O caso Amílcar Cabral. Apontamentos críticos a propósito do princípio e do projecto da unidade Guiné-Cabo Verde. PARTE 1

                                                    I

Breve nota introdutória 

Segundo opinião expendida por Onésimo Silveira no ensaio “O Nativismo Cabo-Verdiano: O Caso Amílcar Cabral” (inserto no seu livro A Democracia em Cabo Verde, de 2005), à “deriva literária do nativismo”, que foi o movimento claridoso, ter-se-ia seguido uma nova fase do nativismo de conteúdo essencialmente político e encabeçado por Amílcar Cabral. 

Essa derradeira manifestação do nativismo caboverdiano transportaria, em si, os gérmenes do anti-nativismo, na medida em que seria de natureza nacionalista e projectada num quadro pan-africanista de unidade Guiné-Cabo Verde. Por esta última razão, ela estaria também pejada das ambiguidades advenientes da teoria cabraliana da reafricanização dos espíritos, alegadamente inoperante para o caso de um povo mestiço, como o é o povo caboverdiano. 

Assevera Onésimo Silveira que falida a teoria, ganhava-se com uma praxis política fundada na unidade de acção entre caboverdianos e guineenses e materialmente consubstanciada na obtenção das independências nacionais dos dois antigos territórios ultramarinos portugueses. 

Conclui Onésimo Silveira: “Ao escrever direito por linhas tortas, Cabral acabou por depositar uma pátria nas mãos dos nativistas cabo-verdianos que, até então, tinham tido duas pátrias - uma crioula e outra lusa-, ambas a voar” (ensaio acima citado). 


II

Lealdade bipartida e pátria africana 

Nativismo, pan-africanismo e nacionalismo caboverdiano 

  1. 1.Infelizmente omissa (ou, pelo menos, insuficiente) no contexto da problematização dos pressupostos políticos e culturais originários do nativismo, pareceu-nos ter ficado a análise da problemática da unidade Guiné-Cabo Verde e do projecto nela ínsito de construção progressiva de “uma pátria africana una, solidária e liberta da exploração do homem pelo homem”. 

Se nos ativermos tão-somente à problemática da lealdade bipartida, da qual, como desde já admitimos, o pensamento emancipalista de Cabral também era incontestavelmente portador, designadamente na sua teorização do projecto da unidade Guiné/Cabo Verde, podemos, sem grandes dificuldades, partilhar da opinião do ensaísta caboverdiano e académico sanvicentino, segundo a qual o mesmo projecto se aproximava do nativismo histórico, se bem que somente em certa e determinada medida. Na nossa opinião, a lealdade bipartida professada por Amílcar Cabral, além de fundada nas suas vivências individuais, experienciadas como dupla pertença biográfica e pessoal (por isso, transmissível somente àqueles que com ele partilha(va)m uma história pessoal similar), foi, por outro lado, amplamente subvertida nos termos anteriormente postos pelo nativismo proto- (ou pré-) nacionalista, porque agora inundada de um pan-africanismo severamente anti-assimilacionista e anti-colonialista, e projectada para uma versão ressurrecta, insurrecta e libertária das ilhas de Cabo Verde e da parte dos antigos Rios da Guiné do Cabo Verde que viria a constituir a Guiné dita portuguesa e, mais tarde, a Guiné-Bissau. Referimo-nos, neste último caso, àquela parcela da terra firme africana que era considerada, designadamente por René Pélissier,  colónia da colónia caboverdiana, porque governada directamente das ilhas então portuguesas de Cabo Verde como uma sua circunscrição administrativa que, sucessivamente, foi assumindo as formas e as denominações de capitania (por exemplo, de Cacheu), de sub-prefeitura, de distrito militar, entre outras. Os territórios da Guiné dita portuguesa e das ilhas de Cabo Verde são agora politicamente transfigurados pelo pensamento cabraliano e projectados numa futura pátria africana integradora das “nossas terras africanas da Guiné e de Cabo Verde” ou, noutros termos, de uma pátria africana  conformadora “da nossa terra africana na Guiné e em Cabo Verde”. Deste modo, isto é, pela sua projecção num futuro indeterminado e condicionado pela actualidade da unidade de acção política entre guineenses e caboverdianos na luta anticolonial, o projecto da unidade Guiné-Cabo Verde diferenciava-se substancialmente da lealdade bipartida (ou bipátrida, se se quiser) comungada pelos nativistas (tanto os assim denominados em sentido próprio e integrantes da geração dita pré-claridosa como também os aqui assim considerados em sentido impróprio e integrantes da geração claridosa). Tal como entendida pelos nativistas clássicos e pelos claridosos, a lealdade bipartida (ou bipátrida, se se quiser)  tinha como objecto, por um lado, uma comunidade política efectivamente existente, a chamada nação lusitana constituída de todos os cidadãos portugueses e ancorada no Portugal imperial e tendo como epicentro a metrópole colonial, tida por pátria monumental (no dizer de Gabriel Fernandes da obra A Diluição de África, Uma Interpretação da Saga Identitária Cabo-Verdiana no Panorama Político Pós-Colonial) ou super-pátria (na expressão de Manuel Ferreira utilizada no ensaio “A cissiparidade pátrida ou a nostalgia das origens”, inserto como Introdução na edição fac-similada da revista Claridade pela editora ALAC - África, Literatura, Arte e  Cultura, do mesmo Manuel Ferreira), e, por outro, uma comunidade humana, politicamente menor, mas também efectivamente existente e considerada matricial, o povo habitante da terra caboverdiana, estatuída, enquanto possessão colonial de Portugal, sucessivamente como capitania-geral, província ultramarina, prefeitura, colónia, de novo província ultramarina e, finalmente em 1972, já no período tardio e no estertor da dominação colonial das ilhas, como Estado fantoche alegadamente (isto é, dotado somente no papel) de autonomia política interna,  mas administrado por um Governador-Geral colonial nomeado directamente pelas autoridades centrais portuguesas e coadjuvado por dois Governadores Distritais, designadamente do Distrito de Sotavento, com sede na cidade da Praia e abrangendo a ilha Brava e as ilhas de Santiago, do Maio e do Fogo, e do Distrito de Barlavento, com sede na cidade do Mindelo e abrangendo as ilhas de Santo Antão, de S. Vicente, de  Santa Luzia, de São Nicolau, da Boavista e do Sal. Curiosamente, foi posteriormente determinado que as funções de Governador do Distrito de Sotavento seria acumulado e interinamente desempenhado pelo Intendente-Geral do Governo-Geral colonial de Cabo Verde (ao tempo o bravense Tito Lívio Feijóo), tendo sido efectivamente nomeado o Governador do Distrito de Barlavento que todavia não tomou posse por, entretanto, ter ocorrido a queda do Governo central metropolitano de  Lisboa e do regime colonial-fascista de Marcelo Caetano em razão do Golpe de Estado perpetrado pelo MFA (Movimento das Forças Armadas) a 25 de Abril de 1974 e da Revolução dos Cravos que se lhe seguiu.   

