"Nunca me faltou o sonho de expor na minha terra", entrevista a Nú Barreto

"Nunca me faltou o sonho de expor na minha terra", entrevista a Nú Barreto Não existem infraestruturas culturais, tanto educativas como promocionais. Por mais que sejam organizados, os artistas plásticos guineenses, na Guiné, vivem num “anonimato” absurdo, onde só se salvará o ajudado. É de certeza uma caricaturada forma de ver a situação. A bem ver, não existe sequer um espaço cultural, onde os artistas poderiam exibir as suas criações. Num país sem nenhum Centro Cultural Nacional, nenhum museu e nenhuma galeria, é complicado estabelecer qualquer que seja diálogo entre o vazio e o público. Anedoticamente, vira um cemitério sem campa. Talvez uma curta história verídica para ilustrar o grau do sofrimento: Encontrei uma senhora que me reconheceu por me ter visto na televisão, dia antes. Depois duma longa conversa sobre o estado das artes na Guiné, disse-me: «Não é que somos todos iguais. O facto de não haver, não significa que somos todos iguais, mas precisamos para a nossa instrução. O silencio expõe a ignorância».

13.02.2022 | por Sumaila Jaló

Pós-colonialismo até que ponto? Legado de um passado familiar

Pós-colonialismo até que ponto? Legado de um passado familiar Pergunto novamente, legado atual sobre o colonialismo? Sim, ele existe e é evidente. Quando olhamos para o caso de países como o Gana, cuja língua oficial é o inglês, temos a confirmação. A língua oficial, a língua prestigiante, a língua que dá acesso à educação universitária e a postos de trabalhos, é europeia. Sim, uma variedade distinta e com algumas idiossincrasias próprias devido a contactos e trocas com outros povos africanos, mas ainda assim inglês. Poderíamos igualmente discutir a forma de atuação da antiga colónia inglesa, a “Indirect Rule”, no entanto, na palestra focaram-se em alguns países como o Gana, e em como existe multilinguismo no continente africano.

05.02.2022 | por Arimilde Soares

Memórias Aparições Arritmias, de Yara Nakahanda Monteiro (Companhia das Letras, 2021)

Memórias Aparições Arritmias, de Yara Nakahanda Monteiro (Companhia das Letras, 2021) É difícil ler 'Memórias Aparições Arritmias' sem pensar nos estudos da memória. A memória é uma presença constante neste livro de Yara Nakahanda Monteiro. As suas memórias e as memórias da sua família que lhe foram chegando, ao longo da vida. A poeta faz uso daquilo a que Jan e Aleida Assmann chamaram de “memória comunicativa” (kommunikatives Gedächtnis), que se constitui na interação informal do quotidiano: pelas histórias, imagens e emoções que se transmitem nas famílias e entre pessoas com contacto direto e que abarca as vivências das três a quatro gerações vivas. Essa familiaridade e esse mundo pessoal, que é tanto afetivo como doloroso, pautam grande parte das memórias que pululam de poema em poema, recordando muitas vezes um tempo e um espaço a que a poeta, ou os seus eus líricos, só de forma indireta poderiam ter acesso.

30.01.2022 | por Luciana Moreira e Doris Wieser

No centenário do nascimento de Francisco José Tenreiro (1921-1963): mediações e perspetivas

