Quando a música é Queer

Quando a música é Queer Qualquer tentativa de definir uma «música queer» no contexto português depara-se, desde logo, com uma realidade: não existe entre nós uma frente assim identificada. O que verificamos no tecido musical do país é a gestação de algo que, de uma forma ainda disseminada e desorganizada, anuncia uma tendência. Tentamos juntar as peças desse puzzle e compreender o que está a acontecer no exato momento em que ocorre e não a posteriori, algo que caracteriza, infelizmente, a musicologia. Como o que se vai ouvindo vem de muito distintos núcleos de criação, raras vezes com oportunidades de confluência (concertos nos mesmos espaços, por exemplo), de uma frente não se trata. A motivação para escrever este capítulo está na possibilidade de, juntando microrrealidades específicas, tentar revelar o que as une.

Corpo

05.09.2022 | por Rui Eduardo Paes e Alix Didier Sarrouy

Quando os diabos dançam

Quando os diabos dançam Num momento indeterminado na costa do Pacífico da Nova Espanha, atual México, escravos africanos disfarçaram-se de diabos e desfilaram pelas ruas de pequenos povoados. Pediam aos deuses ancestrais a liberdade. Com máscaras de seres do inframundo e à cadência de harmónicas e puítas reinventadas, criaram a Dança dos Diabos. O ritual é uma das expressões máximas dos afromexicanos, minoria invisibilizada durante séculos e que só em 2019 foi oficialmente reconhecida com povo originário.

A ler

02.09.2022 | por Pedro Cardoso

Festival "Todos - Caminhada de Culturas" 2022

Festival "Todos - Caminhada de Culturas" 2022 Pouco a pouco, habitamos esse pedaço grande da cidade, ali colhendo memórias, visíveis e invisíveis, para voltar a afirmar o valor da interculturalidade e a importância das gentes de Santa Clara no desenvolvimento da capital. Nesta 14.ª edição do TODOS, convidamos a olhar Santa Clara como um centro de onde a cidade irradia, na certeza de que, juntando diferentes ideias, emoções e vontades, poderemos continuar a Acertar o Mundo. Depois de um primeiro ano de trabalho, queremos agora amplificar artisticamente essa experiência, ajudando a romper com o entorpecimento da quotidianidade para evitar que cada um se torne prisioneiro de lugares-comuns e das ideias que já conhece.

Palcos

01.09.2022 | por vários

O Turista

O Turista No resort, o turista aborrece-se com a vida de papo para o ar, entre mulheres flácidas fazendo selfies, famílias empertigadas, comida monótona, piscina o tempo todo. A zona de animação oferece apenas o desinteresse de casais entediados, ou um grupo de colegas bancários embebedando-se ruidosamente. O ilhéu pouco tem da África com que ele tanto sonhara (à exceção da paisagem impressionante, mas essa assemelhava-se a algum recanto do Brasil). Dos habitantes locais, todos expulsos por um trocos para construirem casinhas e libertarem o ilhéu para os turistas.

Mukanda

01.09.2022 | por Marta Lança

Cidade e Feminismos | Políticas e poéticas do espaço urbano

Cidade e Feminismos | Políticas e poéticas do espaço urbano Partindo de perspectivas feministas interseccionais do espaço urbano e da arquitectura, Cidade e feminismos pretende criar um espaço de partilha de diferentes investigações, práticas e vivências da cidade que contribuam para enriquecer o debate sobre o espaço urbano em Portugal. Fundadas no cuidado, no reconhecimento das diferentes necessidades e vivências dos corpos e na participação colectiva, estas formas de conceber a arquitectura e criar cidade são fundamentais para repensarmos os problemas e fracassos do modo como se tem pensado e construído o espaço urbano. Particularmente num momento em que o contexto pandémico que atravessamos expôs e intensificou as fragilidades e contradições urbanas, e em que, ao mesmo tempo, assistimos a uma crescente gentrificação e neoliberalização do espaço público das cidades em Portugal.