A lealdade bipartida dos nativistas alicerçava-se, assim, na autenticidade possível de seres-de- dois-mundos (na muito adequada expressão também utilizada por Manuel Ferreira na sua Introdução à obra No Reino de Caliban-Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa e constante do primeiro volume relativo a Cabo Verde e à Guiné-Bissau), dois-mundos esses que eles efectivamente habitavam ou de que se consideravam legítimos moradores, um, o primeiro, perceptivelmente real, porque fundado no chão islenho e na vivência quotidiana da cultura matricial caboverdiana (mesmo que na sua vertente mais elitista), e outro, o segundo, também vivenciado, mas largamente imaginado e nutrido na sua cultura escolar, propiciadora daquilo que, na obra supra-mencionada, Gabriel Fernandes denomina o mínimo cultural compartilhado com todos os outros portugueses,  metropolitanos e ultramarinos. 

O princípio da unidade Guiné/Cabo Verde e o correlativo projecto de pátria africana de Amílcar Cabral parecem ter sido pensados para servirem, no presente histórico colonial, como instrumentos estratégicos de libertação política dos “nossos povos africanos da Guiné e de Cabo Verde”, que, a seu tempo, poderiam constituir-se em Estados-nação independentes e soberanos e, depois, se pronunciariam sobre a união orgânica entre os respectivos países para a constituição da futura pátria africana una, progressista e solidária. Essa futura pátria africana divisava-se, por seu lado, como uma entidade política de contornos jurídico-constitucionais nunca clara e definitivamente definidos por comparação com os modelos disponíveis (confederação, federação, estado unitário centralizado ou descentralizado, estado unitário parcial ou integralmente regional, formas de integração política próximas do modelo da União Europeia, etc.). Por sua vez, a união orgânica entre a Guiné e Cabo Verde deveria funcionar como empecilho aos apetites hegemónicos de certos países muito bem identificados, sobretudo em relação à Guiné-Bissau, bem como de ante-câmara para a futura unidade política de parte ou do todo do continente africano. Ante-câmara que deveria ser exemplar nos seus efeitos progressistas, desenvolvimentos e anti-neocoloniais, mesmo que de forma remota e tendo sempre em conta e devendo estar devidamente salvaguardados os interesses legítimos e as justas aspirações dos povos da Guiné e de Cabo Verde à paz, ao bem-estar material e espiritual, ao progresso social e ao desenvolvimento. A salvaguarda da dignidade e dos interesses dos povos da Guiné e de Cabo Verde e das suas aspirações à liberdade, à democracia, à justiça, à prosperidade, à paz e ao desenvolvimento parecem ser, aliás, os únicos limites impostos por Amílcar Cabral para a inserção desses povos em quadros mais vastos de integração económica e, sobretudo, de integração política africana. 

Deste modo, a lealdade bipartida de  feições nitidamente bi-nacionais  característica do projecto de pátria africana de Amílcar Cabral é largamente tributária dos futuros desenvolvimentos que a História pudesse proporcionar. 

2.Amílcar Cabral pôde desenvolver as suas teses relativas à alienação e à marginalização da pequena-burguesia intelectual e burocrático-administrativa no quadro do sistema colonial em múltiplas ocasiões e em vários escritos, em especial nos ensaios teóricos “Fundamentos e objectivos da libertação nacional em relação com a estrutura social“ (mais conhecido como A Arma da Teoria ) e “O Papel da Cultura na Luta de Libertação Nacional” (insertos nas suas Obras Escolhidas, Unidade e Luta, Primeiro Volume, A Arma da Teoria) bem como nos textos “Análise de alguns Tipos de Resistência” e “Alguns Princípios do Partido” (de recolha das suas explanações orais em crioulo, sobre a ideologia e a praxis política do PAIGC proferidas no célebre Seminário de Quadros de Novembro de 1969, em Conacry, traduzidas para português por Amélia Araújo e organizadas para edição por Mário Pinto de Andrade com o beneplácito do Comité Executivo da Luta do PAIGC). 

Ainda que não se tivesse referido de forma expressa e exclusiva ao caso específico de Cabo Verde, pode-se deduzir das conclusões de Amílcar Cabral referentes às problemáticas acabadas de referenciar que são fulcrais na sua tese da reafricanização dos espíritos e do seu projecto pan-africanista de unidade entre a Guiné e Cabo Verde os seguintes e relevantes factores e elementos de análise: 

i) A tipificação das situações coloniais como essencialmente caracterizadas pela usurpação da liberdade de desenvolvimento das forças produtivas do território/país dominado e, assim, do processo histórico do povo colonizado, que, tal como uma carruagem, é atrelado à locomotiva da história do povo da potência colonial. Deste modo, vê-se o povo colonizado também ultrajado na sua cultura, entendida enquanto lugar onde, mediante a sua apreensão crítica pela consciência individual e colectiva, se sintetizam o processo histórico e as suas condições ambientais, se procede à reelaboração das relações dos seres humanos entre si e com a natureza, se focalizam as suas energias criadoras bem como os seus constrangimentos, isto é, se localizam as dinâmicas, subjectivamente pensadas ou imaginadas, dos pontos de vista individual e colectivo, para o progresso ou o retrocesso sociais. É dessas dinâmicas, subjectivamente reconstruídas ou imaginadas, que adviriam os aspectos positivos e negativos de uma dada cultura. Por isso, que a libertação nacional, a genuína, verdadeira e autêntica, implicaria necessariamente a libertação das forças produtivas, do processo histórico e da cultura do povo colonizado. Por isso que seria na cultura que residiria a capacidade de resistência do povo colonizado e a sua força anímica para se desenvencilhar da dominação estrangeira. Por isso que a libertação nacional seria simultânea e necessariamente um acto de cultura e um factor de desenvolvimento cultural

ii) Os constrangimentos resultantes a um tempo das mais-valias e das vulnerabilidades geo-estratégicas e das fragilidades económicas e climatéricas de Cabo Verde, arquipélago desde sempre acossado pelas estiagens cíclicas e que, também por isso, viveu longamente sob a ameaça do colapso pela fome, ficando por isso conhecido como arquipélago da fome,  e, ademais, se achava destituído de uma retaguarda logística sustentada que lhe permitisse enveredar sozinho pelos caminhos da busca por meios violentos de um destino próprio e auto-determinado. 

Tirando partido da pobreza de recursos naturais e do correlativo abandono administrativo e, desde  a  crise comercial ocorrida no século XVII, após um inicial período de apogeu,económico,   consubstanciada na desvinculação da ilha de Santiago do trâfego/tráfico negreiro transatlântico,  o sequente  desinteresse dos colonos brancos em se radicar no doravante considerado famigerado arquipélago meso-atlântico e saheliano com o  seu consequente abandono, de forma maciça e definitiva, pelos  colonos brancos radicados, põde esse mesmo arquipélago paradoxalmente forjar as estruturas que,  do ponto de vista social e antropológico, o autonomizaram e fizeram emergir como uma entidade crioula. Essa nova entidade era, como se sabe, culturalmente distinta tanto da metrópole colonial portuguesa e das suas ilhas cultural-administrativamente adjacentes da Madeira e dos Açores e das vizinhas e também áridas Canárias, cultural-administrativamente adjacentes de Espanha, como também da terra firme continental contígua. Essa entidade cultural crioula caracterizava-se ademais por ser singular na sua unidade e diversidade arquipelágica construída a um tempo como continente e arquipélago culturais (na expressiva e pertinente terminologia de Gabriel de Gabriel Mariano), ou, como prefere e assevera esse incisivo ensaísta nova-largadista  no seu icónico ensaio “Do Funco ao Sobrado ou o Mundo que o Mulato Criou” como “uma nação que se constituiu à revelia do colonialismo, como um tiro que saiu lhe pela culatra”.  Expressão, diga-se, feliz e, na altura do seu achado por ocasião da realização dos Colóquios Cabo-Verdianos pela Junta de Investigações do Ultramar, assaz corajosa, senão temerária, e cabalmente pertinente para caracterizar a comunidade crioula caboverdiana e obviamente impertinente para as autoridades colonial-fascistas. 

