O teatro é uma arte do presente - entrevista a Rogério de Carvalho

O teatro é uma arte do presente - entrevista a Rogério de Carvalho Tudo o que se faz em teatro é fictício, e a ficção identifica-se com a artificialidade. O artificial hoje, na medida em que o teatro procura ter o seu mundo, já não cria aquela ilusão de uma mensagem homenageante, uma linguagem de favorecimento do poder ou do anti-poder.(...) Uma bela história sequencial apenas nos embala e, enquanto espectadores, deixamos de ser activos. Em geral, hoje os textos estão a fugir do processo de narratividade.

Cara a cara

24.09.2024 | por Marta Lança

Uma página de nós: monólogo para cinco vozes

Uma página de nós: monólogo para cinco vozes Eu que vou ter de comer umas duas colheres desta papa antes de ir dormir, porque conheço a fome. A fome vence o sono. Lá pela madrugada, depois da fome instalar o seu governo dentro de nós, é um inferno total. Só quem já experimentou esta situação sabe do que estou à falar. A fome é implacável, a fome não perdoa, causa uma dor de cabeça que só Deus sabe, algo rói o estômago como uma gadanha arrastando o capim, a cabeça fica uôlo uôlô, as pernas ficam bambas, os olhos ficam viano, viano. É o fim! Vemos cada coisa estranhas. Parece que nos encontramos com a morte.

Palcos

24.06.2024 | por Pedro Sequeira de Carvalho

Pérola sem rapariga: a invenção do riso

Pérola sem rapariga: a invenção do riso Em Pérola sem rapariga, os tais largos minutos mudos são, pois, o tempo de uma desfaçatez em que se esborrata a pintura. Recusa-se, primeiro, num frémito, a fixação do rosto, e logo se reencenam as obras-primas do costume: Meisje met de parel, Vermeer; Les demoiselles d’Avignon, Picasso; Las meninas, Velásquez. Os nomes que lembramos são os deles, delas nada sabemos, ficaram-nos os títulos. Talvez por isso, imagino, Filipa e Sara desmancham a pose. Dizem-lhes para não mostrarem os dentes, e elas riem muito. Virá a libertação de um riso nu, despudorado? Urge, afinal, esconjurar o gesto venatório de quem mira, e entreabrir intervalos na ordem dos dias.

Palcos

20.05.2024 | por Inês Galvão

Tal como foi o silêncio [de lutos e luzes]

Tal como foi o silêncio [de lutos e luzes] O luto pode ensinar-nos a viver em liberdade. Esta peça convida-nos a tomar a decisão. Em doze inspirações, que poderiam ser atos poéticos, o público é convidado a respirar palavras e silêncios, espelhos e espaços, dor e busca, encontro e tempo. O espetáculo passa-se todo numa sala, a atriz parece-nos tão próxima que podia ser qualquer um que entra e fica na sala. Ao mesmo tempo, parece-nos tão distante que nos desperta a memória do que todos temos medo de viver. A ausência.

Palcos

16.05.2024 | por Joana Morais e Castro

Da missão em “A Missão da Missão”, ou de como se aplaude de pé quando o Teatro nos explode o coração

Da missão em “A Missão da Missão”, ou de como se aplaude de pé quando o Teatro nos explode o coração   Quadro “eu é que sou a mais negra”, trazendo ao de cima questões sobre o lugar de fala, sobre o direito (ou não) de reclamar para si a negritude quando a pele, à vista desarmada, não conta essa marca; Quadro “é estrutural”, usando um saco de boxe, numa clara analogia ao cansaço do argumento que justifica tudo como “estrutural” e as vezes em que essa ideia iliba os indivíduos das suas responsabilidades no quotidiano; Quadro “a solidão da mulher negra”, uma longa conversa – hilariante e profunda – sobre a constatação de que a maioria dos homens negros que alcançam algum poder (ou fama) acabam quase sempre por escolher mulheres brancas para suas companheiras;

Palcos

30.12.2023 | por Maria Lima / Daniela Lima

Nereida Carvalho Delgado prepara um solo sobre abuso sexual de crianças em Cabo Verde

Nereida Carvalho Delgado prepara um solo sobre abuso sexual de crianças em Cabo Verde   Nereida Carvalho Delgado conta-nos um pouco do seu percurso no teatro que começa em 2004 com a companhia Fladu Fla, na Praia, sua terra natal. Muda-se para São Vicente, onde vai estudar Biologia Marinha e onde fica por nove anos, dando continuidade a formações de teatro numa associação italiana, na comunidade onde vivia, Ribeira de Craquinha. Está em Loulé, no contexto do Festival Tanto Mar, a fazer uma residência artística sobre um tema muito difícil mas com a urgência total em ser falado: a violência e abuso de crianças e adolescentes que, em Cabo Verde, dá-se muitas vezes no seio da família.

