O barco deslizava devagar através da água lisa, quase negra, larga lâmina de chumbo pousada entre a floresta. As margens, muito ao fundo, cobertas pela sombra compacta das árvores, repetiam‑se insones e apáticas, dia após dia. Nenhuma asa sobressaltava o ar. Nenhuma barbatana agitava a imensa extensão líquida. Um dos escritores, um jovem rebelde, muito pálido, sugeriu que talvez o barco recuasse todas as noites pelo mesmo trilho por onde, durante o dia, fingia avançar. Pensando melhor talvez nemsequer avançasse. As margens eram sempre as mesmas. As águas, sempre as mesmas. Apenas o céu se renovava.
31.08.2011 | por José Eduardo Agualusa
A dignidade da “minha” Rosa Parks colocava aquela interação em perspectiva: o motorista – máquina repetindo o que estava programada para repetir; ela- gente, despertando em nós, mudos ao seu redor, emoções para as quais não havíamos sido preparados, ejetados tão violentamente do banco de uma peça de museu para dentro de uma História que ainda não tinha acabado de acontecer, que ainda estava ali, real, dolorosa, pulsante e incômoda. Será que alguém de nós poderá, algum dia, ter noção de quantas vezes e com qual intensidade o corpo histórico que observamos, o corpo testemunha pelo qual ficamos hipnotizados, tinha sido dilacerado (“for white people, only”) e grampeado de volta à sua forma aparente e externamente original?
19.08.2011 | por Ana Maria Gonçalves
É com intensa guerra de repressão em Angola, particularmente no norte, corpos expedicionários a partir de Portugal para Angola, e a PIDE a procurar controlar os africanos que se encontravam a estudar em Portugal, que se dá este acontecimento extraordinário: em Junho de 1961 saem de Portugal cerca de cem jovens das ex-colónias africanas, uma parte significativa deles, em duas acções que os levaram a atravessar o rio Minho, e todo o norte de Espanha, rumo a França, e a uma participação activa na longa guerra de libertação nacional dos seus países, que os conduziu à independência. O resultado foi a incorporação nos movimentos que lutavam pela independência de jovens que viriam a ser presidentes, ministros e intelectuais.
02.08.2011 | por Associação Tchiweka de Documentação
Use sempre as palavras "África':"escuridão" ou "safari" no título. Os subtítulos podem incluir termos como "Zanzibar", "massai", "zulu","zambezi","Congo, "Nilo,"grande, "céu", "sombra" "tambor" "sol" ou "antigo".
15.07.2011 | por Binyavanga Wainaina
A lembrança da Praça Tahrir alimenta as esperanças da oposição e fomenta os receios do governo. Para muitos dos oposicionistas, o Egipto acabou por significar a terra prometida, no sentido proverbial. Para muitos dos governantes, o Egipto representa um desafio fundamental ao poder, que exige que se lhe resista a todo o custo. As coisas chegaram a um ponto em que o mínimo sinal de protesto desencadeia a máxima reacção do governo. A tal ponto que o governo, que há apenas poucas semanas chegou ao poder com uma maioria arrasadora, parece agora carecer não só de flexibilidade mas também de estratégia de saída.
02.07.2011 | por Mahmood Mamdani
Um dos acontecimentos mais marcantes da história recente da humanidade é a expansão da maior parte povos europeus pelo mundo. Trata-se de uma expansão que conduziu à submissão – quando não ao desaparecimento – da quase totalidade dos povos ditos atrasados, arcaicos ou primitivos. A acção colonial, ao longo do século XIX, foi o aspecto mais importante da expansão europeia e aquele que teve maiores consequências. Abalou brutalmente a história dos povos que submeteu; ao estabelecer-se, impôs a esses povos uma situação muito particular. Este facto não pode ser ignorado.
01.07.2011 | por Georges Léon Émile Balandier
Os autores africanos que eu lia, ou pelo menos assim eu os li, iam murmurando verdades suaves: que a literatura se fazia dos lugares, das geografias, das cores e das gentes, mas que os lugares eram, também, coisas internas; que o escritor, africano ou outro, podia falar do seu lugar e partir das suas tradições para se reinventar na sua ficção, mas não esquecendo que no ato sagrado da escrita, as geografias que mais gritam, são as de dentro; as que abordam a sua proveniência, que fazem falar criativamente sobre as verdades do continente com a habilidade de não ferir a dignidade da nossa casa e dos nossos mais-velhos.
28.06.2011 | por Ondjaki
- Pois é, meu filho, devias ter falado comigo antes, eu não me espanto com essas coisas. - comentou o velho, explicando que há diversas formas de sabão: sólido, líquido, em pó… Com as pessoas tambem há diferenças. Existem pessoas cuja atracção é para pessoas do sexo oposto. Outras, a atracção está dirigida para pessoas do mesmo sexo. E isso não é coisa de outro mundo! Mas coloquemos as coisas em pratos limpos. O meu desejo é que tu e o João sejam muito felizes, assim como eu o sou com a tua mãe.
22.06.2011 | por Jekyl Hide
Não existe, no nosso caso, um documento comparável ao Manifesto de Légitime Défense, que propunha uma “ideologia de revolta” e formulava uma orientação precisa para os escritores negros de expressão francesa; o facto literário surgiu, porém, com ardor e talento, muito antes dos anos trinta deste século, ficando bloqueado, pelo condicionalismo colonial, no interior das fronteiras dos países de eclosão.
21.06.2011 | por Mário Pinto de Andrade
A relação entre estes dois povos deve ser considerada como básica na analise da estrutura social. Como em qualquer sociedade existem três aspectos essenciais a serem considerados: o político-legal, o económico e o social. Como vimos, o relacionamento politico entre os portugueses e os africanos tem como antecedente a conquista. Os portugueses tentaram controlar o africano por meio da influência ou, em caso de fracasso, através da conquista militar que destruiu directamente a estrutura política africana.