Paradoxo tanto maior quando se tem em conta que ao abandono, à incúria e ao desinteresse coloniais, patente na existência, especialmente no período pós-escravocrata, de um colonialismo sem colonos, na feliz expressão de Onésimo Silveira, se ajuntava a espoliação colonial-escravocrata dos escassos recursos disponíveis, a sobre-exploração colonial-mercantil da mão-de-obra escrava, servil ou assalariada e um geral bloqueamento reinol/metropolitano de todas as vias e iniciativas que pudessem sustentar a emancipação económica, social, cultural e política do arquipélago meso-atlântico, como, aliás, e tal como foi apontado por Amílcar Cabral, é característico e típico das situações coloniais. 

iii) Os constrangimentos paralisantes, provenientes tanto da emergência nas ilhas de uma cultura crioula, peri-ocidental e peri-africana (na terminologia do sociólogo e historiador António Leão Correia e Silva) e consolidada em toda a extensão arquipelágica da colónia/província ultramarina na diversidade das suas manifestações materiais e espirituais, como também da ascensão económica e social e da aristocratizarão intelectual de negros e de mulatos cabo-verdianos, para utilizar expressões muito caras à doutrina culturalista instituída por Baltasar Lopes da Silva e retomada por outros ensaístas caboverdianos de feições claridosas e neo-claridosas para significar a precoce emergência de elites económicas, sociais e culturais nativas no quadro colonial caboverdiano, isto é, daquilo que Iva Cabral e outros estudiosos da Equipa da História Geral de Cabo Verde denominam pretos brancos ou brancos pretos. A emergência das elites económicas, sociais e culturais caboverdianas é muito marcada por especificidades resultantes tanto do processo de povoamento do arquipélago como da pobreza franciscana, na precisa expressão de Gabriel Mariano,  que desde sempre caracterizaram as ilhas, as quais desembocaram numa ampla mestiçagem cultural e numa muito significativa miscigenação biológica e na precoce constituição da nação crioula caboverdiana. 

Por outro lado, a existência de um colonialismo sem colonos condicionará, e sobremaneira, o papel da pequena burguesia caboverdiana no quadro do sistema colonial. A ausência, ou, melhor dizendo, a insignificância numérica de colonos brancos facilitará e, até certo ponto, acelerará a dantes referida ascensão económica e social do caboverdiano, mulato e negro na sua esmagadora maioria, e a sua aristocratizarão intelectual, como assertivamente defendem os ensaístas Baltasar Lopes da Silva, designadamente nos ensaios “Notas sobre a Linguagem das Ilhas” e  “Uma Experiência  Românica nos Trópicos” (ambos  publicados na revista Claridade), Félix Monteiro nos ensaios “A Tabanca da Ilha de Santiago” e “As Festas das Bandeiras da Ilha do Fogo” (todos publicados na revista Claridade), Henrique Teixeira de Sousa, designadamente nos ensaios “A Estrutura Social da Ilha do Fogo” e “Lojas, Sobrados e Funcos” (todos publicados na revista Claridade) e na obra Cabo Verde e as suas Gentes (publicado, em 1954, como separata ao Boletim Cabo Verde), Gabriel Mariano, designadamente no ensaio “Do Funco ao Sobrado ou o Mundo que o Mulato Criou” (publicado pela Junta de Investigações  do Ultramar no volume intitulado Colóquios Cabo-Verdianos por ela organizado, em 1958, em Lisboa) e no ensaio “A Mestiçagem: o seu Papel na Formação da Sociedade Cabo-Verdiana” (constante do número único do Suplemento Cultural do Boletim Cabo Verde) e Manuel Ferreira, designadamente no livro A Aventura Crioula (publicado em 1967 com prefácio de Baltasar Lopes da Silva e reeditado em 1977 e em 1985, com os ajustes advenientes da independência política das antigas colónias africanas de Portugal, a princípio chamadas Países de Expressão Portuguesa, mais tarde denominados PALOP-Países de Língua Oficial Portuguesa). Posteriormente,  as historiadoras Iva Cabral (por exemplo no estudo “António de Barros Bezerra, o “Régulo da Ilha de Santiago”) e Zelinda Cohen (por exemplo, no estudo “A Carta de 1546 no Percurso da Integração dos Baços e dos Pretos da Ilha de Santiago”) reforçariam a sustentação dos fenómenos sociológicos e histórico-antropológicos acima referenciados, comprovando-os com dados historicamente documentados. Deste modo e como, aliás, constataram Baltasar Lopes no ensaio “Uma Experiência Românica nos Trópicos” e Gabriel Mariano no ensaio “Nome de Casa e Nome de Igreja”, essas elites nativas transformar-se-ão no principal intermediário na veiculação no chão de Cabo Verde dos valores coloniais e de importantes componentes da cultura colonial lusitana vigente em Cabo Verde, incluindo da língua portuguesa, ao mesmo tempo que potenciarão a nobilitação da cultura caboverdiana, quer investindo na sua matriz euro-ocidental, muito sobrevalorizada, quer operacionalizando a sua disseminação, incluindo do idioma materno crioulo, pelas esferas consideradas mais nobres e pelos espaços mais elitistas da sociedade colonial implantada nas ilhas, e, assim, condicionando e, de certo modo, restringindo os processos de assimilação colonial. Elites formadas por seres-de-dois-mundos, compartilhados entre as mundividências incutidas pela cultura escolar de matriz colonial portuguesa e as vivências transmitidas pela cultura popular caboverdiana, em cujo resgate a pretensão da sua especificidade cultural e a legitimidade do seu papel de intermediação colonial encontrava sustento e  era sustentáculo, a sua alienação colonial, irrefutável, apesar de traços muito próprios provenientes de vivências pessoalmente experienciadas como autênticas, não pôde obliterar o sentimento de marginalidade, típica dessa alienação e patente quer na defesa do ideário de igualdade e de cidadania plena de todos os portugueses de lei (na sagaz terminologia dos nativistas, em especial de Pedro Cardoso), independentemente de serem metropolitanos (ou reinóis, na designação mais arcaica e antiga) ou coloniais (ou, ainda, ultramarinos, na denominação mais recente), quer nos propósitos cívico-políticos e identitários  luso-adjacentistas e luso-regionalistas claridosos. Muito ciosas da sua autonomia de iniciativa no solo das ilhas, autonomia essa historicamente conquistada e adubada em raízes de suor, sangue e persistência, mas assoladas pelas suas vulnerabilidades intrínsecas e pelas fragilidades das pobres ilhas que as viram nascer (expressão recorrente entre os letrados caboverdianos do período colonial), as elites culturais, económicas, burocrático-administrativas e sociais caboverdianas eram também muito dependentes da tutela colonial para a manutenção do seu estatuto de pequena-burguesia de serviços e de pequena-burguesia comercial, industrial e fundiária, isto é, das suas funções de intermediário social, económico e cultural entre o poder colonial e as populações, não só no chão das ilhas como também no quadro do império colonial português. Essas funções de intermediário social e político-intelectual (para utilizar um conceito operatório recorrente nos livros Intelectuais, Literatura e Poder, de José Carlos Gomes dos Anjos, e A Diluição de África (…), de Gabriel Fernandes)) surgiam, aliás, em plena congruência com o papel de plataforma transatlântica e entreposto inter-continental no trâfego e no comércio internacionais  que Cabo Verde desde muito cedo desempenhou, tanto no contexto, primeiramente, do tráfico negreiro e do comércio triangular transatlântico com base na cidade da Ribeira Grande e na vila da Praia, na ilha de Santiago, e na vila de São Filipe, na ilha do Fogo,  e, depois,  no contexto de reabastecimento dos navios a vapor como lugar optimamente localizado a meio-caminho entre as duas margens do Atlântico e com ancoragem no celebrizado Porto Grande da recém-nascida mas muito dinâmica cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, bem assim como lugar sediado na ilha da Boavista na Vila do Porto Inglês (mais tarde denominada Vila de Sal-Rei) de vigilância e controlo britânicos dos agora interditados tráfico negreiro transatlântico e comércio triangular de escravos e plataforma de reabastecimento dos navios baleeiros americanos localizada nas ilhas da Boavista, do Maio e do Sal (nestes dois últimos casos, sobretudo para o comércio do sal).

