convite - e um presente que nos é dado - para experimentar outras visões de mundo. Se ninguém está nu na floresta, o olhar ocidental muitas vezes continua querendo buscar a nudez, a miséria, a tristeza que quase sempre ele mesmo produz.
Vou lá visitar
23.02.2023 | por Laura Burocco
Por mais que a Nigéria diga que quer minimizar a importância da etnia na política nacional, a lealdade étnica persiste teimosamente e os três principais candidatos agora refletem as três maiores nacionalidades étnicas do país. A Nigéria, mais dividida e polarizada do que nunca, mostra suas fissuras na controvérsia sobre os candidatos presidenciais e a fé religiosa, na agitação separatista do neo-Biafra no sudeste e na retórica etnocentrica tóxica e preconceituosa comum nos media e nas redes sociais. Enquanto o poder normalmente alterna entre norte e sul e muçulmanos e cristãos, o PDP escolheu Atiku, um muçulmano do norte, APC Tinubu, um muçulmano do sul que lidera grupos religiosos para denunciar a percepção de marginalização dos cristãos. Wole Soyinka convidou os políticos a aproveitar a oportunidade para não exacerbar o debate, dada a atual peculiaridade da situação em que a sociedade nigeriana se encontra vivendo. Pode se referir a ameaças vindas de terroristas do Boko Haram, bandidos, separatistas, criminosos e uma miríade de gangues violentas.
Vou lá visitar
23.02.2023 | por Laura Burocco