Cidade

31.08.2022 | por Catarina Botelho e Joana Braga

Pré-publicação | Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem

Pré-publicação | Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem Começou por me dar um banho no qual flutuavam raízes fétidas, deixando a água escorrer ao longo dos meus membros. Em seguida, fez-me beber uma poção da sua lavra e atou-me à volta do pescoço um colar feito de pedrinhas vermelhas. — Hás-de sofrer durante a tua vida. Muito. Muito. Estas palavras, que me mergulharam no terror, pronunciou-as com calma, quase a sorrir. — Mas vais sobreviver. Isso não me consolava! Ainda assim, emanava uma tal autoridade da pessoa curvada e enrugada de Man Yaya, que eu não ousava protestar. Man Yaya ensinou-me as plantas. Aquelas que dão o sono. Aquelas que curam as chagas e as úlceras. Aquelas que fazem confessar os ladrões. Aquelas que acalmam os epilépticos e os mergulham num bendito repouso. Aquelas que metem nos lábios dos furiosos, dos desesperados e dos suicidas palavras de esperança. Man Yaya ensinou-me a escutar o vento quando ele se levanta e mede as suas forças por cima das cubatas que se prepara para esmigalhar. Man Yaya ensinou-me o mar. As montanhas e os montes. Ensinou-me que todas as coisas vivem, têm uma alma, um sopro. Que todas as coisas devem ser respeitadas. Que o homem não é um soberano percorrendo o seu reino a cavalo.

Mukanda

27.08.2022 | por Maryse Condé

Exposição Desvairar 22 I São Paulo

Exposição Desvairar 22 I São Paulo Esse jogo entre imaginação e história, que é a regra, se acirra quando o que está em questão é uma circunstância como a Semana de Arte Moderna de 1922, concebida por seus organizadores, desde o início, como parte dos festejos do centenário da Independência do Brasil, isto é, ela mesma já, em alguma medida, uma comemoração e, portanto, um exercício de imaginação histórica. A fábula básica era, então, de que, se 1822 representou a independência política, 1922 realizaria a independência cultural.

Vou lá visitar

26.08.2022 | por Marta Mestre, Veronica Stigger e Eduardo Sterzi

Pré-publicação | Mudança Estrutural em África

Pré-publicação | Mudança Estrutural em África Historicamente, África tem sido retratada numa perspectiva que não faz jus à verdadeira dimensão das suas conquistas em termos de desenvolvimento. Embora o seu território abranja mais de 30 milhões de quilómetros quadrados, a projecção de Mercator representou o continente africano com as mesmas dimensões que as da Gronelândia, que é 14 vezes mais pequena. A descrição cartográfica do mundo feita por Mercator, datada de 1569, tornou‑se uma das projecções mais influentes e amplamente difundidas ao longo dos séculos xix e xx. Houve quem defendesse que a intenção inicial era sobretudo proporcionar aos marinheiros uma ferramenta de navegação, devido à facilidade de assegurar a precisão dos formatos e dos ângulos, mas o certo é que esta descrição acabou por se tornar o mapa mundial mais reconhecido, aparecendo como pano de fundo nos jornais televisivos, na decoração de paredes das casas, em murais e na capa de muitos atlas.

Mukanda

22.08.2022 | por Carlos Lopes e George Kararach

“The Satanic Verses”. O livro que obrigou o mundo a distinguir a realidade da ficção

“The Satanic Verses”. O livro que obrigou o mundo a distinguir a realidade da ficção Salman Rushdie não inventou os versículos satânicos. O título da obra que maior alvoroço causou na história recente refere-se a um episódio problemático nas próprias fontes do islão. Na origem da controvérsia está uma passagem do Alcorão (o versículo 53:21,22), que em parte terá sido corrigida depois de o profeta Maomé ser tentado por Satanás, proferindo palavras que admitiam a existência de outras entidades divinas além de Alá.