A acima referida função de  intermediário social e político-intelectual exacerba-se  paroxística e especialmente no quadro ultramarino do império colonial português pós-Acordo de Berlim e as suas famigeradas  deliberações de conquista e ocupação efectiva dos territórios africanos  eventualmente reivindicados como única fonte de legitimação da posse colonial desses  mesmos territórios com a reivindicação pelas elites caboverdianas de uma legitimidade luso-crioula que assentava no seu secular colaboracionismo com a mãe-pátria lusitana, como, aliás,  defende José Carlos Gomes dos Anjos na obra Intelectuais, Literatura e Poder, mesmo se, por vezes, expressando-se como um colaboracionismo rebelde, como complementa Gabriel Fernandes na obra da sua lavra acima referenciada.  

Enfatize-se, pois e de novo, que foram os constrangimentos estruturais da sociedade caboverdiana que forjaram, a um tempo, a sua independência identitária e o seu crónico défice de crença ou de confiança nas suas capacidades endógenas e autónomas de sobrevivência, como, aliás, também reconhece e sublinha Onésimo Silveira no texto supra-citado. Releve-se ainda que são esses constrangimentos que induziram tanto os nativistas clássicos como os nativistas claridosos para a pugna pela autonomia político-cultural e/ou pela adjacência político-cultural no quadro político-institucional do império colonial (ou, mais restritamente, do Estado-nação) português, numa óptica obsessivamente pragmática de plena valorização, não só da sua outorgada/conquistada cidadania lusitana como também do mínimo cultural compartilhado entre todos os cidadãos portugueses de lei, designadamente entre os portugueses africanos ou ultramarinos (como também se auto-representavam) e os portugueses reinóis/metropolitanos. É assim que, depois de ter reivindicado a autonomia político-administrativa para as ilhas de Cabo Verde no jornal Alvorada que fundara e dinamizara nos fins do século XIX durante o seu exílio nos Estados Unidos da América e no contexto eufórico da desagregação do império colonial espanhol e do separatismo boer na África do Sul, Eugénio Tavares viria a clamar depois, já na segunda década do século XX, nas páginas do jornal praiense A Voz de Cabo Verde, dando mostras de uma pragmática contenção, contra o que considerava o irrealismo delirante de uma reivindicação independentista: “Independência para essas pobres ilhas rochosas? Nem para hoje, nem para nunca!”. Como é sabido e conforme nos elucida de forma mais aprofundada a monumental obra A Imprensa Cabo-Verdiana (1842-1975), de João Manuel Nobre de Oliveira, Eugénio Tavares passou a concentrar-se, a par da continuidade na pugna da reivindicação da autonomia político-administrativa para as ilhas, na obtenção de um estatuto material de plena igualdade que fizesse jus à expressão por ele cunhada como sua preocupação maior, enquanto caboverdiano: “Portugueses irmãos sim! Portugueses escravos nunca!”. 

Relembre-se que um primeiro fervor anti-colonialista e mais vincadamente nacionalista cabo- verdiano se tinha rapidamente desvanecido e dissipado em face da voracidade de novas potências (neo-)coloniais emergentes, designadamente os Estados Unidos da América, em relação a alguns países das Américas e da Ásia, como Cuba, Porto Rico ou as Filipinas, aos quais, a par de outros domínios ibéricos, essas mesmas potências, designadamente a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América, tinham prestado ajuda com o fito da sua libertação do jugo colonial espanhol, usando, entre os outros, o slogan “A América aos Americanos”. É esse slogan, criado por Monroe, que inspiraria Eugénio Tavares no seu slogan “A África aos Africanos” na expressão, a partir do seu exílio americano, da sua inusitada veia regionalista  caboverdiana ou luso-ultramarina consubstanciada na sua reivindicação de autonomia político-administrativa para Cabo Verde. O desvanecimento e a dissipação de um primeiro fervor nacionalista encontra outrossim sustentáculo na subjugação das reivindicações do povo africander (afrikaaner no respectivo idioma afrikaans) da África do Sul pelo Império Britânico, numa época em que, salvo o caso exemplar mas trágico do Haiti e o caso falhado das Filipinas de Aguinaldo, o papel determinante, dirigente ou preponderante na desagregação dos impérios coloniais cabe às elites brancas crioulas nativizadas nas terras colonizadas das Américas, da África e da Oceânia. 

Num outro contexto e em face da moda da venda das colónias para saldar dívidas reinóis/ metropolitanas ou para satisfazer os interesses de potências ocidentais mais poderosas, apela o nativista Luís Loff de Vasconcelos a metrópole portuguesa ao abandono de jure das colónias à sua sorte (in João Nobre de Oliveira, obra citada), que é como dizer, ao seu próprio destino, tanto mais que a ligação às metrópoles coloniais só subsistiria por livre consentimento dos povos coloniais e o descaso no tratamento das questões caboverdianas era de há muito uma característica imputada negativamente à administração colonial portuguesa. Pese embora o seu amor filial a um pai severo e ingrato e, demasiadas vezes, negligente, Pedro Cardoso expressou, como é sabido (in João Nobre de Oliveira, obra citada), a sua preferência colonial pela albarda portuguesa em lugar da pata teutónica, pois que, para além do mais, seria mais fácil para os povos coloniais desenvencilharem-se dessa leve, conquanto ofensiva, sela lusa, quer num quadro ideal de plena igualdade formal e material entre cidadãos reinóis/metropolitanos e cidadãos coloniais/ultramarinos, quer numa mais longínqua e indesejada separação entre irmãos euro-africanos alegadamente uterinos, porque supostamente compartilhando da mesma cultura pátria e igualmente descendentes tanto dos antigos e bravos lusitanos como dos intrépidos navegadores quatrocentistas e quinhentistas. 

