Memórias da COP30 – dança la gringa

Tirando parte da mídia sudestina brasileira, integrantes de uma estrutura que, como diria Violeta Refkalefsky Loureiro, sempre tratou a Amazônia como colónia do Brasil, e que desde as preliminares da grande Conferência do Clima “virou” um galão de suco de xenofobia, publicando matérias que diziam que a população vivia literalmente na merda e culminando numa ridícula reclamação do preço da coxinha dentro da Blue Zone – que sabemos muito bem não ser maior do que qualquer lanchonete nos aeroportos de Guarulhos, Galeão, na praia de Copacabana ou nos bares Faria Limers –, e o chanceler Alemão (o qual me absterei de adjetivar), os gringos nunca esquecerão Belém.

Convenhamos, ninguém recebe os gringos tão bem quanto nós. Acho até graça quando meus amigos estrangeiros falam naqueles pontos turísticos oficiais vendidos pelo Brasil, aqueles que ninguém pode piscar o olho sem levar um golpe (o último que lembro ter visto foi um ambulante que cobrou mais de mil reais no cartão, no Rio, por dois milhos). Não vou dizer que em Belém não existe absolutamente ninguém de má índole, mas, resquício de uma existência oficial – ou seja, desde a invasão – de subserviência a uma metrópole exploratória, tudo o que a maioria avassaladora de nós quer é agradar, é mostrar as nossas belezas, a nossa riquíssima cultura (principalmente a alimentar, que não tem nem competição justa), é atestar que o nosso lugar é o coração do mundo. Assim como a nossa gente.

E os gringos piraram. Só quem nunca viveu Belém – a da COP30 ou não – para acreditar no papo furado de que os jornalistas alemães ficaram felizes de voltar para Berlim. Enquanto o Príncipe William foi notícia passeando pelo Goeldi, Macron na UFPA e rainha Mary da Dinamarca no Combu, quem fez a festa mesmo foram as delegações e a imprensa internacional, que se esbaldaram provando açaí de verdade, correndo do toró de todo dia, tomando banho de rio, comendo maniçoba, vatapá, pato no tucupi, filhote, tambaqui, pirarucu, que aproveitaram qualquer tempo livre para tomar um tacacá, dançar, curtir, ficar de boa. O Palácio dos Bares, às segundas, virou evento oficial, e não teve beira de rio, roda de carimbó ou festa de aparelhagem que passou incólume à bagaça. Os memes estão aí para provar.

Belém tem inúmeros problemas, sim. Tiveram intercorrências durante a COP30, sim. Mas a ideia não é maquiar a realidade com um parque linear de ferro e sim mostrar ao mundo que nem os séculos de violências exploratórias conseguem diminuir as riquezas do nosso povo cabôco, indígena, quilombola, ribeirinho, marginalizado nas periferias urbanas que recebem os esgotos das grandes obras. Nós merecemos mais, não para gringo ver, mas para, além da dignidade a qual temos direito, salvar a vida no planeta.

Se cada um dos cerca de 50 mil participantes creditados que se renderam ao nosso kakiado levarem consigo um pouco das nossas urgências – principalmente aquelas que ficaram de fora dos documentos da conferência – e se unirem às nossas lutas além da absolutamente linda Marcha Pelo Clima da Cúpula dos Povos que levou mais de 70 mil pessoas às ruas de Belém, temos uma vitória e ainda mais motivos para fazer os gringos dançarem. Afinal de contas, somos os melhores em receber. E queremos dançar, também.

por Gabriella Florenzano
A ler | 3 Dezembro 2025 | ambiente, Brasil, COP30