Tradidanças, na serra, entre bailes e cantos, poços e florestas
Aconteceu de 2 a 6 de agosto, o quinto festival TRADIDANÇAS, em Carvalhais, São Pedro do Sul. Organizado pela ATASA – Associação Turística e Agrícola da Serra da Arada, em colaboração com o Município de São Pedro do Sul e a Junta de Freguesia de Carvalhais e Candal, entre outros parceiros.
Muitos saberão, que em 1999, aconteceu também em Carvalhais, a quarta edição do Festival Andanças. A primeira edição tinha sido em Évora, em 1996, e em 97 e 98, no lindíssimo parque de campismo da Fraguinha, na Serra da Gralheira, perto de Carvalhais.
O Festival Andanças surgiu da vontade que um grupo de amigos tinham de trazer para Portugal o espírito dos bailes folk vivido noutros países. Iniciou-se assim uma comunidade que aprendeu, cresceu e recriou, a música, a dança, os bailes, neste espírito “trad-folk” e que tem atualmente um espetro alargado de gente que dança, toca e canta não só em festivais de verão, mas ao longo de todo o ano, por todo o país.
Durante onze anos, o Festival Andanças esteve em Carvalhais e deixou na comunidade sementes diversas de resgate, criação e partilha de saberes. Depois, o Andanças mudou de pouso tendo rumado ao Alentejo e parado já em diferentes lugares a sul: Barragem de Póvoa e Meadas, Castelo de Vide e, ultimamente, em Campinho, no município de Reguengos de Monsaraz.
Quem quiser saber mais sobre as Histórias do Andanças pode consultar aqui.
O Tradidanças: Festival de Tradições, Dança, Música e Natureza, nasceu em 2017, do desejo local de resgatar a energia, a dinâmica cultural e o público do Andanças na região. O grupo Espíritos Inquietos lançou a primeira experiência e, a partir daí, percebeu que havia condições e propósitos para continuar e crescer.
Zé Paulo, responsável principal da ATASA, junto com a animadora sócio cultural Filipa Pereira, tem continuado o Tradidanças. Por coincidência, Filipa é esposa de um dos fundadores do Andanças, trazendo os acasos da vida a continuidade do envolvimento da família nestas lides, apesar de Paulo Pereira assumir que agora não faz de todo parte da organização mas colabora através da NBI (Natural Business Inteligence). A NBI é uma empresa de consultoria, especializada em opções para uma economia de base natural, que colabora com o Tradidanças na manutenção do espaço do festival, procurando gerir os impactos sobre o mesmo e assegurar a sua regeneração. A NBI esteve também presente no festival através das propostas “Viagens de Natureza”.
A ATASA quer dinamizar diversas atividades além do festival anual Tradidanças, quer permanecer e atuar no território ao longo do ano. Durante algum tempo, procurou trazer mensalmente ações a Carvalhais, as “TradiAções” entre contadores de histórias, ateliês de dança, mas que foram suspensas depois do Covid por falta de apoios económicos.
O Tradidanças teve um primeiro investimento que ainda não foi saldado, pelo que não atingiu ainda uma sustentabilidade económica. Porém, com o crescimento do Festival e possível acesso a financiamentos, espera retomar este trabalho mais continuado no território.
Na área da dança africana, Hélio Santos trouxe o semba, o kizomba, o funaná. Este professor e bailarino pode surpreender quem esteja à espera de um constante movimento frenético e mais exteriorizado, procurando antes trazer também momentos que proporcionem interioridade e uma dança mais sensível, compondo os movimentos com subtileza e quietude e integrando a voz no corpo da dança. Os seus workshops estiveram cheios e é notória a quantidade de gente que dança regularmente estas batidas. Muito mudou nas últimas décadas em termos de contacto com os ritmos africanos, havendo uma afinidade geral com as danças de pares e de grupo.
Espera-se que, com o crescimento do Tradidanças, em espaço e público, possa haver mais oficinas, apresentações e concertos ligados à cultura africana.
Do Brasil, mas com claras influências e misturas de matriz africana esteve presente o Forró com dois grupos: o “Forró Giro” e o “Espaço Baião”. Com a chegada de uma nova vaga de imigração brasileira nos últimos anos, houve um crescimento por todo o país desta comunidade, que é já a maior comunidade migrante residente em Portugal, e que trouxe consigo a sua influência cultural. Mudanças culturais vêm acontecendo em várias áreas e cada vez mais gente se apega ao forró e a rodas de samba, não só nos contextos urbanos das grandes cidades.
Muitos outros grupos interessantes estiveram presentes no Festival, com concertos e workshops, desde a Índia com Bollywood a danças e músicas celtas inglesas. O Tradidanças é um festival tanto para quem gosta de dançar como de aprender diferentes artes populares tais como gastronomia, elaboração de sabonetes, etc.
Além do que está organizado durante os dias de Festival, abundam espontâneos encontros musicais e de dança, alguns acontecem madrugada fora na zona do recinto, com dezenas de pessoas que vão fazendo a música e a dança sem alinhamento, outros nos espaços envolventes. O espírito de encontro e de convívio marca toda a gente que participa no Tradidanças, assim como a possibilidade de fazer junto. Este relacionamento social mais impactante resulta, por certo, dos diferentes tipos de baile que proporcionam uma socialização diferente daquela que é vivida na maior parte dos Festivais de Verão. Aqui há convívio garantido mão na mão, olhos nos olhos, entre saltos ritmados, galopes e trocas de par. O Festival tem ainda outra particularidade: é claramente intergeracional, com muitas atividades para crianças e gente de todas as idades.
A ATASA está também envolvida na candidatura do Canto Polifónico, “Canto a Vozes de Mulheres” para o Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e na candidatura deste canto a património da UNESCO com o objetivo de dar destaque e defender esta tradição onde as mulheres cantam, a três e mais vozes, num repertório legado pela sociedade agrária tradicional. Para isso, vários grupos uniram-se na “Associação de Canto a Vozes – Fala de Mulheres” para discutir e implementar estratégias de salvaguarda. Desta associação fazem parte grupos urbanos e regionais, mais ou menos formais, como as “Vozes de Manhouce”, as Cantadoras do Neiva”, as “Cramol”. Da zona onde se realiza o Tradidanças faz parte o Grupo de Cantares de Candal. Houve duas apresentações, conversas e ateliês sobre tema tão rico, que envolve hoje em dia mulheres e homens, uma tradição que bem viva e em mudança.
Como cantavam as mulheres, “a Vida é curta, a morte é certa” e para o ano haverá mais TRADIDANÇAS, provavelmente com mais palcos, mais programação e mais público. Ao longo do ano há dezenas de grupos, associações e eventos ligados à dança e música folk e a tantas outras danças, cantos e expressões. As gentes interessadas, que ganharam o gosto, que perdurem no desfrute e na prática.
Fotografias da autora e de Salomé Sardinha.