José Lopes, por seu lado, disse almejar ver independentes as nossas ilhas como já o eram as pequenas Andorra e San Marino, para, já no crepúsculo da sua longa e cívica e poeticamente muito produtiva vida, preferir vê-las afundar-se no Atlântico a deixarem de “ser portuguesas” (in João Nobre de Oliveira, obra supracitada). 

iv) Um novo entendimento do papel de (inter)mediação político-intelectual  a ser desempenhado por parte do denominado sector revolucionário da pequena burguesia caboverdiana. 

Esse sector das pequenas burguesias caboverdiana e guineense do período colonial foi instado a embrenhar-se num processo de suicídio de classe, enquanto categoria social duplamente marginalizada porque duplamente assimilada. Ainda que primacialmente pensado para um momento ulterior às independências políticas nacionais e, assim, à emergência da candente questão das vias políticas por que enveredar e dos modelos de sociedade a escolher pelo sector da pequena burguesia intelectual e burocrático-administrativa que viria a ter a oportunidade histórica de dirigir as lutas pela independência, a problemática do suicídio de classe do chamado sector revolucionário dessa pequena burguesia releva em toda a sua acuidade desde os alvores da luta pela libertação nacional. 

Conceito operatório chave no seu pensamento, por suicídio de classe entendia Amílcar Cabral a plena identificação do sector revolucionário da pequena burguesia intelectual e burocrático-administrativa com os interesses das classes trabalhadoras e das categorias sociais laboriosas mais humildes do povo e o seu consequente empenhamento nacionalista e revolucionário na defesa dos respectivos interesses. Fim essencial do suicídio de classe seria coarctar as naturais tendências da classe intelectual e burocrática de serviços para o emburguesamento e para a concomitante construção de laços económico-sociais, políticos e culturais de dependência neo-colonial em relação às classes dominantes do centro desenvolvido e imperialista. 

Considerado como resultando de um processo complexo e muito pouco linear, o suicídio de classe do sector revolucionário da pequena burguesia de serviços teria várias componentes (culturais, políticas, ético-morais e económico-sociais) e integraria várias etapas, mas teria sempre como pressuposto um essencial momento de consciencialização político-cultural que levaria necessariamente à ruptura com o sistema de dominação colonial, com os seus valores, os seus padrões culturais e os seus símbolos integrados na cultura colonial dominante. 

Significando o colonialismo invariavelmente o bloqueio da identidade cultural do povo colonizado e a alienação assimilacionista das suas elites letradas bem assim da sua pequena burguesia burocrático-administrativa de serviços, a consciencialização anti-colonial dos membros dessas mesmas elites letradas e pequeno-burguesas deveria necessariamente implicar um regresso (ou um retorno) às fontes autóctones da cultura nacional e a negação política global do estatuto dominante e opressivo da cultura colonial. 

Nesta óptica, considerava Amílcar Cabral que, embora historicamente pertinentes e, até, notáveis e admiráveis, enquanto fases necessárias no processo de consciencialização político-cultural das elites africanas e afro-descendentes, os movimentos intelectuais de regresso (ou retorno) às fontes e de renascimento negro e africano, como, por exemplo, a negritude e o pan-africanismo, deveriam ser superados mediante a cabal reivindicação da libertação nacional, social e cultural dos povos colonizados, sob pena de inconsequência cultural e de oportunismo político dos seus promotores e protagonistas, os quais não deixariam “de ser alienados culturais, mesmo se muito célebres” ( vide “O Papel da Cultura na Luta pela Independência”). 

Se tornarmos as lições teóricas de Amílcar Cabral extensivas ao caso caboverdiano poder-se-ia concluir que em Cabo Verde se teria assistido a um fenómeno complexo de dupla assimilação das elites letradas crioulas e da pequena burguesia burocrático-administrativa caboverdiana em geral. Relembre-se neste contexto que, como referido, Cabo Verde não fora muito particularmente focado pelo estratega e pensador nos dois volumes das suas Obras Escolhidas e em outras publicações conhecidas e largamente divulgadas da sua  autoria. Essa situação e a correlativa percepção da obra teórica e da obra prática de Amílcar Cabral viria a alterar-se radicalmente com a publicação, em 2015, do livro Cabo Verde - Cartas e Reflexões, de Amílcar Cabral, pela caboverdiana Fundação Amílcar Cabral. Com efeito e entre muitas outras candentes  e surpreendentes abordagens, o pan-africanista e bi-nacionalista caboverdiano-guineense Amílcar Cabral considera o caso identitário caboverdiano como  carecendo de um tratamento reflexivo  especial, por ser na  essência da sua génese assaz especial no quadro geral da dominação imperialista das colónias africanas, Essa mesma especialidade adveria, entre outras coisas, da circunstância histórica de, à semelhança das Antilhas e das Américas, mas sem o genocídio dos índios nativos,  Cabo Verde ter experienciado e vivenciado um longo e real período de cinco séculos de dominação colonial  e, por isso, abrangente de todas as fases do colonialismo, desde o mercantil até ao clássico.  É por isso, segundo Amílcar Cabral, que, em resultado da miscigenação cultural entre africanos e europeus no quadro da  sociedade colonial-escravocrata, o povo caboverdiano se teria constituído já no século XIX como uma entidade cultural singular e diferenciada com expressões culturais próprias como a língua crioula, podendo por isso ser qualificada como uma nação crioula atlântica susceptível de exercer o seu direito à auto-determinação e à independência políticas já nessa altura (tal como, aliás, efectivamente ocorreu com as populações europeias nativizadas nas três Américas e com uma parte importante  dos povos crioulos  nas Antilhas e nas Caraíbas), sendo ademais assaz relevante que essa fase independentista do outro lado do Atlântico é coincidente com a ocupação efectiva dos territórios africanos continentais e o início da dominação imperialista na sua forma  de colonialismo clássico nesses mesmos territórios.   

Tendo em conta os pressupostos acima  elencados e caracterizados, somos da opinião que a dupla assimilação da pequena burguesia caboverdiana no seu todo residiria: 

i) Por um lado, na sua condição de elite letrada e/ou burocrático-administrativa, isto é, de classe colonial de serviços, detentora de uma postura identitária largamente mimética em relação à cultura colonial portuguesa, dominante em Cabo Verde, e aos padrões comportamentais e simbólicos inculcados pela Escola e por outros aparelhos ideológicos do sistema colonial, em especial, pela Igreja Católica. A faceta dual e bifrontal  da pequena burguesia caboverdiana de serviços, ou de uma sua influente fracção, foi detectada por Gabriel Mariano no seu ensaio “Nome de casa e nome de igreja”, tendo a sua dimensão mimética e alienada sido particularmente diagnosticada, fustigada  e vituperada por A. Punói (pseudónimo de Manuel Duarte) no panfleto político, de excelente recorte estilístico, intitulado “Cabo Verde e a Revolução Africana” (constante do livro póstumo Cabo-Verdianidade e Africanidade, e Outros Textos, de 1998), bem como no celebrizado opúsculo anti-claridoso intitulado Consciencialização na Literatura Cabo-Verdiana, editado em 1963, pela muito festejada e historicamente relevante CEI - Casa dos Estudantes do Império e traduzido para o francês e publicado, em 1967, pelas Éditions Présence Africaine, sendo a sua autoria assumida primeiramente por Onésimo Silveira, mas, depois de algumas controvérsias e muitas tergiversações,  ficando-se a saber que o livrinho maldito (segundo as expressão de Gabriel Mariano) foi efectivamente elaborado e escrito por Manuel Duarte a partir de um outro texto de Onésimo Silveira a ser lido num encontro de intelectuais angolanos (como, aliás, expressamente revelado/corroborado pelo próprio Onésimo Silveira no livro de entrevistas concedidas a José Vicente Lopes e intitulado Onésimo Silveira: Um Mar de Histórias), podendo-se e devendo-se por isso considerar doravante o icónico livro-manifesto da primordial autoria de Manuel Duarte. 