15.06.2011 | por Eduardo Mondlane
Depois do Egípcio e do Índio, do Grego e do Romano, do Teutónico e do Mongol, o Negro é uma espécie de sétimo filho, nascido com um véu e dotado de uma segunda visão neste mundo americano – um mundo que não lhe concede uma consciência de si verdadeira, mas apenas lhe permite ver-se a si mesmo através da revelação do outro mundo. É uma sensação estranha, esta dupla consciência, esta sensação de estar-se sempre a olhar para si mesmo através dos olhos dos outros, de medir a nossa alma pela bitola de um mundo que nos observa com desprezo trocista e piedade.
15.06.2011 | por William Du Bois
Embora nominalmente independentes, estes países continuam a viver na relação clássica da colónia com o seu “patrão” metropolitano, isto é, a produzir matérias-primas e a servir-lhe de mercado exclusivo. A única diferença é que agora essa relação está encoberta por uma aparência de ajuda e solicitude, uma das formas mais subtis do neo-colonialismo. Como a França considera que só se poderá desenvolver perpetuando a sua relação actual com os países subdesenvolvidos que se mantêm na sua órbita, isto significa que o fosso entre aquela e estes se irá alargando. Para que este possa vir a ser diminuído, ou mesmo anulado, será necessário renunciar completamente à actual relação de patrão a cliente.
09.06.2011 | por Kwame Nkrumah
Não é, pois, na sequência de uma evolução dos espíritos que o racismo perde a sua virulência. Nenhuma revolução interior explica esta obrigação de o racismo se matizar, de evoluir. Por toda a parte há homens que se libertam, abalando a letargia a que a opressão e o racismo os tinham condenado.
07.06.2011 | por Frantz Fanon
Do mesmo modo pode falar-se de uma grande família de culturas africanas que merece a designação de civilização negro-africana e que cobre as diferentes culturas próprias a cada um dos países da África. E sabe-se que as transformações históricas fizeram com que o campo dessa civilização, a área dessa civilização, exceda em muito a África; e é nesse sentido que se pode dizer que há no Brasil ou nas Antilhas, tal como no Haiti e nas Antilhas Francesas ou mesmo nos Estados Unidos, se não focos, pelo menos franjas, dessa civilização negro-americana.
04.06.2011 | por Aimé Césaire
Este esboço reproduz – numa versão bastante reformulada, mas marcada, contudo, pelas suas circunstâncias de origem – uma exposição, seguida de discussão, realizada a 7 de Março de 1950 na Associação dos Trabalhadores Científicos (secção das ciências humanas) perante um auditório composto, sobretudo, de estudantes, investigadores e membros do corpo docente.
02.06.2011 | por Michel Leiris
E estes vestígios da minha prodigiosa ascendência! / Aqueles que não inventaram nem a pólvora nem a bússola que nunca souberam domar o vapor ou a electricidade / que não exploraram os mares nem o céu / mas conhecem os mais ínfimos recantos da terra do sofrimento / que das viagens só conheceram as de desenraízamento / que foram amansados com humilhações / que foram domesticados e cristianizados / e contagiados de degeneração / tam-tam de mãos vazias
31.05.2011 | por Aimé Césaire
O Haiti teve de encontrar um factor de união nacional. Procuraram-no no único local onde poderia ser encontrado, em casa, ou mais precisamente, no seu próprio quintal. Descobriram aquilo que hoje é conhecido como negritude. É a ideologia social predominante entre políticos e intelectuais de toda a África. É tema de acaloradas elucubrações e disputas, sempre que se discute a África e os africanos. Mas, no que respeita à sua origem e evolução, a negritude é caribenha e não poderia ter sido senão caribenha, resultado peculiar da sua história peculiar.
31.05.2011 | por C.L.R. James
Um negro das Caraíbas que empreenda uma viagem semelhante a África está menos seguro. A sua relação com esse continente é mais pessoal e mais problemática. Mais pessoal, porque as suas actuais condições de vida e o seu estatuto como homem indicam claramente as razões que levaram os seus antepassados a abandonar aquele continente. Essa emigração não foi um acto voluntário, foi uma deportação comercial cujas consequências deixaram marcas profundas em todos os aspectos da vida das Caraíbas. Estas consequências sentem-se de um modo mais profundo na sua vida pessoal e na sua relação com o ambiente que o rodeia: as políticas raciais e coloniais que constituíram o fundamento e o marco da sua passagem da infância à adolescência. A sua relação com África é mais problemática, porque ao contrário do Americano, ninguém lhe deu a conhecer a história desse continente.
31.05.2011 | por George Lamming
O Novo Negro não passa despercebido ao sociólogo, ao filantropo, ao líder racial, incapazes de o explicar através das suas fórmulas limitadas. Pois a geração mais jovem vibra com uma nova psicologia, um novo espírito anima as massas e está a transformar, sem que os observadores profissionais disso se dêem conta, aquilo que tem sido um problema constante nas diferentes fases da vida negra contemporânea.
30.05.2011 | por Alain Locke
Que o Negro já esteja presente na elaboração do novo mundo não o demonstra o envolvimento de tropas africanas na Europa; elas provam apenas que ele participa na demolição da antiga ordem, da velha ordem. O Negro revela a sua presença efectiva em algumas obras singulares de escritores e artistas contemporâneos; e também noutras, menos perfeitas, porventura, mas não menos emocionantes, oriundas de homens negros.
30.05.2011 | por Léopold Sédar Senghor