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18.08.2022 | por Diogo Vaz Pinto

Natália Luiza e Miguel Seabra | Nos 30 anos do Teatro Meridional

Natália Luiza e Miguel Seabra | Nos 30 anos do Teatro Meridional Acho que há um modo de trabalhar e um reconhecimento do espetáculo “Meridional” que passam por aquilo que considero três elementos basilares: o afeto, o rigor e exigência e a vontade do espanto. Isto é, no Meridional o espetáculo tem duas fases: o seu levantamento, até à estreia; e depois, a sua carreira, acompanhada de perto enquanto organismo vivo que é, logo necessariamente mutável. Essa mutabilidade deve corresponder, para nós, a um crescimento no sentido vertical, não a uma engorda, o que é, aliás, muito comum acontecer.

Cara a cara

16.08.2022 | por Frederico Bernardino

Espanha Negra | Viagem à negritude no espaço-tempo

Espanha Negra | Viagem à negritude no espaço-tempo "Black Spain" -EN- é uma investigação colectiva e situada, proposta pelo LAB da Rádio África, num momento de despertar da negritude espanhola em que prevalece a necessidade de incorporar novas histórias e discursos na esfera pública. O título "España Negra" (Espanha Negra) é uma provocação que toma como referência o livro "España Pagana" (Pagain Spain) que o escritor afro-americano Richard Wright publicou após as suas visitas a Espanha nos anos 50. Um texto controverso pelo qual é acusado de desenhar uma Espanha cheia de estereótipos, e que o New York Times chamou de "provocador e perturbador". Partindo da ideia dos estereótipos e da ignorância como elemento para configurar imaginários sociais, EN pretende traçar o rizoma da negritude em Espanha, questionando e fracturando o imaginário do sujeito negro que foi criado durante séculos. Um imaginário perturbador e provocador que causou uma verdadeira consternação em muitas vidas, e que permaneceu inquestionável, ou que foi escondido ou apagado.

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15.08.2022 | por Tânia Adam

Potential History: Unlearning Imperialism, de Ariella Aisha Azoulay (2019)

Potential History: Unlearning Imperialism, de Ariella Aisha Azoulay (2019) A violência institucionalizada molda quem as pessoas são – tanto as vítimas como os perpetradores – a ponto de apenas a recuperação da condição de pluralidade a poder desfazer. Isto remete para o direito mais básico imanente à condição humana, que o imperialismo compromete constantemente: o direito a não agir contra outros; ou na sua formulação positiva: o direito a agir lado a lado e uns com os outros. Aceitar este direito nas suas duas formas como fundamental é necessário para imaginar as reparações para que bênção de ser activo e reparar o que foi quebrado possa ser alcançada.

Mukanda

11.08.2022 | por Ariella Aisha Azoulay

Coleções “Jardim da Vitória”

Coleções “Jardim da Vitória” Ao longo de 10 anos uma equipa constituída por artistas visuais, antropólogos, arquitetos, designers, engenheira agrónoma, participaram e realizaram um conjunto de projetos artísticos, documentais e cinematográficos no bairro da Quinta da Vitoria, com o pressuposto de contribuir para uma representação mais inclusiva destas comunidades. Ao mesmo tempo que o bairro foi sendo construído pelos próprios moradores, foi crescendo uma barreira invisível que o delimita da cidade. Esta divisão crescente, preconceitos e representações abstratas, contribuíram para a exclusão social e cultural destas comunidades.

Cidade

10.08.2022 | por Sofia Borges

Em Kassel

Em Kassel Como propaganda, a Justiça Popular não é complexa. À direita estão os simples cidadãos, aldeões e trabalhadores: vítimas do regime. À esquerda estão os autores dos crimes e os seus cúmplices internacionais. Os representantes dos serviços de inteligência estrangeiros - a ASIO australiana, MI5, a CIA - são representados como cães, porcos, esqueletos e ratos. Existe mesmo uma figura com o rótulo "007". Uma coluna armada marcha sobre uma pilha de crânios, uma vala comum. Entre os perpetradores encontra-se um soldado com cara de porco, usando uma Estrela de David e um capacete com "Mossad" escrito. Ao fundo, um homem com cachos laterais, nariz torto, olhos ensanguentados e dentes de vampiro. Veste um fato, fuma charuto e o chapéu tem as iniciais "SS": um judeu ortodoxo, representado como um banqueiro rico, em julgamento por crimes de guerra - na Alemanha, em 2022.