ii) Por outro lado, na sua condição de pequena burguesia intelectual e burocrático-administrativa constituída no contexto histórico específico herdado da colonial-escravocracia e emanada de um povo também, ele próprio, sujeito durante toda a sua multissecular e, por vezes, trágica história à assimilação e à despersonalização culturais, primacialmente consubstanciadas nos reiterados intuitos e práticas visando primeiramente a ladinização dos escravos negro-africanos recém- desembarcados nas ilhas e, depois, o aportuguesamento da cultura caboverdiana entretanto estoicamente erigida no solo madrasto das ilhas. Como é por demais sabido, o aportuguesamernto da cultura caboverdiana  visava fundamentalmente a obliteração da dimensão africana da sua identidade, como logram fundamentar Manuel Duarte no ensaio “Cabo-Verdianidade e Africanidade”, no panfleto/manifesto  político-cultural “Cabo Verde e a Revolução Africana” e no livro Consciencialização na Literatura Cabo-Verdiana e Dulce Almada Duarte na comunicação “Os Fundamentos Culturais da Unidade”, apresentada ao Simpósio Internacional Amílcar Cabral, de 1983, e, depois e  com grande gabarito académico, Gabriel Fernandes na sua A Diluição de África (…), acima referenciada, e Em Busca da Nação (..),  bem como ainda por outros estudiosos e intelectuais caboverdianos, com destaque para a mesma Dulce Almada Duarte dos livros e de inúmeros ensaios publicados nas revistas RaízesFragmentos, Pré-TextosC(K)ultura e nos jornais Novo Jornal de Cabo VerdeVoz di Povo, Novo Jornal Cabo VerdeHorizontes, entre outras publicações periódicas nacionais e estrangeiras, bem como no volume contendo as Actas do Primeiro Simpósio Amílcar Cabral, realizado na cidade da Praia, de 17 a 20 de Janeiro de 1983, João Lopes Filho (dos mais de trinta livros publicados pelo autor, alguns dos quais indicados na Bibliografia do presente ensaio),  Manuel Veiga (dos muitos livros publicados pelo autor, alguns dos quais indicados na Bibliografia do presente ensaio), Tomé Varela da Silva (dos muitos livros de recolha de tradições orais e das finasons de Nha Bibinha Cabral, Nha Násia Gomi, Nha Gida Mendi e dos ensaios sobre a identidade cultural caboverdiana), Eduardo Cardoso (do seu estudo publicado em formato de livro sobre a variante de São Nicolau da língua caboverdiana, para além de ensaios avulsos sobre a língua caboverdiana), José Carlos Gomes dos Anjos (do livro sobre a literatura e as problemáticas do exercício do poder ao longo da História de Cabo Verde e dos seus ensaios avulsos sobre a mesma problemática), Daniel Pereira (dos livros sobre a História de Cabo Verde e, particularmente da ilha de Santiago nos séculos XVII, XVIII e XIX), David Hopffer Almada (dos livros sobre a problematização da identidade caboverdiana), António Leão Correia  e Silva (dos muitos livros sobre a História de Cabo Verde em especial sobre as suas cidades portuárias e sobre a emergência do campesinato caboverdiano,  incluindo os produzidos no âmbito dos trabalhos da Equipa para a Elaboração da História Geral de Cabo Verde), Zelinda Cohen (dos livros e dos ensaios avulsos sobre a configuração e a evolução do funcionalismo caboverdiano durante o período colonial-escravocrata, incluindo os produzidos no âmbito dos trabalhos da Equipa para a Elaboração da História Geral de Cabo Verde), Iva Cabral (do livro sobre as elites coloniais durante o período escravocrata,  incluindo os produzidos no âmbito dos trabalhos da Equipa para a Elaboração da História Geral de Cabo Verde, e dos ensaios avulsos da sua autoria  sobre a mesma problemática),  Ilídio Baleno (dos textos produzidos no âmbito dos trabalhos da Equipa para a Elaboração da História Geral de Cabo Verde e dos  ensaios avulsos  da sua autoria sobre a História de Cabo Verde),  Jorge Querido (dos livros e ensaios de questionamento especialmente das abordagens luso-tropicalistas e luso-crioulistas da identidade caboverdiana), Moacyr Rodrigues (dos livros e dos inúmeros artigos e ensaios avulsos sobre a música e alguns dos seus compositores e intérpretes, com destaque para a morna), César Monteiro (dos livros e dos inúmeros artigos e ensaios sobre os géneros musicais e os músicos caboverdianos), José Maria Semedo (dos livros, em co-autoria com Maria R. Turano, de abordagem da tabanca da ilha de Santiago e das festas da bandeira da ilha do Fogo e dos artigos e ensaios avulsos sobre expressões e aspectos vários da cultura caboverdiana), Germano Lima (dos livros e artigos e ensaios avulsos sobre a morna e a História da ilha da Boavista), Vasco Martins (do livro sobre a génese da morna), Margarida Martins (do livro sobre os instrumentos musicais caboverdianos),, João Branco (do livro sobre a Historia do teatro caboverdiano), Germano Almeida (do livro de viagens” à História caboverdiana), António Tavares (do livro sobre os géneros musicais caboverdianos), José Luís Hopffer Almada (do ensaio inserto no livro Deflagrações e outros inúmeros ensaios sobre as problemáticas da orfandade identitária e da afro-crioulidade na identidade, na cultura e na literatura caboverdianas), Mário Lúcio Sousa (do livro-manifesto  sobre a crioulidade caboverdiana e outros ensaios e documentários sobre a crioulidade em geral).  A esses autores de livros sobre  expressões e aspectos vários da identidade caboverdiana podem ser agregados não só os nomes de inúmeros autores estrangeiros que se debruçaram, por vezes de forma profissional, sobre a história, a cultura, a literatura e a língua caboverdianas mas igualmente os nomes  de outros autores caboverdianos que se têm evidenciado na abordagem da identidade caboverdiana e das suas várias manifestações culturais, quais sejam os escritores Eutrópio Lima da Cruz, Mário Fonseca, Danny Spínola, Filinto Elísio Correia e Silva e alguns outros antropólogos, sociólogos e linguistas residentes nas ilhas e  diásporas e autores de ensaios e artigos assaz relevantes insertos em livros ou publicados de forma avulsa sobre questões de identidade caboverdiana. 

