O Património Cultural Imóvel na Cidade de Lisboa

O presente estudo, tem como objetivo esclarecer acerca da importância do património cultural imóvel, visando proporcionar um enquadramento cultural e histórico do mesmo, e simultaneamente a recolha de informação sobre a função que desempenha, averiguando qual o contributo gerado para a dinamização na cidade de Lisboa. Considerando que património cultural imóvel e cultura estão intimamente próximos e que sem a noção de cultura não existiria a noção de preservação do património, a pertinência deste trabalho reside, entre outras, na hipótese de fornecer elementos que permitam compreender as inúmeras interligações existentes, e sem as quais não seria possível experienciar e usufruir do património nos moldes em que atualmente o fazemos. Analisa-se esta interligação com o espaço público, partindo de uma definição de cultura e oferece-se uma caracterização abrangente.

Cultura – Variantes da Problematização do Conceito

Torna-se imperativo, em primeiro lugar, procurarmos conhecer qual o verdadeiro significado do conceito de Cultura uma vez que existem múltiplos entendimentos. Estes são visíveis por exemplo, nas teorias de T.S. Eliot, que vê a cultura como uma criação da sociedade, como um todo na qual existe uma interligação entre indivíduos, grupos ou classes em que nenhum dos intervenientes é excluído: “Queremos dizer apenas que a cultura do indivíduo não pode ser isolada da do grupo, e que a cultura do grupo não pode ser abstraída da sociedade inteira; e que nosso conceito de “perfeição” deve considerar ao mesmo tempo os três sentidos de “cultura”. (T.S.Eliot, 1988, 35)

Raymond Williams que a apresenta como estando em constante expansão devido às alterações decorrentes de transformações históricas, fruto das evoluções industriais e de sistemas políticos:

O significado de cultura é uma resposta aos eventos que os nossos significados de indústria e democracia mais evidentemente definem. Mas as condições foram criadas e foram modificadas pelos homens. A história da ideia de cultura é um registo dos nossos significados e das nossas definições, mas estas, por sua vez, devem ser entendidas apenas dentro do contexto das nossas ações. A ideia de cultura é uma reação geral a uma mudança geral e importante nas condições de nossa vida em comum. (Williams, 1960, 314, tradução própria)

Contudo, e embora reconhecendo como importantes estes contributos, tendo em conta os conteúdos que se pretendem expor, a teoria que se elege como a mais indicada para o presente caso é a de Zygmunt Bauman, uma vez que se relaciona de forma estreita com as noções aqui apresentadas.

A ambiguidade que importa, a ambivalência produtora de sentido, o alicerce genuíno sobre o qual se assenta a utilidade cognitiva de se conceber o habitat humano como o “mundo da cultura”, é entre a criatividade e a “regulação normativa”. As duas ideias não podiam ser mais diferentes, mas ambas estão presentes – e devem continuar – na ideia compósita de cultura, que significa tanto inventar quanto preservar; descontinuidade e prosseguimento; novidade e tradição; rotina e quebra de padrões; seguir as normas e transcendê-las; o ímpar e o regular; a mudança e a monotonia da reprodução; o inesperado e o previsível. (…) (Bauman, 2012, 10)

Será pois, relevante explorar uma interpretação ampla da cultura como um modelo em constante evolução, que nos transmite que a cultura não é apenas fruto de um modelo hereditário mas sim, um permanente constructo obtido a partir de várias visões e impulsos criativos já que, não sendo um sistema fechado recebe contributos vários de modelos pré-existentes não se deixando por isso circunscrever e seguindo um curso muito próprio. Em última instância, responde aos movimentos sociais e artísticos de cada época através dos quais se incorporam inspirações criativas em que os indivíduos, motivados por determinados contextos, apresentam, através das suas ações, modificações e evoluções concretas neste campo.

Quando o autor se refere à ambiguidade entre normas e criatividade, pode depreender- se que existem instrumentos de controle que tendem a exercer influência sobre a criatividade, podendo, inclusive, diminuí-la, no entanto, reconhece-se igualmente que é necessário formular normas, pois estas são imprescindíveis para garantir uma boa gestão e seguir determinadas orientações no âmbito das iniciativas que se fomentam na área da cultura.

Um dos pontos que se pretende aprofundar neste trabalho é precisamente esta visão integrada entre cultura e normas uma vez que, tal como apontado anteriormente, são as normas que garantem e sustentam todo o campo instrumental e operacional nas diversas áreas culturais, nomeadamente na regulação do património cultural imóvel, património este que se consagra quer em termos históricos, quer em termos identitários de um povo.

