A relevância da participação negra em Portugal nas mais diversas áreas – incluindo a música – remonta já a várias centenas de anos, mas raras vezes é articulada nas narrativas públicas dominantes. Não se trata, naturalmente, de os negros em Portugal não terem voz ou não se encontrarem presentes no quotidiano do país. Trata-se, isso sim, muitas vezes, de falarem sem serem considerados, de verem sem serem vistos, de cantarem sem serem escutados – pelo menos, fora de uma esfera cultural tendencialmente mais circunscrita.
30.01.2021 | por Inês Nascimento Rodrigues
Para ativar a discussão sobre a relação entre memória e criação artística os organizadores, Maria João Brilhante e Tiago Rodrigues, propuseram três eixos de aproximação ao tema que, resumidamente, questionavam: (1) como o próprio fazer teatral desenvolve-se como um trabalho da memória; (2) como o teatro produz e performa memórias; e (3) em que medida a memória torna-se matéria do teatro, isto é, como o teatro elabora e relaciona memórias coletivas e individuais e pode assim construir contra-versões das “histórias oficiais” produzidas pelas sociedades.
04.12.2020 | por Joana Levi
Raquel Castro conversa com Ana Bigotte Vieira sobre o espectáculo Turma de 95. Estávamos no 9º ano, o João C. e a Filipa N. estavam apaixonados, o Pedro C.C. sonhava em vir a ser jogador de futebol e o Rui A. foi à televisão imitar o Mickael Jackson. Quase todos tinham uma alcunha: a Testa Rossa, a Cavalona, o Splinter, a Beaver, o Chinês, o Dumbo. Eu, a sétima a contar da esquerda, na fila de trás, era a Olívia Palito. Em 2019 - 24 anos depois - procurei cada um dos meus colegas de turma para conversar sobre aquele tempo e sobre o rumo que a vida levou depois de tirada esta fotografia.
27.10.2020 | por Ana Bigotte Vieira e Raquel Castro
Mistério da Cultura é, em princípio, sobre cultura, arte e os seus modelos de produção, representação e apoio, mas nunca se sabe. É uma rede de motivações, um thriller burocrático dançado, um enigma de décadas por desvendar. O que de misterioso tiver acontecido ou vier a acontecer durante este processo de criação foi ou será completamente alheio à nossa vontade, apesar da nossa transparência.O que fica do desejo inicial de fazer um espetáculo? O que não se vê quando se assiste a uma peça?
24.10.2020 | por Ana Bigotte Vieira e David Marques
Todas as peças destes Essenciais são também uma terceira coisa: autobiografia, retratos tocantes de todos os envolvidos numa altura crítica. Será talvez por isto, por assumirem uma subjectividade que é simultaneamente estética e política, que estes vídeos são “rascunhos” e estão “errados”: não são de todo a versão passada a limpo de uma “História dos vencedores”, é essa a sua verdade (frágil e resistente ao mesmo tempo).
02.10.2020 | por Francisco Frazão
Quando convidei a Isabél, antes de tudo é a artista que ela é e a parceria que nós temos. Depois a ideia da Uma Voz era — talvez mais que uma mulher negra — uma mulher. Uma mulher que fala até porque “o porta-voz”, normalmente, é masculino. Tem um pouco isso de portar a voz e de importar a voz. E a Isabél tem muita...ela fez um personagem em que é a escrava do Tira Dentes e que tem um caso com ele. O modo como ela desenhou esse personagem é muito forte. Porque muitas vezes em filmes, no Brasil, esse papel ele é feito com uma doçura em que, curiosamente, há uma mistura de colocar personagens que eram escravos como se eles fossem empregados e é totalmente diferente. Assim, muita da violência da escravidão é escamoteada...alguém a chamava de preta e ela disse “preta é cor. Eu tenho nome”.
30.09.2020 | por Marta Brito
Em saltos quânticos temporais, resolvem-se assim os finais e põe-se a roupa nos estendais, enquanto sonhamos ser mais que os nossos pais. E porque vais? Ficar parado não conta, prefiro ser a ponta da lança daquele que não alcança e que, cheio de confiança, não percebe que caiu na sua própria matança. Por isso avança, arromba as portas, rega as hortas e colhe a tempestade do acumular da idade, sem perder a vontade, faz a tua faculdade e ultrapassa a puberdade, que isso fica-te mal, não é por sinal que levas tudo a mal, é mania, não é saber é querer,
21.09.2020 | por Eric Medeiros a.k.a. Eric Hanu
É o ano em que todas as máscaras se tornam visíveis. Em palco, há uma que nos acompanha o tempo todo. Vemos através dela. A pandemia não nos permite tirar as nossas. As do racismo vão caindo. As pretas ocupam a casa. Irrompem caixa preta adentro. Falam com os seu fantasmas e os nossos, confrontam-nos. Confrontam-nos a nós, público. Aqui, o público é parte do problema e da solução. Não se iludam: Aurora Negra diz e faz o óbvio, o que é esperado, o que é desejado. O que foi solicitado. Por quem? Para quem?