 

No caso de Cabo Verde e tendo em grande conta as suas especificidades histórico-culturais, o suicídio de classe, agora visto na sua vertente cultural, visaria prioritariamente a superação do estado de alienação resultante da condição de ser-de-dois-mundos das elites letradas e da correlativa dupla assimilação da pequena-burguesia intelectual e burocrático-administrativa caboverdiana. Sublinhe-se que, por isso, a superação da dupla assimilação não deveria, em caso algum, ser confundida com uma qualquer perda da integridade, da originalidade e da singularidade crioulas da cultura caboverdiana. Como é sabido e evidente, a cultura caboverdiana pode  ser definida como síntese antropológico-cultural e diaspórica das matrizes continentais afro-negras e euro-ocidentais iniciais ocorrida num processo longo e doloroso no chão afro-atlântico do sahel insular caboverdiano, podendo por  isso ser considerada como  perfazendo dos pontos de vista identitário e antropológico uma característica situação de homem-de-entre-dois-mundos (ainda aplicando a expressão cunhada por Manuel Ferreira no texto acima citado, ainda que partindo de bases de reflexão assaz diferentes e por vezes opostos). 

Assim, a superação da dupla assimilação da pequena-burguesia intelectual e burocrático-administrativa  (ou de uma sua importante fracção) nunca poderia significar uma qualquer diluição da cultura caboverdiana em culturas continentais negro-africanas ou euro-ocidentais. Dito de outro modo: essa superação não poderia, por qualquer forma, implicar o desembocar da identidade cabo-verdiana numa das duas situações seguintes: 

  1. o seu retrocesso quer à primordial co-matriz afro-negra chegada às ilhas e, depois, renovada por sucessivos apports e levas de novos escravos negro-africanos durante todo o período da subsistência do tráfico negreiro e da sociedade colonial-escravocrata, quer ainda à inicial co-matriz cristã euro-ocidental , e, assim, ao estado em que a cultura caboverdiana (ou, melhor, a cultura proto-caboverdiana) se encontrava nos períodos iniciais do já remoto passado escravocrata, isto é, na ante-madrugada do seu nascimento, segundo a bela expressão poética utilizada por Osvaldo Alcântara no poema “ A terra roxa de massapé”.  
  2. aceitação da matriz euro-ocidental, no sentido utilizado por Artur Ramos e retomado por Baltazar Lopes da Silva, significando a capitulação da cultura caboverdiana perante a cultura europeia colonial, inicialmente imposta a escravos despidos de retaguarda social e, depois, sucessivamente actualizada e tornada dominante durante todo o tempo de duração da dominação estrangeira mediante a prática reiterada das políticas coloniais de assimilação cultural. É essa cultura colonial dominante que é, aliás, objecto principal da pugna anti-assimilacionista e, assim, da contestação cultural anticolonial. 

Como é sabido, tanto a inicial matriz afro-negra e a sua re-alimentação étnico-cultural e étnico- racial, frequentemente ocorrida durante todo o período do tráfico negreiro, como também a primordial matriz euro-ocidental, depois re-actualizada como cultura colonial dominante,  foram reelaboradas, ambas, na medida em que foram expurgadas do seu carácter estranho e estrangeiro e interiorizadas pelos actores sociais caboverdianos mediante os processos antropológicos e sociológicos que perfizeram a mútua diluição de ambas as co-matrizes culturais iniciais numa nova identidade cultural e conduziram à emergência e à plena consolidação em Cabo Verde de uma crioulidade historicamente constituída e insularmente diferenciada. 

No plano da identidade cultural, o processo de suicídio de classe deveria ser, pois, entendido sobretudo como processo de catarse e des-alienação culturais, primacialmente dirigido contra as políticas coloniais de assimilação. Para o caso particular de Cabo Verde, o mesmo processo visaria, antes de mais, um duplo objectivo: 

  1. i.A assunção consciente e deliberadamente pensada da cultura caboverdiana na integridade da sua historicidade e da sua completude crioula, incluindo a sua dupla matricialidade afro-latina (ou, dito de  outro modo, negro-europeia) e, assim e, também, necessariamente, com inclusão das manifestações e  expressões culturais crioulas e sincréticas radicadas tanto na co-matriz afro-negra como igualmente na co-matriz euro-ocidental, mas com necessária superação do mimetismo colonial eurocêntrico e patente com particular evidência em certos sectores mais lusitanizados das elites letradas caboverdianas, e, aliás, ainda persistente nos tempos pós-coloniais das elites intelectuais e burocrático-administrativas crioulas nativas e das burguesias compradoras neo-colonias caboverdianas.  

Referindo-se aos objectivos da luta de libertação (bi)nacional da Guiné e de Cabo Verde escreve Cabral, na sua “Análise de Alguns Tipos de Resistência”, que o seu essencial fundamento residiria na vontade dos dominados no sistema colonial (incluindo os letrados e os funcionários coloniais nativos) em demonstrar que não éramos “portugueses, mas africanos da Guiné e de Cabo Verde”. Deste modo, essa primeira expressão do complexo e controverso processo do suicídio de classe devidamente aplicado ao caso caboverdiano visaria fundamentalmente a subjectivização por parte dos sectores nacionalista e revolucionário da pequena-burguesia caboverdiana de serviços da sua inaceitável condição de colonizados e da sua correlativa marginalização histórica, e, assim, a superação da dupla assimilação, ainda e essencialmente por via da consciencialização política e cultural. 

ii. Sequente a esse processo de consciencialização, os integrantes da fracção  mais nacionalista da pequena-burguesia crioula caboverdiana poderiam, livres da alienação assimilacionista inculcada pelo conjunto totalizante do sistema de dominação colonial, ressuscitar como trabalhadores intelectuais e actores sociais progressistas de pendor socialista e/ou revolucionário, largamente identificados com as camadas mais simples, humildes e anónimas do povo laborioso e trabalhador e com as suas justas aspirações à felicidade e ao resgate da liberdade do seu processo histórico, da integridade da sua cultura e da sua dignidade humana espezinhada, contra as chagas maiores do sistema colonial que, segundo Amílcar Cabral, seriam a disseminação entre o povo explorado e oprimido da quotidiana humilhação, da pobreza, da miséria, das doença, da ignorância e do medo generalizados. A par desse processo de suicídio de classe mediante a identificação do sector progressista e revolucionário da pequena-burguesia intelectual e burocrático-administrativa com os interesses perenes e de longo prazo das largas massas populares, tem lugar um outro e concomitante processo histórico-social resultante da eventual opção político-estratégica socializante do movimento de libertação nacional e social para se contrapôr à eventual deriva ou degeneração neo-colonial do processo emancipatório que veio a culminar nas independências políticas e nas soberanias bi-nacionais das Repúblicas irmãs de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, previsivelmente em processo de concretização do projecto da sua gradual e paulatina unificação orgânica na pátria africana progressista e solidária pensada e sonhada por Amílcar Cabral:  as franjas e os sectores mais assumidamente patrióticos da pequena-burguesia possidente  no quadro colonial caboverdiano encetam o processo histórico do seu emburguesamento, todavia não no sentido da sua conversão numa burguesia burocrática e compradora dominante dos de vista económico, social, cultural e político, e em necessária aliança com o capital monopolista financeiro internacional e transnacional como é característico dos sistemas neo-coloniais, mas no sentido da sua reconversão a uma verdadeira burguesia nacional, empreendedora, nacionalista e identificada com os interesses e as  necessidades de desenvolvimento da sociedade e do povo caboverdianos na sua totalidade, deste modo contribuindo ela também para a liberdade de desenvolvimento das forças produtivas nacionais e, deste modo, para a retoma desenvolvimentista  e em liberdade do processo histórico caboverdiano e para a consolidação e o enriquecimento da cultura crioula caboverdiana como cultura nacional, patriótica, científica, humanista e  universalista, tal como propugnado por Amílcar Cabral.   