Na sua definição de cultura, Bauman enumera diversos conceitos aparentemente opostos entre si; no entanto, uma análise mais atenta revela que estes conceitos estão em interação e o resultado gerado contribui para o surgimento de um equilíbrio e acréscimo de novas perceções a uma área que está longe de ser hermética.

Para resumir: a cultura, como tende a ser vista agora, é tanto um agente da desordem quanto um instrumento da ordem; um fator tanto de envelhecimento e obsolescência quanto de atemporalidade. O trabalho da cultura não consiste tanto na sua autoperpetuação quanto em garantir as condições para futuras experimentações e mudanças. Ou melhor, a cultura “autoperpetua-se”(…). (Bauman, 2012, 17)

Assim, verificamos que a cultura tem o poder de afetar a vida quotidiana da população uma vez que é ela que, através das suas múltiplas expressões, dita costumes, tradições, influencia padrões culturais e sociais, tendências, memórias e também o futuro. Recorrendo à expressão utilizada pelo autor, a autoperpetuação é inevitável e inerente às dinâmicas e construções sociais, uma vez que o sentido identitário é obtido e se fortifica através da adoção de práticas a partir das quais se obtém uma gratificação e um reconhecimento que é comum a vários indivíduos reforçando desse modo os laços sociais e a sensação de pertença a uma comunidade. Parte desta partilha passa pela existência de património cultural imóvel que é comum a um alargado número de pessoas e cujo processo de transmissão é feito de geração em geração, contendo uma carga simbólica que se encontra inscrita na memória coletiva, capaz de gerar uma interação muito específica entre espaços e pessoas como se verá mais adiante. Assim, segundo Bauman:

Falamos de cultura sempre que a vida produz certas formas pelas quais se expressa e se realiza – obras de arte, religiões, ciências, tecnologia, leis e uma infinidade de outras. Essas formas abrangem o fluxo da vida e fornecem-lhe conteúdo e forma, liberdade e ordem. Mas embora surjam a partir dos processos da vida, em função da sua singular constelação, elas não compartilham o seu ritmo agitado… Adquirem identidades estáveis, uma lógica e uma legitimidade próprias.(…) Eis aí a principal razão pela qual a cultura tem uma história… Cada forma cultural, uma vez criada, é consumida a ritmos variáveis pela força da vida. (Bauman, 2012, 16)

É precisamente sobre história, identidades, legitimidade própria, continuidade e ordem adquirida por via das normas que versam os conteúdos presentes no corpo deste trabalho e que se pretende apresentar de forma mais objetiva nos pontos que se seguem.

O Património Cultural Imóvel

É frequente encontrarmos na literatura científica um tipo de definição centrada na origem individual dos conceitos de património e cultural para melhor compreender um significado que é conjunto. Assim, património é interpretado como “aquilo que se herdava; implica, a ideia de herança. E esta ideia de herança – que carrega os nexos de continuidade, de entrega e recebimento, de tradição”; por outro lado, a cultura como uma combinação, ou seja, algo recebido dos nossos antepassados e também algo gerado individualmente dado que “(…) o ser humano reage criando e inventando meios e instrumentos para manifestar – para “gritar” – a sua permanente e insana perplexidade”. (Mendes, 2012, 11-20)

Tendo esta ideia presente, talvez se possa entender património cultural como a soma de tudo o que se herda em termos de produção cultural mas também aquilo que se gera no presente e que permanecerá ao dispor no futuro, sendo previsível que continue a fazer parte de uma realidade comum por ser tido como um bem de valor a preservar.

Com uma dimensão própria, o património cultural consiste no conjunto dos bens culturais materiais que se subdividem em duas categorias distintas, a dos bens móveis e a dos bens imóveis. Dependendo da sua importância, a classificação de ambas pode ser determinada como bem cultural de interesse nacional, público ou municipal. (Decreto Lei nº 107/2001)

Assim, a categoria de património cultural imóvel escolhida para o presente trabalho integra os Monumentos, Conjuntos ou Sítios, em relação à qual a Direção Geral do Património Cultural dá a seguinte caracterização:

Integram o património cultural imóvel os bens imóveis que assumem relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura. São bens que constituem testemunhos com valor de civilização ou de cultura. O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, artístico, etnográfico, científico, industrial ou técnico destes bens reflete valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade. Integram igualmente o património cultural os contextos dos bens imóveis que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relação interpretativa e informativa. (DGPC, 2019)

A importância Histórica do Património Cultural Imóvel

Podemos observar o património cultural imóvel como sinónimo de preservação de memórias tal como nos é dito por Giovanaz:

A cidade guarda em sua imagem marcas de vários momentos diferentes de luta: as teimosas marcas inscritas nas pedras das calçadas, os monumentos erguidos aos sucessivos vencedores, ou seja, marcas do passado que recebem significados diversos no transcorrer do tempo. (Giovanaz, 2007, 236)

Verificamos que a história e a identidade cultural de um país e de um local também se constrói a partir do seu património, existindo uma relação direta entre este tipo de bens e os individuos, que, muitas vezes, surgiu com o propósito de assinalar determinado acontecimento importante tornando-se posteriormente num testemunho simbólico, reconhecido pelos elementos pertencentes a determinado lugar, e muitas vezes, vê a sua abrangência simbólica crescer e ultrapassar as barreiras do tempo e do próprio espaço.

Os parâmetros que definem o que atualmente entendemos como herança não são, portanto, o seu carácter básico de construção social (ou invenção legitimada) nem a sua suposta genealogia. Estes podem constituir, no melhor dos casos, se forem interpretados corretamente, os achados elementares. Mas o fator determinante é o seu caráter simbólico, a sua capacidade de representar simbolicamente uma identidade. É isso que explica como e porque os recursos são mobilizados para preservá-lo e expô-lo. (Prats, 1997, 22, tradução própria)

Associadas ao património e permitindo, de certo modo, complementá-lo enquanto veículo de transmissão cultural, verifica-se a existência de determinadas manifestações culturais e certas práticas que, revestidas de diversidade e autenticidade, traduzem uma preservação de memória coletiva e uma legitimação social e cultural deste tipo de heranças históricas.

Que tipo de legitimação está subjacente à classificação dos bens imóveis na categoria de Património Cultural? Em que moldes é que a sua importância é reconhecida e atribuída? Encontram-se definidos na lei critérios genéricos de apreciação que serão tidos em conta sempre que se pretenda obter uma classificação ou inventariar determinado património, entre os quais salientamos:

a) O interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso;
b) O interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos;
c) O valor estético, técnico ou material intrínseco do bem; (…)
d) A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica.

(Decreto Lei nº 107/2001, Artigo 17º)

É possível identificar este tipo de património histórico-cultural em diversos monumentos, edifícios históricos, museus e igrejas, em que este conjunto de bens pelas suas características vem distinguir, prestigiar e tornar incomparável determinada comunidade, e nesse âmbito, urge “Educar a juventude especialmente a nível escolar, e a população em geral acerca do seu património e inerentes valores históricos, culturais e sociais que dão sentido e sentimento ao passado” (Miranda, 2015, 296) e refletir acerca da preservação adequada deste património de modo a mantê-lo sempre com as características que o qualificam no seu âmbito, de modo a que as gerações vindouras possam usufruir tanto da história como da beleza e grandiosidade inerente aos bens imóveis.

Importa igualmente incutir uma ideia de transmissibilidade cultural às novas gerações, educá-las e capacitá-las para que no devido tempo possam assumir o papel de atores cuja importância será decisiva na continuidade da construção da identidade nacional e da valorização de tradições: “O património resulta, em primeiro lugar, de um processo de reconhecimento e selecção de determinados referentes, projectando-se e encontrando a sua justificação numa valorização que remete para o seu carácter simbólico.” (Moreira, 2015, 129)

Atualmente, e dado que a história se constrói quer através de um registo de experiências, quer por participações obtidas no presente, talvez possamos afirmar que a valorização e a inter- relação entre património e pessoas existente na cidade de Lisboa, sejam fatores multiplicadores de diversidade e de continuidade na área cultural.

No momento presente, assiste-se pois a um fenómeno de aumento exponencial no movimento gerado em torno deste tipo de bens que se reflete sobretudo na área do turismo cultural na procura de destinos turísticos repletos de história e memórias que este tipo de testemunhos físicos oferecem e que na cidade de Lisboa existem em largo número.

A Cidade, o Espaço Público e a Interligação com o Património Cultural Imóvel

A cidade é por excelência o espaço onde se reúne um número alargado de pessoas, e representado por locais e património que são símbolos emblemáticos fruto de expressão única de determinada comunidade. Todos eles, no seu conjunto refletem um sentimento de pertença e de identidade que tem o poder de tornar determinado espaço particular e especial. Este sentimento de pertença reforça nos indivíduos a vontade de fomentar práticas culturais, atividades e eventos, aproveitando esses espaços, promovendo a cultura exclusiva associada a um local, o que conduz inevitavelmente à autoperpetuação acima referida por Bauman, e à visão de Guerra descrita na seguinte citação:

A dimensão simbólica da cidade não é um facto estranho à vida social e às experiências quotidianas dos seus habitantes, pelo contrário, permite o relacionamento destes numa «dupla hermenêutica». Por um lado, o simbolismo urbano representa um ponto de referência que estrutura e condiciona de muitos modos as actividades sociais, entrando profundamente nos processos que definem as identidades dos actores sociais. Por outro lado, as actividades e as práticas sociais e as constantes interacções desenvolvidas nesse quadro contribuem para produzir e reproduzir, estruturar e reestruturar a simbólica e a forma urbana. (Guerra, 2002, 73)

É importante salientar que esta promoção cultural exercida pelos cidadãos também é resultado do seu posicionamento num determinado patamar que normalmente se verifica nas cidades desenvolvidas, e que permite a existência de uma pré disposição dos indivíduos para o envolvimento direto nos temas culturais mantendo-os atuais, na medida em que fazem parte de uma agenda com objetivos a cumprir, o que permite uma constante atualização da cultura criando mecanismos próprios para que, quer a cultura atual quer a história por detrás dela seja sempre relevante. Esta visão vai ao encontro do que nos diz Soares na seguinte citação:

São as pessoas que constroem os significados no espaço urbano. Constroem-nos com a sua história, com os seus bens, com os seus afectos, com as suas emoções e salvaguardam a sua memória através da preservação desse espaço comum. A memória inscrita no património que transmitem às gerações vindouras constitui um dispositivo estruturante da identidade cultural, histórica e vivencial das comunidades. (Soares, 2012, 9)

O espaço público foi uma conquista de classes que permitiu ao individuo desenvolver relações com os seus pares e dedicar-se a temas de maior interesse para si mesmo como, por exemplo, ao perceber a noção deste valor, a sua construção cultural. Foi longo o caminho até ao presente; atualmente, a cidade enquanto espaço público está desenhada para permitir não só a emancipação do indivíduo como o seu envolvimento, em que cada um pode participar livre e ativamente em ações que beneficiem o espaço e os cidadãos. O ritmo da própria cidade convida também a que outros, neste caso os visitantes, se envolvam na cultura citadina fruto de uma circulação constante de partilha de informações.

Pouco depois de 1550, os termos urbanidade e civilização fizeram a sua aparição na língua; utilizados primeiro pelos eruditos, conheceram um sucesso muito rápido e passaram a designar bastante claramente uma arte de viver própria do mundo citadino, um conjunto de comportamentos mentais que, há um par de séculos, se tinham lentamente libertado da «rusticidade». (Rossiaud, 1989, 114).

Enquadramento Histórico da Cidade de Lisboa

Segundo Marques, historiador, foi no século XII que “a cidade Lisboa se tornou o centro da vida económica, social, política e cultural do País”. (Marques, 1993, 18) Mais tarde:

… em termos internacionais, Lisboa podia ser considerada uma grande metrópole europeia (…) e, no findar do século XV, a cidade tinha, não dois mas quatro ou cinco pólos aglutinadores: a alcáçova, ainda centro militar e político, onde vivia o rei e se situava a corte; a catedral ou Sé, mantendo as suas funções religiosas ímpares, embora ameaçada pela proliferação de mosteiros e conventos mais periféricos; as “ribeiras” ou, em terminologia da época, a Ribeira; o Rossio; e a Rua Nova, na Baixa. (Marques, 1993, 18)

O terramoto que abalou a cidade no ano de 1755 exigiu uma total reedificação e esta foi feita:

segundo conceitos totalmente novos em urbanismo e em arquitectura; (…) um plano simples, mas revolucionário, que transformou o centro da cidade (a Baixa) num enorme tabuleiro de xadrez, precedido por uma vasta praça aberta sobre o rio. Nessa praça seriam construídos os edifícios do governo e da administração, bem como um arco triunfal e uma elegante estátua equestre ao rei D. José. Todas as casas seriam semelhantes quer em largura quer em altura. A cidade terminava noutra praça de amplas dimensões, rodeada de edifícios sóbrios mas elegantes (…),transformando-se numa cidade esclarecida, racionalmente planeada e edificada, com suas ruas, praças e casas traçadas à régua. (Marques, 1993, 24)

Verificamos, assim, que a importância dada ao património imóvel remonta a tempos longínquos graças a indivíduos com uma visão inovadora e com capacidade de planeamento a longo prazo, neste caso em particular, Marquês de Pombal na reedificação de Lisboa e que, com o seu contributo ímpar, nos deixou um forte legado em termos patrimoniais que nos dias de hoje constitui fator chave para a crescente atração de visitantes à cidade, assim como um visível interesse social e político na sua preservação.