No centenário do nascimento de Francisco José Tenreiro (1921-1963): mediações e perspetivas Através desse cliché usado (ironicamente) por Pessoa, FJT levantava uma outra questão para a qual ainda não temos grandes respostas: como é possível que “África” seja uma presença tão negativa, ou aparentemente indelével, na obra do nosso maior modernista? Ou, não estaremos perante um problema da crítica literária oficial, que durante anos procedeu a um “branqueamento” da obra de Almada Negreiros? Que essa miopia ou parcialidade crítica existiu prova-o o estimulante ensaio de Pedro Serra, “Usos do 'Primitivo' Africano na cena de Orpheu. Uma incorporação de Fernando Pessoa”, cujo título ilustra uma abordagem quase inédita da obra pessoana. Movendo-nos noutras direções, e inspirado por este ensaio, talvez seja possível proceder a outras revisitações quer da obra de Pessoa quer da de outros poetas maiores da literatura portuguesa no sentido de aí rastrear a presença africana e estudar o seu papel (poético-linguístico, por ex.) no contexto das respetivas obras. Ainda não se estudou em profundidade a influência de “África” (Guiné e Cabo Verde) e de outros lugares multiculturais e poliglotas (como Londres) na obra de Maria Velho da Costa. Como ainda não se estudou suficientemente a “coisa africana” na obra de Herberto Helder, a “frase ocre africana”.

26.01.2022 | por Maria de Lurdes Sampaio

Lutas dos saberes negros na educação artística: memória do algodão entre Brasil e Cabo Verde

Lutas dos saberes negros na educação artística: memória do algodão entre Brasil e Cabo Verde A partir do ciclo do algodão é criada uma ficção em torno de saberes negr@s em trânsito pela geografia do tráfico atlântico de escravizad@s. Este risco de imaginar o que ficou silenciado e apenas memorizado numa semente, vingada pela união e luta dos povos, provoca uma relação entre a comunidade quilombola de Conceição das Crioulas, no nordeste brasileiro e o projeto Neve Insular no Madeiral, interior da ilha de São Vicente em Cabo Verde. Neste artigo pretende-se fazer uma leitura sobre práticas de educação artística, por um lado a partir de uma lente crítica sobre como os regimes de plantação e colónia atravessam os séculos e as mentes até hoje, e por outro lado uma lente que herda do feminismo a radicalidade face ao patriarcado e ao capitalismo naturalizados como dispositivos de poder e apropriação da própria vida. Em ambas as geografias o algodão e os saberes em torno dele tornam-nos permeáveis a um universo político de questionamento da história da monocultura da planta e do pensamento, abrindo espaço para fazer estremecer a tentação de reproduzir os modos de ensinar e aprender.

25.01.2022 | por Rita Rainho

Calado eras poeta, e outros pensamentos de uma feminista

Calado eras poeta, e outros pensamentos de uma feminista Muitas opiniões ofensivas partiram de homens que defendiam e apoiavam a campanha por considerarem ser culpa da mulher a divulgação de fotografias íntimas na internet. Estas mesmas opiniões ganham força quando veem uma campanha destas ser divulgada pela GNR, uma instituição que foi criada para garantir os direitos dos cidadãos... E esta é apenas uma de várias desculpas que os homens nestes comentários utilizam para justificar os seus pensamentos e atitudes retrogradas.

21.01.2022 | por Alícia Gaspar

Marxa Cabral 2022

Marxa Cabral 2022 Vinte de janeiro de 1973, Conacri: Amílcar Cabral é assassinado a tiro por um grupo de homens armados. Vinte de janeiro de 2010, Praia: um grupo de jovens ativistas do hip-hop assinalam a data do assassinato deste herói bissau-guineense e cabo-verdiano através de um ato de insubordinação simbólica que acabou por inaugurar uma importante manifestação cultural de resistência e resgate da história denominada de Marxa Cabral, chamada na altura também de Marxa do Hip-Hop.

19.01.2022 | por Redy Wilson Lima

Elinga, um património afetivo

Elinga, um património afetivo O edifício do largo Matadi (ex-Tristão da Cunha) é, como sabem aqueles que o frequentam, o maior ponto cultural da cidade. Aquela informalidade e disponibilidade para o outro, sem que seja o dinheiro a comandar a natureza das relações, representando uma certa baixa de Luanda, de mistura socio-cultural, de experimentação e de modernidade, entre o local e o global, com angolanos e estrangeiros, é praticamente só ali que acontece. A convivência de dois tipos de arquitectura é um marco da história da cidade, os vestígios de outros tempos lado a lado com o ritmo acelerado de uma cidade frenética, também ali estão bem representados. Não nos faltam justificativas para a preservação e valorização do Elinga.