Cara a cara

27.05.2023 | por Marta Lança

A minha bandeira

A minha bandeira É com este espírito que continuarei a minha caminhada, agora enquanto emigrante de dupla condição: o que regressa mas sobretudo o que parte em busca de uma vida melhor. O que parte também no ensejo de um dia voltar. Se ca bado ca ta birado, como profetiza Eugénio Tavares no seu poema-canção, que hoje evoco, nesta hora di bai. E nada é mais crioulo do que isso.

Mukanda

05.05.2023 | por João Branco

O homem que via no escuro, A Lisboa de Bruno Candé - PRÉ-PUBLICAÇÃO

O homem que via no escuro, A Lisboa de Bruno Candé - PRÉ-PUBLICAÇÃO Este livro é sobre um homem e sobre como o sítio onde nasceu se espelha naquilo em que se tornou. E acerca de como cada um é capaz de mudar a sua sina. Porque se ela parece traçada para os que nascem na Zona J, uma visita ao bairro mostra a ignorância das nossas suposições. Candé, não sendo um homem com canudo, era um cidadão curioso e um ator em ascensão, que não ascendeu mais porque a paixão pelo teatro consumou-se como profissão já tarde na sua vida. Também isto é reflexo da marginalização que a cidade impõe àquele pedaço de terra, onde Candé viveu e onde a cultura demora a chegar. Demorava mais antes, até Candé e os amigos ajudarem a mudar.

Mukanda

10.03.2023 | por Catarina Reis

Afro Portugal 2022

Afro Portugal 2022 Este amplo programa insere-se nos debates atuais sobre memória colonial, o racismo, e coloca em destaque as vozes artísticas negras, africanas e afrodescendentes em Portugal, de várias gerações. Inclui performances, exposições, filmes, debates, literatura, música, workshops e ações socioeducativas, culminando na peça “Aurora Negra”.

Vou lá visitar

14.10.2022 | por vários

Natália Luiza e Miguel Seabra | Nos 30 anos do Teatro Meridional

Natália Luiza e Miguel Seabra | Nos 30 anos do Teatro Meridional Acho que há um modo de trabalhar e um reconhecimento do espetáculo “Meridional” que passam por aquilo que considero três elementos basilares: o afeto, o rigor e exigência e a vontade do espanto. Isto é, no Meridional o espetáculo tem duas fases: o seu levantamento, até à estreia; e depois, a sua carreira, acompanhada de perto enquanto organismo vivo que é, logo necessariamente mutável. Essa mutabilidade deve corresponder, para nós, a um crescimento no sentido vertical, não a uma engorda, o que é, aliás, muito comum acontecer.

Cara a cara

16.08.2022 | por Frederico Bernardino

TEM GRAÇA – Festival Internacional de Mulheres Palhaças | Entrevista a Susana Cecílio

TEM GRAÇA – Festival Internacional de Mulheres Palhaças | Entrevista a Susana Cecílio O clown faz parte do nosso ADN. Todas temos formação como palhaças, somos todas palhaças. Mas somos palhaças por loucura, investigamos uma comicidade a partir da nossa própria biografia, da exposição ridícula e escancarada dos problemas que todos imaginamos nas nossas cabeças e a comicidade parte daí. É um trabalho de proximidade, muito mais ligado à comunidade. É um trabalho de utilização de espaços não tão evidentes para apresentações performáticas, como um jardim, um lavadouro, lugares que são património da freguesia. Chamamos os públicos, os vizinhos, as associações, para participarem e para serem público. A narração oral tem esta proximidade, porque é um trabalho sem quarta parede, de olhos nos olhos, de tentar que o público seja testemunha daquilo que está a acontecer, um aqui e agora.

Palcos

20.05.2022 | por Levina Valentim

Rimini Protokoll e o teatro do resgate da consciência

Rimini Protokoll e o teatro do resgate da consciência Em 2015, participei como espetadora-atuante no Europa em Casa, um projeto da companhia Rimini Protokoll, que acontecia em casa de pessoas que se voluntariavam para receber um conjunto de estranhos para aí fazer desenrolar uma mesa redonda/jogo em torno das ideias de fronteiras da Europa. A ideia meio didática instrutiva sobre os elos e geografia política do espaço europeu, e da nossa dimensão enquanto pessoas ou países nessa geografia. Houve um breve momento de tensão quando nos pediram que definíssemos onde deviam estar as fronteiras em torno da Europa ou da União Europeia. Não as internas mas as externas. Eu disse que não devia haver fronteiras e a atriz que dinamizava a atividade reagiu “Como não? Tem de haver!” Provavelmente este não seria o guião, e ela falou de um ponto de vista particular. A peça “Conferência de Ausentes”, no TBA (24 a 26 de fevereiro), fez-me regressar àquele momento.

Palcos

01.03.2022 | por Josina Almeida

Vandrea Monteiro. Atriz nas horas vagas.

Vandrea Monteiro. Atriz nas horas vagas. Pisar palcos internacionais não só era um sonho como uma oportunidade para evoluir enquanto atriz e profissional, até porque ela nunca conseguiu separar os dois mundos. Entre organizar eventos, escrever textos, briefings e sem esquecer as inúmeras viagens, mal teve tempo para os ensaios. Nas poucas vezes que acontecem têm de ser aos fins de semanas, à noite ou online. Vê-se muitas vezes entre um gole de café e uma fala. Dormir? Só depois de tudo estar na ponta da língua.

