Um sonho verde

Um sonho verde Penso nas pessoas talentosas que não têm acesso aos holofotes do mundo e que, no seu quartinho à noite, inventam músicas ao violão, e que por vezes em cima de escombros e entulho, ou entre paredes partilhadas com famílias inteiras, esboçam a lápis a sua visão. Que por falta de dinheiro, saúde, ou oportunidade, jamais terão uma plateia. Que paisagens percorrem as suas mãos quando tateiam o escuro? Que navios e estrelas, fogueiras e catedrais povoam os seus sonhos neste preciso momento? E penso nestes macacos que observei, fêmeas que migram e vagueiam durante anos isoladas na floresta, a quem foi roubado o direito de ter uma família. Com o consolo de saber que a natureza é a verdadeira guardiã do tempo, será somente ela a trazer a lava para cobrir as mãos, e a fazer vingar de novo o verde sobre o asfalto.

Mukanda

12.11.2025 | por Rita Brás

Ver é um verbo demorado. Ensaio neocolonial sobre tempos, olhares e desconfortos.

Ver é um verbo demorado. Ensaio neocolonial sobre tempos, olhares e desconfortos. Na sala de montagem, trabalhava-se numa sequência de vinte minutos que não chegaria à versão curta, o mesmo é dizer de 217 minutos. No ecrã: três corpos, três temperamentos. Conversavam, provocavam-se, mediam-se. Vi em silêncio por meia hora, enquanto o Pedro discutia opções com a montadora. Visto de fora, pareceu-me uma cena magnética, em que nada acontecia e tudo acontecia. Pensei que é assim que a realidade respira quando não é obrigada a caber num guião. Numa cena lenta, tensa e viva. Vinte minutos, e nem um a mais do que precisava. Pinho monta como quem tenta ressuscitar o tempo. Deixa o ar mover-se, o pulso palpitar, o olhar perder-se e regressar. Não corta para acelerar, corta para ser honesto. É um gesto radical, hoje, num mundo onde até a indignação precisa de caber num clip.

Afroscreen

24.10.2025 | por Pedro José-Marcellino aka P.J. Marcellino