Por trás de uma paisagem verdejante esconde-se uma casa em ruínas. Situa-se, precisamente na Quinta das Conchas e dos Lilases, no Lumiar em Lisboa, resultado de recuperação de duas quintas do século XVI, agora espaço público de lazer.
Após ter passado por várias famílias, esta quinta tornou-se propriedade de Francisco Mantero que a adquiriu em 1899 e foi seu proprietário até 1927. Da casa pouco resta, mas consegue-se ver a sua estrutura apalaçada, fazendo lembrar as antigas casas coloniais.
30.03.2021 | por VxMag
Apesar da importância da escravidão na formação de Portugal e do seu império ultramarino, esta horrenda história da submissão “negra” é completamente abafada na memória pública lisboeta. Em contraste ao (recentemente criado e bem tardio) Museu da História e Cultura Afro-Americana nos EUA ou ao Museu Afro-Brasileiro em São Paulo, Brasil, não há museus deste género ou um memorial público de condenação tal como em Nantes, França. Mais recentemente, apesar de tudo, um museu de escravatura foi criado no histórico mercado negro “Mercado de Escravos” no sul de Portugal, no porto de Lagos, o qual é considerado o primeiro local de troca comercialde escravos africanos na Europa. No entanto, Lisboa permanece ainda largamente calada face ao seu legado de terror branco e cativeiro negro.
04.02.2021 | por Yesenia Barragan
O racismo entre as duas comunidades dividia, de cima a baixo, a sociedade luandense, do poder judicial ao comércio que se fazia no interior dos musseques. A retórica usada pelo procurador, ao tentar abanar os alicerces sociopolíticos dessa justiça racial e ao pôr a descoberto a hipocrisia, o subjetivismo e a parcialidade dos juízes, invocava três imagens sobre o mesmo espaço: o recorrente dualismo entre a cidade branca e a cidade negra; um roteiro da modernidade urbanística conspurcada pelo terrorismo e a geografia punitiva do império.
04.01.2021 | por Bernardo Pinto da Cruz, Nuno Domingos, Diogo Ramada Curto, Juliana Bosslet, Marcelo Bittencourt e Pedro David Gomes
Nas últimas décadas, o conflito na África subsariana não só devastou as aldeias e criou campos de refugiados em lugares dispersos, como também transformou as cidades e vilas onde agricultores aterrorizados procuravam segurança e oportunidade. Apesar dos subúrbios desordenados – fruto de um crescimento urbano não planeado – não escaparem à visão dos gabinetes das autoridades do Estado e das instituições de apoio internacional, estas organizações não têm abordado a relação entre conflito e urbanização. Tal negligência compromete a reconstrução pós-conflito, desperdiça oportunidades para o desenvolvimento e arrisca-se a quebrar uma paz muito débil.
02.01.2021 | por Simone Haysom
Um dos elementos mais marcantes da expressão criativa e artística portuguesa está nos pés daqueles que percorrem o seu território, para além de outros tantos nos quais os portugueses foram importantes no seu ordenamento: é, precisamente, a calçada. Repleta de motivos tradicionais e de aspetos geométricos notáveis, é um esforço que, por mais prolongado pelo país, está na mão de um sem número de laboriosos indivíduos, que, de picareta na mão, colocam pedra sobre pedra, materializando essa visão profunda. Os calceteiros são, assim, os mestres práticos de uma teoria que desenha uma das marcas de referência da portugalidade.
22.12.2020 | por Lucas Brandão
O projeto foi uma sucessão de textos literários, e não em forma de um guião convencional, entreguei à Rita Palma [argumentista] e “vê lá o que conseguimos fazer com isto?”. Resumindo, as coisas foram construindo com Lisboa, com as personagens extraídas de Maria Judite Carvalho e Irene Lisboa, das suas vidas e ainda um parte … muito pequenina … da minha relação com a cidade e com a minha família.
22.12.2020 | por Hugo Gomes
A forma como as práticas artísticas estimulam aprendizagens informais entre os jovens da periferia de Lisboa é a principal preocupação deste artigo. A partir de três bairros “racializados” – Arrentela, Cova da Moura e Quinta do Mocho –, enquadramos algumas das mais inovadoras produções artístico-culturais para debater a escola, o racismo, as desigualdades e os engajamentos político-cidadão. Numa Afro-Lisboa que tarda em assumir a agência das populações afrodescendentes, arte e cultura se tornam instrumentos privilegiados para reconfigurar o papel da “raça” nas questões relacionadas à cidadania, marginalidade e educação no Portugal pós-colonial.
10.12.2020 | por Otávio Raposo
O papel das estátuas e dos monumentos coloniais é, portanto, fazer ressurgir no palco do presente os mortos que, quando vivos, atormentaram, muitas vezes pelo fio da espada, a existência dos negros. Essas estátuas funcionam como ritos de evocação de defuntos, aos olhos dos quais a humanidade negra nunca contou para nada – razão pela qual jamais tiveram quaisquer escrúpulos em fazer, por nada, verter seu sangue. - Achille Mbembe
09.11.2020 | por Jorge Victor Souza e Saulo Castilho
Os pais de Lawrence, empresários inconformados com o rumo da nova China de Mao Zedong, na ânsia de salvaguardar liberdades e património, engrossaram a longa lista de imigrantes que, na década de 50, confluíram no território. Em 1945, Hong Kong tinha 600 mil habitantes e, passados seis anos, o número excedia dois milhões. Hoje refaz-se o ciclo. Com a instabilidade política e a crescente interferência de Pequim nos assuntos da região semiautónoma chinesa, Lawrence prepara o caminho para deixar esse abrigo provisório que o tempo fez casa.
