Djam Neguim artista cabo-verdiano: “Só é possível um futuro em que todes existam de todas as formas”
Djam Neguim é um artista multidisciplinar cabo-verdiano que vem ao Porto, ao Festival DDD - Dias da Dança - apresentar o solo Ná Ná, o segundo de uma série de espetáculos em que desconstrói as práticas musicais e de dança tradicionais, como é o caso do Funaná. O trabalho artivista de Djam Neguim foi pretexto para uma conversa que reflete a imaginação de um futuro queer e afrofuturista como resposta ao colonialismo do passado e à racialização do presente. Para Neguim, o futuro disputa-se agora, “daqui a cinco minutos, daqui a cinco horas, daqui a cinco dias”.
Náná é o sufixo de Funaná, uma dança e música com origens na ilha de Santiago, música forjada sobretudo por homens, no mundo rural, onde as mulheres têm um lugar mais passivo. A proposta de Djam Neguim consiste numa distorção destas “normatizações” da cultura cabo-verdiana, ainda muito rígida. “Com o meu trabalho tento romper com estas representações folclóricas e turísticas”, refere na nossa conversa que aconteceu pelas plataformas digitais.
A vinda ao Porto é também o pretexto para o lançamento do seu mais recente single “Bom Feeling” e a apresentação do videoclipe, lugar de síntese de visualidades e sonoridades que Djam Neguim gosta de explorar de forma total e sem caminhos fixados.
O seu percurso tem sido feito destas interdisciplinaridades onde cabe a palavra, a literatura, a imagem em movimento, o som e os corpos, possíveis e os imaginados. “A estética para mim é maior do que as formas em que essa estética vai ser performada” declara Djam Neguim que entrecruza linguagens, da música ao vídeo, da performance à literatura. Confessa que a sua proposta lhe tem custado alguns confrontos culturais no seu próprio país. A começar pelo nome artístico que virou nome próprio, de “afeto” como refere. Djam vem do estilo jamaicado de música que abraçou em Cabo Verde no regresso de anos a viver em Portugal. Depois colocou-lhe Neguim para afirmar a sua negritude. Mas Djam Neguim é contestado permanentemente por essa afirmação.
“Sou diariamente questionado em relação ao nome porque as pessoas insistem em diser que eu não sou negro, as pessoas percepcionam-se como branco”, realça. O contexto cabo-verdiano permeado por um colorismo em que a afirmação da negritude é vista como negativa, ver um artista de pele clara a afirmar a sua negritude relança o debate sobre essa categoria política da negritude ainda em afirmação. Mas Djam Neguim quer ir além das percepções, quer colocar questões sobre essas continuidades “coloniais”, colonialidades dos corpos, das palavras e das ações, num tempo político de pós-colonialidade. O trabalho musical “Branco Badiu” coloca o dedo nessas contradições. O “badiu” é considerado mais negro na Ilha de Santiago, organizada e urbanizada em função dos interesses coloniais. Um branco jamais poderá ser “badiu”.
O Arquipélago de Cabo-Verde como eixo do(s) futuro(s) disputados
Para Djam Neguim as artes performativas e as linguagens artísticas estão num lugar privilegiado para fazer essa discussão do futuro que se disputa. Para o artista a academia cabo-verdiana ainda está numa fase de grande arcaísmo querendo reproduzir cátedras que pouco ressoam numa sociedade maioritariamente jovem e feminina. “Os curriculum das universidades estão longe da vida dos estudantes e o debate na universidade ainda não está a acontecer” refere Djam.
A fragmentação do arquipélago e as suas múltiplas realidades poderiam ser uma excelente metáfora para a inscrição de Cabo Verde no debate contemporâneo. Para Neguim podia aproveitar-se a linguagem propagandística de que Cabo Verde funciona como pivot entre a África, a Europa e a América e explorar isso de forma cultural e artística, “uma coisa compósita que também uma das características da crioulidade”. Para Djam Neguim esse “salto” exige mais diálogo: “não podemos estar sempre nesse discurso da morabeza e temos de passar para uma visão política de longo prazo e de convocação de uma cultura que se prepare para essa transformação”, disputar o futuro.
A nova música de Djam Neguim “Bom feeling” pretende apontar esses futuros numa “estética que remete para a fluidez de corpos que podem ser masculinos e femininos”. A indefinição, a fluidez das formas questiona a “presença negra nesse futuro das máquinas e do cyborg, esse pós-corpo”.
Entre finais de abril e início de maio, Djam Neguim quer continuar a disputar esse(s) futuro(s) em que todas, todos e todes possam expressar as suas diversidades, alargando discussões e horizontes para um futuro que virá, mas que disputa: Agora!
Fotografias cedidas pelo artista Djam Neguim.
Artigo publica originalmente no Dezanove.