Memória Fantasma, uma exposição de Yonamine
Exposição Curadoria: Marissa J. Moorman e Natxo Checa De 18 de Outubro de 2025 a 16 de Janeiro de 2026 Segunda a Sábado, das 18h às 22h Galeria Zé dos Bois, Rua da Barroca, 59, Lisboa zedosbois.org

O JORNAL DIÁRIO É UM INVÓLUCRO DE INFORMAÇÃO EFÉMERA. Destina-se a ser descartado. Quando em mãos oficiais e preservado, constitui um arquivo. Entre o lixo e o arquivo, os jornais servem para proteger capas de livros, para encher estofos, para isolamento, podem ser dobrados para formar vasos de plantas, ou envelopes de fabrico caseiro, e usados como panos de limpeza. O jornal é perfeito para deixar as janelas de vidro brilhantes, sem deixar resíduos. O jornal não deixa fiapos. Ainda assim, deixa um rasto — ficamos com os dedos escuros e secos devido à tinta. Yonamine nunca evita meter as mãos na massa, seja qual for o meio.
Memória Fantasma mostra-o mais uma vez a mexer na memória angolana e nas páginas do jornal diário estatal, Jornal de Angola. Retoma o trabalho que começou em 2013. Recorrendo a ferramentas digitais, copiou e colou, sublinhou, alterou a escala, ajustou a cor, justapôs e misturou histórias. Procuremos a gaguez, ouçamos o chiaroscuro, tinta preta sobre papel cinzento, corpos negros em primeiro plano, com o capitalismo colonial branco ainda detrás, castanho por baixo de ambos. Nesta atualização, ele não recupera, mas remistura. Yonamine trabalha por incisões. Os cortes, cirúrgicos e precisos, revelam o que está por baixo, projetam um futuro escondido no passado, mostram que algumas figuras de proa são permutáveis. Iconoclasta, sem dúvida. E, sem dúvida, a trabalhar na casa ou tradição de Kapela. Kapela fez capela.
No trabalho de Yonamine, sentimos esses espíritos como fantasmas. Eles assombram mais do que tranquilizam. O caráter fantasmagórico da memória, tênue e também duradouro, ou, no mínimo, persistente. Um sistema de governo de partido único que pode ser uma cultura de governo de partido único pairando sobre o espaço público, o lar e as relações entre as pessoas. Yonamine pressiona as imagens. Objetos encontrados — nós de barco gregos, moedas, chaves-mestras, retratos escolares, pontas de cigarros e charros, caixas de fósforos, lápis e autocolantes brilhantes — texturizam a superfície. As notícias são táteis. Os detritos da vida quotidiana sobressaem e aderem à história que o Estado conta. A colocação cuidadosa de um barco de cartão recortado à mão chama a atenção para o passado, não como uma camada escavada, mas como um pequeno relevo. No entanto, não é de todo um relevo. Parece pequeno, autónomo, discreto, mas muda tudo. Trabalhando com cartão, Yonamine recupera o papel e o passado, trazendo-os de volta e dando-lhes um novo brilho.
Memória Fantasma, tal como o jornal da parede tão comum em 1975 e 1976 na Angola recém-independente, reforça o papel, torna-o vertical, dá-lhe uma espinha dorsal. Aplicando pressão, cortando a superfície, Yonamine transforma os media num meio — o meio da sua arte, o meio que canaliza os espíritos. Não varras à noite, para não chamar os kalundus, dizem em Luanda. Em todo o mundo, temos varrido à noite. Espíritos inquietos possuem-nos. A ligação entre fascismo e colonialismo que Aimé Césaire discerniu é o pão nosso de cada dia neste início do século XXI. De plataforma em plataforma, consumimos as imagens, inflamamo-nos de raiva, eriçamo-nos de medo, temos os nossos corações partidos, ficamos sem dormir de tristeza. E não é apenas fora de nós, não é só algo que vem de fora para dentro — líderes corruptos, condições económicas injustas, desastre ecológico. Nós participamos. «Aceitamos os termos e condições» com um clique, várias vezes ao dia.
Marissa J. Moorman 15 de Outubro de 2025





Curadoria Marissa J. Moorman e Natxo Checa
Organização & Produção Galeria Zé dos Bois
Montagem Carlos Gaspar Pedro Henriques Sofia Medeiros Vitaly Tkachuk
Design Gráfico Sílvia Prudêncio
Comunicação Alice Vale de Gato
Agradecimentos Francisca Bagulho Inês Henriques Lea Stein Nelson Martinesi Ramiro Gomez
Na preparação desta exposição, Yonamine esteve numa residência de criação na ZDB 8 Marvila, entre Agosto e Outubro de 2025, onde contou com o apoio à criação de Sofia Medeiros e Carlos Gaspar.
As imagens fantasmáticas e outras provenientes do Norte de Angola que foram desenhadas nas paredes da exposição foram retiradas do boletim mensal da Mocidade Portuguesa Feminina e das publicações dos anos 50 dos Serviços Culturais da Companhia de Diamantes de Angola.