  1. 3.Municiados com as lições leninistas sobre o imperialismo, enquanto estádio superior do capitalismo e especialmente analisado nas suas manifestações financeiras  e monopolistas de estado e na sua expressão dominadora, espoliadora  e opressiva dos povos colonizados e semi-colonizados enquanto dominação imperialista, e as suas fundamentadas reflexões e ilações sobre a questão colonial e a questão nacional, todas elas devida e criticamente assimiladas por Amílcar Cabral, munidos com as consequentes conclusões referentes ao pan-africanismo político saído do Congresso de Manchester de 1945 pela voz de Kwame Nkrumah, com o veemente anti-colonialismo da Conferência de Bandung, com as experiências chinesa, vietnamita, argelina e cubana respeitantes à condução de guerras de libertação nacional e social de longa duração, armados ademais com os ideários nova-largadistas de consciencialização política e de catarse cultural de matriz nacionalista pan-africanista, os modernos apóstolos e émulos do nacionalismo caboverdiano viriam a transfigurar, a partir dos anos quarenta e cinquenta do século passado, o slogan nativista A África aos Africanos (como já referido, proclamado por Eugénio Tavares durante o seu exílio norte-americano para a conclamação dos seus conterrâneas para a solução dos interesses maiores da sua terra por via da autonomia político-administrativa no quadro do Estado português e do seu império colonial, desejavelmente reorganizado nos ditames do direito de auto-determinação de populações ditas civilizadas), despindo-o todavia das vestes, das conotações, dos contornos e dos conteúdos semânticos que remetiam o termo africano para uma regionalidade geográfica e cultural luso-ultramarina radicada nas ilhas e/ou nas terras firmes do império colonial português situadas em África, na Ásia e na Oceânia. 

A conclamação/proclamação proto-nacionalista e pan-africanista de Eugénio Tavares e dos demais  nativistas caboverdianos será plenamente assumida pelos modernos nacionalistas pan-africanistas caboverdianos, devidamente munidos de propósitos de inequívoca ruptura anticolonial e de integral reivindicação da identidade nacional crioula do povo caboverdiano, incluindo das suas matrizes afro-negras e de todas as suas facetas, vertentes e dimensões afro-crioulas, numa coerência que, já no período pós-25 de Abril de 1974, também avassalará e submergirá as derradeiras reminiscências do regionalismo político adjacentista/regionalista neo-claridoso, constante do opúsculo Cabo Verde e o seu Destino Político, de Henrique Teixeira de Sousa, editado pelo autor em Junho de 1974. 

A identidade antropológico-cultural caboverdiana é, por sua vez, entendida como emanando de uma cultura nacional, auto-referente, conquanto dominada pela cultura colonial portuguesa na medida em que a dominação colonial portuguesa mantém necessariamente dominado o processo histórico do povo que, no bojo da sociedade colonial-escravocrata erigida nas ilhas de Santiago e do Fogo, inventou a crioulidade enquanto expressão da mestiçagem e a fusão culturais das culturas afro-negras e euro-ocidentais chegadas no século XVI ao antropologicamente virgem e deserto Novo Mundo representado pelo arquipélago atlântico peri-africano, aprisionando o nascente povo afro-crioulo caboverdiano na sua subalterna inserção nas malhas opressivas do sistema colonial e sufocando todas as potencialidades do pleno desenvolvimento da sua cultura, na medida em que mantém sufocadas as suas forças produtivas e respectivas sinergias motrizes e energias criadoras. 

Deste modo, considera Amílcar Cabral que no contexto do sistema colonial vigente por mais de cinco séculos em Cabo Verde, sobrevem uma contradição fundamental antagónica entre a nacão-classe caboverdiana, constituída por todas as classes, camadas e categorias sociais arquipelágicas portadoras da identidade crioula nativa característica das ilhas caboverdianas, e a classe colonial, integrada pelos raros/escassos colonos europeus e pelos representantes portugueses do poder colonial (incluindo os seus aparelhos ideológicos, com destaque para a Igreja católica, apostólica, romana), portadores, disseminadores, veiculadores e defensores da imposição sem partilha nos espaços oficiais do poder colonial da cultura estrangeira portuguesa, como dito anteriormente, historicamente tornada dominante e sempre re-actualizada no seu estatuto colonial privilegiado e opressivo. Nesses seus papel e função opressivos, os representantes do poder e da cultura coloniais aliam-se estreitamente aos letrados e funcionários públicos, em especial àqueles colocados nos  mais altos escalões sociais, muito propensos ao assimilacionismo colonial  no seu entendimento e na sua interpretação de Cabo Verde como um Portugal crioulo e trespassados pelo ideário de branqueamento da cultura e da identidade crioulas caboverdianas, como, aliás, sustenta de modo convincente e de forma veemente A. Punói (pseudónimo de Manuel Duarte) no panfleto acima referido intitulado “Cabo Verde e a Revolução Africana”. Como constituíram substância fundamental e intuito expresso e deliberado desse texto, a um tempo panfleto  e manifesto político-culturais dirigido ao conjunto do povo das ilhas, a contestação e a abjuração das seculares políticas coloniais de assimilação cultural do povo caboverdiano ao povo português e a  denúncia dos projectos de  reformismo colonial  levados a cabo no conjunto do império colonial português (como, por exemplo, a extinção do estatuto do indigenato, o fim dos trabalhos forçados, o fomento da industrialização colonial e o incremento  das obras e dos trabalhos  públicos ), sendo que algumas das reformas coloniais foram pensadas para serem aplicadas especialmente ao arquipélago caboverdiano, como o considerado pelas elites caboverdianas lideradas pelo Engenheiro Duarte Fonseca demasiado tardio e politicamente extemporâneo, por isso, rejeitado estatuto de adjacência político-cultural e administrativa de Cabo Verde a Portugal, anunciado, em 1962, durante a sua longa visita  de um mês efectuada a todas as ilhas de Cabo Verde (incluindo a desabitada  ilha de Santa Luzia) por Adriano Moreira, então  (de 1960-1962)  Ministro do Ultramar num dos governos do Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar e do Presidente da República Américo de Deus Rodrigues Tomás. A reivindicação da liberdade de se apossar soberanamente do processo histórico, como realça o discurso cabraliano, será doravante entendida como sinónima tanto do resgate da dignidade africana do colonizado, por demais vilinpendiada no seu direito básico de existir segundo os seus próprios modelos culturais e a sua própria historicidade identitária, como também de todos os pressupostos políticos e culturais da produção desalienada das condições de emergência de um ser humano reconciliado com a sua história e com a sua cultura e liberto do estado de subjugação provocado pela dominação colonial e pelo subdesenvolvimento crónico. 

 

por José Luís Hopffer Almada
A ler | 22 Janeiro 2023 | Amílcar Cabral, Cabo Verde, Guiné, Independência, libertação, nativismo, PAIGC