12.09.2020 | por Gisela Casimiro
A morte de George Floyd inspirou-me a escrever este texto, mas aqui também se morre às mãos da polícia. Em quinze anos, mais de dez jovens negros foram mortos pelas forças de segurança pública. Elson “Kuku” Sanches, 14 anos, foi executado pela PSP em 2009. A análise forense confirmou que o disparo foi feito a menos de vinte centímetros. Nuno Manaças, “Snake”, foi morto pela polícia depois duma perseguição, sendo que nenhum dos três disparos feitos pela polícia foi direcionada para os pneus do carro. Também ele era rapper e de Chelas, amigo do falecido Beto Di Ghetto.
18.06.2020 | por Airton Cesar Monteiro
Às diaclases que se rasgam no corpo desse regime, a mais profunda nasce do compromisso colonial, em 1961. A partir de então, o equilíbrio incerto dos últimos anos do regime comporta um estado latente de revolução, expresso na capacidade de artistas e agentes culturais radicalizarem os limites impostos aos géneros e aos processos artísticos. Este atravessa as regiões de intensidade geradas da sobreposição dos dois planos, assumindo particular expressão nos anos em torno da Revolução de Abril. Este corresponde ao substracto alimentado pela mecânica do processo de expansão, traduzido nesta sobreposição, a partir de 1979, em linhas de abertura.
05.04.2020 | por Verónica Metello
Nas ilhas atravessadas pelo Equador gerou-se um dos mais curiosos fenómenos performativos de imaginário popular no qual o encontro de culturas - por violências da história -, e a transformadora crioulização, deu origem a um surpreendente teatro tradicional, etno-teatro, cerimónia que combina música, movimento e um texto do século XVI.
13.03.2020 | por Marta Lança
A dança foi Introduzida há vários séculos na costa de Moçambique por comerciantes arabes-swahili. Possui forte raízes religiosas. Na origem, era apenas praticada em rituais e momentos festivos associados à religião muçulmana, mas com o tempo a dança foi-se massificando.
29.01.2020 | por Hélio Nguane
Num Moçambique cada vez mais aberto para o capital internacional neoliberal, entendedor da cultura como entretenimento e empreendedorismo, o direito dos músicos de se reconhecerem como trabalhadores, se fortalecerem a partir de um coletivo e se expressarem da forma como consideram adequados é um caminho de resistência política e transformação social.
28.01.2020 | por Priscila Dorella e Matheus Pereira
O rap funcionou também como um poderoso questionador de identidades e de exclusões, tomando frequentemente o subúrbio como ponto de observação e crítica do racismo, da exclusão social, da pobreza, da xenofobia e da violência policial. Se «Nadar», dos Black Company, se tornava num grande sucesso nas rádios e televisões, surgem por esta altura temas e intérpretes que fazem uso da língua cabo-verdiana e outros que acentuam letras de forte cariz político, de que General D foi dos exemplos mais evidentes.
23.10.2019 | por Miguel Cardina
Este livro é como uma radiografia e nela transparece e impressiona uma incómoda presença da humanidade, quase repulsa da mesma depois de a ter conhecido, uma necessidade de esquecer fantasmas (constantes sombras nas paredes) e, como pano de fundo, o desejo de esquecer o peso insuportável da popularidade, e de esquecer os pesadelos de uma infância dura e traumática.
16.10.2019 | por José Manuel Castanheira
O projeto do TBA é novo, com um foco específico na experimentação e no emergente, mas não quer dissociar-se desse lastro, seja pela relação com o espaço em que a Cornucópia trabalhou durante décadas, seja porque cerca de metade da equipa é proveniente do Maria Matos.
04.10.2019 | por Frederico Bernardino
Fruto da primavera secundarista, 16 corpos insurgentes deslocam para a cena a experiência que tiveram dentro das escolas ocupadas durante meses, criando uma narrativa coletiva e comum a partir da perspectiva de quem viveu o dia a dia dentro deste movimento que foi um dos grandes acontecimentos políticos dos últimos anos. A peça, que está na fronteira entre performance e teatro, é uma “dança-luta” coletiva construída a partir da experiência de luta e afeto de cada performer.
12.09.2019 | por vários
O entrelaçar de mensagem lírica (“mudaram os tempos, mudaram as leis, de certa forma ainda estou nessa roça”) e frases imagéticas como “black lives matter”, sintonizam indivíduos no anseio da libertação. Em Waters é possível identificar referências do movimento, do teatro imagem e físico, de alto contraste. Tudo isso num jogo de imagens entre presente e passado.
17.07.2019 | por vários
O Carnaval guineense, apropriado plenamente pela população e cuja principal representação ocorre na capital do país, revela mais o “desejo de” do que o “descontentamento com”, apesar desta última componente também estar presente. Uma festividade complexa e composta por várias camadas performativas, que junta num só lugar toda a gama de manifestações culturais, por um lado, características de diversos grupos étnicos e, por outro, um imaginário concebido por todos, independentemente das referências étnicas, que se expressa através das máscaras criadas pelos grupos especialmente para esta ocasião.
15.04.2019 | por vários
Atitude punk e distorção cruzam-se com os ritmos cabo-verdianos do funaná, mediados pelas técnicas do dub ou hip-hop e pelas metamorfoses electrónicas. No Portugal dos últimos meses é difícil encontrar uma outra aventura musical tão vital. Por detrás dela está o português Marcus Veiga, também conhecido pela alcunha Sette Sujidade, e agora também como Scúru Fitchádu.
02.04.2019 | por Vítor Belanciano