18.01.2022 | por Marta Lança

Caro amigo branco (da Reversão)

Caro amigo branco (da Reversão) Caro amigo branco, quando as pessoas falam do racismo, falam de um sistema ridículo construído por uns brancos ricos no alto do seu imperialismo e que tem diminuído vários indivíduos, arrastando-os para um abismo de auto-depreciação. O racismo é uma ação baseada no poder e na dominação, o racismo aliou-se ao capitalismo, o racismo é parte de um sistema económico, político e social de controlo das mentes, que atira gentes contra gentes, convencendo gentes de que são mais gentes do que outras gentes.

17.01.2022 | por Marinho de Pina

Afrolis

Afrolis Este é um documento que presta tributo às vítimas da violência racial e convoca a escuta como ato político que visa uma transformação radical das estruturas e das mentes. Ao longo de cinco anos a Rádio Afrolis produziu cerca de 200 episódios com entrevistas que apresentam diferentes perspectivas da cidade e do país pela voz de africanos, afrodescendentes e de pessoas interessadas nas nossas temáticas.

11.01.2022 | por Carla Fernandes

FIM

FIM Com esta Newsletter do projecto MEMOIRS, a nº 147, damos por concluída um percurso iniciado a 5 de maio de 2018. Ao grupo de investigadores do projecto, às dezenas de colaboradores externos, a todos os artistas que contribuíram com as suas imagens, aos produtores e designers, o profundo agradecimento dos responsáveis pela edição, que de duas coisas estão certos: terem contribuído para a partilha de um bem comum, o conhecimento, e terem-no feito num espírito de serviço público.

10.01.2022 | por António Pinto Ribeiro

Regressar a África ou ficar na metrópole: agência negra e constrangimentos coloniais (1.ª metade do século XX)

Regressar a África ou ficar na metrópole: agência negra e constrangimentos coloniais (1.ª metade do século XX) Não havendo um levantamento das fontes relevantes para a história da presença negra em Portugal – tarefa que urge iniciar – partilho aqui o meu encontro fortuito com uma série documental produzida pelo Ministério das Colónias, à guarda do Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa, Portugal), que ilumina aquela presença, paradoxalmente invisível.

05.01.2022 | por Cláudia Castelo

Uma galeria que (se) Ocupa de um Porto e da arte contemporânea

Uma galeria que (se) Ocupa de um Porto e da arte contemporânea Ocupar-se e ser um lugar que se permite ocupar. É assim que a Galeria fundada por Alexandre Teixeira e Filipa Valente habita numa rua onde a paisagem se pinta crua e se resgata no meio de tantas outras.

03.01.2022 | por Patrícia Silva

Em tempo de balanço

Em tempo de balanço Mais de três anos volvidos, as questões referidas mantêm toda a sua virulência e continuam a alimentar ciclicamente um debate público em que aquilo a que vários têm chamado o inconsciente colonial das sociedades europeias continua muito presente, traduzido numa atitude de recusa dos problemas de uma sociedade multicultural inevitavelmente marcada pela herança pesada do passado colonial.

27.12.2021 | por António Sousa Ribeiro

A Amazónia em 2021: antes do final do ano, histórias para adiar o fim do mundo

A Amazónia em 2021: antes do final do ano, histórias para adiar o fim do mundo Para falar da importância, não só de contar mais histórias sobre Amazónia, mas sobretudo de contá-las a partir de outras perspetivas, com o intuito de construir narrativas livres de contextos colonizadores, de estigmas e estereótipos, realizou-se, entre os dias 23 e 27 de novembro, em Manaus, na capital urbana situada no meio da floresta amazónica, um encontro internacional que juntou - presencial e virtualmente - múltiplas vozes. Com o cruzamento de experiências pretendeu-se estimular a criação e comunicação dessas novas narrativas, sobretudo no cinema, mas não só.