15.10.2020 | por Catarina Domingues
Em Cabo Verde não é novidade nos dias de hoje porquanto muitas são as tentativas de formalizar o fenómeno do bairrismo em discursos descentralizados ou regionais, que infelizmente caiem em “saco roto”…talvez devido à sua conceptualização equivocada…
Mas a tentativa de compactar o assunto vem desde o fim do séc. XX, numa monografia por mim realizada em que auscultava a possibilidade de haver rivalidades em duas cidades de Cabo Verde, cuja perceção era maior do que o conhecimento das suas próprias realidades.
12.10.2020 | por Elsa Fontes
A grande revolução do género foi e é marcada pelo objectivo de que um dia este não seja mais um problema, por isto o alvo é a dissolução da mesma quando esse momento chegar que deve ser lá para o século XXII. O dia em que ser pessoa conta mais que ser de um género ou de outro, ou mesmo transitar nesse corredor, ainda está muito longe.
02.10.2020 | por Adin Manuel
Muitas crianças de rua transportam consigo estas tenebrosas estórias. Ao chegar ao meu local de trabalho na baixa de Luanda, cumprimentei o Strong, miúdo de rua por quem passava todos os dias. Com a sua t-shirt encarnada, fez-me sinal, disse-me que me queria mostrar uma coisa, para o acompanhar ao Sambila. Não sei o que me deu para confiar assim num miúdo e ir com ele até ao Sambizanga. Mas a convicção dele mostrava que era caso sério e a verdade é que confio nos meus gestos impetuosos. Esperou que eu saísse, e lá fomos, no Starlet comprado em terceira mão, de passeio ao subúrbio. Pelo caminho soube que ele vinha das Lundas. Perguntei-lhe porque estava em Luanda sozinho então.
20.09.2020 | por Marta Lança
Está nua, a barriga dobra-se sobre o púbis. Eleva os braços, espreguiça-se, como um orangotango fêmea cansado. Deixa-se estar ali, lambendo os braços, levando ao nariz o cheiro dos sovacos, acarinhando um bebé que ninguém vê, dando-lhe de mamar com um desvelo maternal. Dessa vez, não a vi. Contaram-me que abriu as pernas, cheirou-se e sentindo-se, quem sabe, terrivelmente desamparada, começou a chorar de desespero. Alguém chamou a Polícia Municipal.
08.09.2020 | por Djaimilia Pereira de Almeida
Nesta permanente reconfiguração, estaleiro de obras ora aqui ora acolá, requalificações seriadas, corrida às cidades sustentáveis, mais ou menos cidadãs friendly, não dispensam camadas de demolições, entulho, lixo. Um dos seus problema de fundo é lógica de acumulação, é isso que lhes dá sentido existencial. As cidades tudo engolem e tudo regorgitam, lidando mal com os resíduos, sejam eles matéria ou pessoas.
13.08.2020 | por Marta Lança
A opção por Portugal como país de emigração, resulta de inúmeros fatores, que vêm dos aspectos históricos da colonização, da proximidade da língua, e do reagrupamento familiar que o percurso das gerações tem provocado. A tudo isto se junta a necessidade de mão-de-obra ciclicamente sentida no país, e que vem colmatando recorrendo a este contingente, “mais ou menos voluntário”.
10.08.2020 | por Elsa Fontes
O papel do rap na mediação dos processos de paz no contexto da violência dos gangues de rua e contributo no processo de transformação dos gangues em organizações de rua. Por outro lado, tornou público os discursos infrapolíticos contra um sistema de Estado-bipartidário pós-colonial e nocivo aos interesses do cidadão comum e serviu de fundo sonoro às grandes movimentações de rua que marcaram o país nos últimos anos.
05.08.2020 | por Redy Wilson Lima
Esta campanha, em articulação estreita com organizações comunitárias locais, tem como principal objetivo contribuir para ampliar as redes de solidariedade que visam colmatar a quase ausência de apoio estatal a famílias negras, ciganas, migrantes e em situação de maior vulnerabilidade, particularmente fustigadas pela crise atual.
29.07.2020 | por Ana Bigotte Vieira
o bairrismo tende a agudizar-se em tempos de COVID-19 e na discussão do EEP, ou seja, tanto do ponto de vista das relações sociais como político , na base de instituições jurídicas e políticas, bem como os modos de pensar e as respectivas ideologias ao estruturar a sociedade caboverdeana.
26.07.2020 | por Elsa Fontes
A contradição das ações e representações históricas e memorialísticas no espaço público marcam a visualidade empreendida num discurso público e institucional que abarca um complexo de memórias referente ao colonialismo até à atualidade. Tento expor a situação alusiva aos lugares de memória que reclamam memórias invisibilizadas pela história, recorrendo ao exemplo da estátua do Padre António Vieira.
12.07.2020 | por Carolina Ferreira Mourão
Proponho uma análise fanoniana das relações dialéticas entre capitalismo, colonialismo e racismo, subjacentes à conjuntura política e sanitária brasileira. Em um primeiro momento, tomo a noção de violência colonial presente em 'Os Condenados da Terra', como referência para problematizar as respostas brasileiras à pandemia de Covid-19.
10.07.2020 | por Deivison M. Faustino