Atualmente, Lisboa constitui-se como o centro principal da Área Metropolitana de Lisboa estando rodeada por várias cidades satélite. Os últimos dados obtidos a partir da realização dos censos em 2011 revelam que a cidade conta com uma população residente de 547.733 indivíduos (INE, 2019) e recebeu 4.494 milhões de visitantes no ano de 2018. (Portugal, 2019).

Lisboa é uma cidade moderna que acompanha as tendências e dá resposta não só aos fluxos externos que têm origem na oferta de propostas atraentes a nível cultural, lúdico e de entretenimento, complementados com uma rica variedade gastronómica, uma boa localização geográfica e um clima muito atrativo como, também, a uma procura interna de um público que tendencialmente possui um tipo de consciência muito particular que deriva da perceção da existência de uma identidade cultural.

Existem determinados locais na cidade que desde há muito foram referenciados como “pólos aglutinadores”, onde mais se fazia notar a vida na cidade, conseguindo manter até aos dias de hoje este estatuto de importância de património cultural, precisamente porque foi criada uma relação de interdependência entre o local e os individuos, numa dinâmica que tem subsistido ao longo dos tempos e na qual é possível, mais uma vez, verificar a existência de um sistema de autoperpetuação; locais como a “Baixa-Chiado, Alfama/Castelo/Mouraria e o Bairro Alto/Cais do Sodré voltam a ser os locais mais visitados na cidade de Lisboa” (Lisboa, 14).

Posto isto, em termos de legado cultural do património imóvel, o mesmo é percecionado e reconhecido pelos indivíduos, não só como uma estrutura física, mas também como uma estrutura simbólica que se reveste de uma centralidade ímpar e de uma configuração sócio temporal sempre influente independentemente do momento em apreço, fruto de um significado profundo gerado pelos valores culturais de um povo e do enraizamento de um sentimento de pertença.

Conclusão

A elaboração deste estudo permitiu aprofundar e obter a confirmação de que cultura existe como um modelo em constante evolução, não sendo percebida apenas como fruto de um modelo hereditário mas sim, revelando-se como um permanente constructo obtido a partir de várias visões, com um poder de, através das suas múltiplas expressões, construir identidades culturais, e afetar a vida quotidiana da população uma vez que, dita costumes, tradições, influencia padrões culturais e sociais, tendências, memórias e também o futuro, sendo capaz de gerar uma autoperpetuação inevitável. Admite- se, portanto, que a história e a identidade cultural de um país e de um local também se constrói a partir do seu património, existindo uma relação direta entre este tipo de bens e os indivíduos.

Assim, em relação ao património cultural, podemos reconhecer que ele é a soma de tudo o que se herda em termos de produção cultural mas também, aquilo que se gera no presente e que permanecerá ao dispor no futuro, sendo previsível que continue a fazer parte de uma realidade comum por ser tido como um bem de valor a preservar, que está consagrado quer em termos históricos quer em termos identitários de um povo. Reconhece-se igualmente que o património cultural imóvel contém uma carga simbólica que se encontra inscrita na memória coletiva, capaz de gerar uma interação muito específica entre espaços e pessoas.

Deste modo, constatou-se que atualmente, a cidade enquanto espaço público está desenhada para permitir não só a emancipação do indivíduo como o seu envolvimento. O ritmo da própria cidade convida também a que outros, neste caso os visitantes, se envolvam na cultura citadina, depreendendo que em termos de legado cultural do património imóvel, o mesmo é percecionado e reconhecido pelos indivíduos, não só como uma estrutura física mas também como uma estrutura simbólica que se reveste de uma centralidade ímpar, em que a valorização e a inter-relação existente entre património e pessoas são fatores multiplicadores de diversidade e de continuidade na área cultural.

Por conseguinte, pretendendo avaliar a relevância do património imóvel na cidade de Lisboa procurando estabelecer a relação entre espaço público e legado cultural, concluiu-se que existem determinados locais na cidade que desde há muito foram referenciados como “pólos aglutinadores”, onde mais se fazia notar a vida na cidade, conseguindo manter até aos dias de hoje este estatuto de importância de património cultural, precisamente pela relação de interdependência que foi estabelecida entre o local e o indivíduo, numa dinâmica que tem subsistido ao longo dos tempos e na qual é possível verificar a existência de um sistema de “autoperpetuação”.

Bibliografia

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Williams, Raymond. Culture and Society. Anchor Book, 1960.

por Alícia Gaspar
Cidade | 26 Maio 2022 | cidade, cultura, Património Cultural, Património Imóvel, Políticas Culturais