21.12.2021 | por Anabela Roque

Carta Aberta: Grada Kilomba e a Bienal de Veneza 2022

Carta Aberta: Grada Kilomba e a Bienal de Veneza 2022 A 7 de dezembro, o curador Bruno Leitão partilhou uma carta aberta revelando que o processo de decisão da DGArtes (Direção Geral das Artes), que atua como Júri de Seleção Portuguesa da Bienal de Veneza, foi marcado por incoerências e irregularidades graves nos critérios de avaliação, bem como violações explícitas dos “Deveres do Júri”, que são definidos por lei. Esta notícia, no entanto, tornou-se pública, através da imprensa internacional, que revelou o facto de o projeto A Ferida / The Wound da artista Grada Kilomba ter sido afastado da representação de Portugal na Bienal de Veneza 2022, com argumentos deveras problemáticos por parte de um dos membros do júri, Nuno Crespo, crítico de arte no jornal Público, Director da Escola das Artes e Reitor da Universidade Católica Portuguesa - Porto.

20.12.2021 | por vários

Repetições da Violência na Arte de Vitória Cribb e Welket Bungué

Repetições da Violência na Arte de Vitória Cribb e Welket Bungué O artigo descreve três obras artísticas audiovisuais ('Ilusão', 'Bustagate' e 'Eu Não Sou Pilatus', produzidas respectivamente pelos artistas Vitória Cribb e Welket Bungué, entre 2019 e 2020) para debater como elas tratam, cada uma à sua maneira, o tema da repetição da violência contra corpos negros no ambiente numérico das redes; invocando uma análise qualitativa e estética dos procedimentos empregados nos vídeos e também dos locais em que eles foram disponibilizados, explora-se a hipótese, seguindo Hui (2021), de que a arte joga luz sobre a irracionalidade do racismo viabilizado por algoritmos e assim pode constituir uma necessária aproximação ao sublime, ao não-racional.

17.12.2021 | por Eduardo Prado Cardoso

Como está-tua ex-celência?

Como está-tua ex-celência? A História é tanto a erecção das estátuas e dos monumentos como as suas demolições. Presumindo e contundindo, pedir a substituição, a recolocação ou o afundamento duma estátua faz parte do processo histórico.

14.12.2021 | por Mário Lúcio Sousa

O rap é misógino?

O rap é misógino? A primeira vez que BLINK se impediu de cantar uma rima, estava num concerto de Regula. Quando a plateia feminina entoou “As duas juntas fazem-me coisas que tu não imaginas / metem as bolas na boca e dizem que estão com anginas”, na música “Casanova”, ela manteve-se em silêncio enquanto tentava digerir o choque. Não era que não tivesse ouvido os versos antes, mas pareceu-lhe errado cantar aquilo sendo mulher. Para a rapper, é possível distinguir o conteúdo da forma. As rimas, a sua métrica e cadência são atrações que por vezes até ofuscam o conteúdo, pelo menos numa primeira audição. Mas as palavras dissecadas deram-lhe a volta ao estômago.

13.12.2021 | por Rute Correia

Murmúrio e momentos de um Poeta-a-Dias

Murmúrio e momentos de um Poeta-a-Dias Dos cinquenta e cinco poemas que fazem o livro, onze estão escritos originalmente em kriol (língua guinense), aparecendo ao lado das suas traduções em português, que em nada diminuem os seus efeitos líricos, sendo que, no fim, ainda há um glossário para as expressões não traduzidas ao pé dos textos. Entre estes poemas, destaca-se Fos ku Pitrol (p. 110), “I e ski kontrada di fula ku mandinga”, numa alusão à guerra de Turban (Kansala), entre fulas e mandingas, um acontecimento ainda hoje vivo nas relações entre as duas etnias, permitindo sentir, por exemplo, o sabor local de que também são feitos estes momentos murmurados pelo poeta, que a nós nos coube apenas escutar os sussurros deixados escapar entrelinhas.

03.12.2021 | por Sumaila Jaló