A ler

10.08.2022 | por Eyal Weizman

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (8)

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (8) Paula Cardoso e Manuel Arriaga trazem-nos ferramentas para a liberdade e a garantia de memória futura, pela acção e empoderamento cívico.

Palcos

09.08.2022 | por vários

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (7)

Temos de Falar, à conversa com Gisela Casimiro (7) Maria Giulia Pinheiro é escritora, poeta, performer e pesquisadora feminista. Irmà Estopiña é poeta e arte-terapeuta/psicoterapeuta. Juntas organizam há alguns anos a "Ginginha Poética", um exercício de poesia comunitária e celebratória que emprestam ao Temos de Falar.

Palcos

09.08.2022 | por vários

Imigrantes versus refugiados: dividir para reinar

Imigrantes versus refugiados: dividir para reinar A conceção liberal de refugiado tem um efeito prático inegável: segrega. Deixa poucos direitos aos refugiados e nenhuns aos migrantes económicos. A criação destas categorias, baseadas, muitas vezes, em artificialismos, permitem, à partida, escolher as pessoas, aquelas que merecem, ou não, o nosso apoio. Que merecem, ou não, ser salvas. E, ao catalogá-las permanentemente, estamos a desprovê-las de capacidade reivindicativa, a inibir qualquer mobilização coletiva. A despojá-las do direito a ter direitos.

Jogos Sem Fronteiras

09.08.2022 | por Mariana Carneiro

Por um mundo sem fronteiras

Por um mundo sem fronteiras O imaginário da invasão tem alimentado uma espécie de “psicose coletiva”, baseada no medo do outro, do desconhecido, na propalada ameaça permanente do terrorismo. E este espectro da invasão serve como justificação para a construção de muros e vedações que aumentam a brecha entre nós e os outros, que alimentam os nacionalismos excludentes e os discursos e práticas xenófobos e racistas tão acarinhados pelos movimentos de extrema-direita.

Jogos Sem Fronteiras

09.08.2022 | por Mariana Carneiro

Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem

Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem A constante desumanização das pessoas escravizadas é aqui desconstruída à medida que pela voz de Tituba (Eu, Tituba, Bruxa ….Negra de Salém) a história do mundo e das zonas de contacto (Mary Louise Pratt) no século XVII se tornam percetíveis. Há neste livro de Maryse Condé a instalação de um processo de rutura que subverte a tradição literária dominante e instaura uma nova identidade e uma capacidade de negociação entre margens e centros. Tituba, mulher de múltiplas iniciações, acrescenta à história a voz dos que não costumam falar, dos que não constam da história a não ser como estatísticas. Tributária do sistema de pensamento e cura Obeah (Obi) usa os seus poderes para curar, proteger e amar. Confessa-se Bruxa e servidora porque não há outra maneira de ser entendida pelos juízes que a julgam. Sabe que o espaço do meio que conhece não pode ser percebido pela cultura dominante e pela histeria coletiva que dominou a terra onde vivia.

Mukanda

03.08.2022 | por Ana Paula Tavares

Planta baixa do corpo alto

Planta baixa do corpo alto Em mil quatrocentos e qualquer coisa, ao desembarcarem de seus barcos usando suas pernas em território americano, humanos usaram seus braços para carregar até os barcos coisas que não eram suas, depois usaram seus barcos para levá-las embora. Fizeram este movimento de braços e barcos por séculos Acredita-se que os braços humanos podem ter processado um esticamento por excesso de uso. Usa-se braços para fazer o sinal da cruz.

Corpo

02.08.2022 | por Manuella Bezerra de Melo