Cara a cara

14.02.2022 | por Denise Fernandes

"Partilhar histórias de migração é criar pontes empáticas", entrevista a Tiago de Faria

"Partilhar histórias de migração é criar pontes empáticas", entrevista a Tiago de Faria Não há ninguém que não tenha feito pelo menos uma experiência de migração. A escala pode ser diferente, tu podes mudar de uma sala de aula para outra, isso é uma migração. Podes mudar de um bairro para outro e isso é uma migração. De uma cidade para outra, de país para país e depois de continente para continente. As emoções associadas são as mesmas, com matizações associadas a escalas absolutamente diferentes.

Jogos Sem Fronteiras

14.02.2022 | por Teatro Manga

Emigrantes, pelo Teatro Manga

Emigrantes, pelo Teatro Manga O espetáculo EMIGRANTES parte da obra gráfica de Shaun Tan, “The Arrival”, no original, para contar histórias de migração e pensar os processos de adaptação e integração das comunidades migrantes. Recorta uma viagem, várias narrativas de migração e uma ideia para a integração. Não é uma estória, nem história. É um detalhe na vida de tantos. Um passo, um gesto. Inadvertidamente repetidos. No não-lugar do teatro, são comunicados, numa língua que o dicionário não traduz, apenas dá a ver, desenhos de fugas sem mapas. O corpo humano é ampliado por sons que os gestos escondem e o Homem prolongado por sombras que a sua silhueta encobre. Ao público, é dado o papel em branco para traçar a poesia ressonante da sua viagem, papel sem linhas para desenhar a sua história ou para reutilizar e reciclar conforme entenda.

Palcos

09.02.2022 | por vários

Temos de Falar 5, à conversa com Gisela Casimiro

Temos de Falar 5, à conversa com Gisela Casimiro Gisela Casimiro conversa com Odete e Rafaela Jacinto: performers do teatro e do cinema, poetas, artistas premiadas e activistas pelos direitos LGBTQIA+, trans e queer, amigas e companheiras de palco, de lutas.

Palcos

14.12.2021 | por vários

Que lugar para África na cena artística portuguesa? (2015)

Que lugar para África na cena artística portuguesa? (2015) Para começar não me parece que haja propriamente uma cena artística africana em Portugal. Há algumas intervenções, promovidas sobretudo por agentes culturais portugueses (e alguns africanos, sobretudo angolanos), na música, cinema, artes plástica, teatro, mas não consistiu nenhuma « cena artística ». Mas é uma aparição bastante recente e com um grande atraso em relação a outros países. Na década de 80 houve uma grande amnésia, não se falava muito sobre África, ainda na ressaca de descolonização.

Cara a cara

25.10.2021 | por Maud de la Chapelle e Marta Lança

Orlando Sérgio, o jovem que todos queremos ser

Orlando Sérgio, o jovem que todos queremos ser A postura singular e imponente (sem ocupar demasiado espaço, equilíbrio que nem sempre é fácil) de Orlando Sérgio é impactante onde quer que ele esteja. A voz com um timbre de sábio e teatro não dramático, manifesta ponderação, profundidade e jovialidade. Gosta de andar pela cidade e reunir-se com artistas, criativos, intelectuais, pessoas com almas inquietas, gosta de sentar-se em conversas prolongadas e a partilhar histórias hilariantes.

Cara a cara

22.09.2021 | por Marta Lança

“Em nome da moral fazem-se guerras”, entrevista a Sarah Maldoror

“Em nome da moral fazem-se guerras”, entrevista a Sarah Maldoror A câmara de Sarah Maldoror captou os primórdios da luta pela libertação de países africanos, ao lado de nacionalistas como Mário Pinto de Andrade, seu marido, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. "Sempre convivi com este problema da mestiçagem. Um mestiço pode ser um africano que defende uma causa. Mas também aprendi com a minha experiência que não devemos lutar pela moral. Em nome da moral fazem-se guerras. Quando me falam de moral eu calo-me. O que é a moral? Há é que falar de respeito."

Cara a cara

17.08.2021 | por Pedro Cardoso

Celebração: dor, raiva, tristeza e muito riso. Entrevista a Zia Soares

Celebração: dor, raiva, tristeza e muito riso. Entrevista a Zia Soares A narrativa construída sobre este episódio é dada pela parte portuguesa, a do “massacre”, que ofusca e apaga o movimento de resistência dos santomenses. Daí ter optado por referi-lo enquanto Guerra da Trindade (1953). Claro que foi desigual, mas houve confronto, os santomenses não se baixaram perante a atitude do governador Carlos Gorgulho. E esse movimento de resistência organizada, pensada e estruturada é algo sobre o qual não se ouve falar.

Palcos

17.05.2021 | por Marta Lança e Zia Soares