Another Angelo, o ilustrador português cujos trocadilhos dão que falar (e pensar)

Separados por uma tela de computador, mas unidos pelo interesse em debater alguns contornos da sua profissão, sentámo-nos frente a frente. Angelo Raimundo, mais conhecido por Another Angelo, faz sucesso na cena artística portuguesa graças às suas ilustrações, quase sempre complementadas por poemas ou frases cuja grafia é também ela única e se tornou a marca do artista, sendo poucos os que ficam indiferentes às mensagens passadas por este.

É nas redes sociais que causa furor, quer pelos temas que aborda: ansiedade, amor, felicidade, solidão… quer pelo modo de o fazer.

“Afinal de contas, eu também sou um ser humano”, diz enquanto conversamos sobre as interações que tem com os seus seguidores (que intitula de finches) no seu instagram. Será a tranquilidade e humor com que Angelo aborda os temas, que cativa os seus 90 mil seguidores, ou a segurança, vontade de sorrir e paz interior que sentimos ao tomarmos contacto com a sua arte?

Seja qual for a razão, e apesar do trocadilho no seu nome, Angelo não é “só mais um” ilustrador. Comprometendo-se consigo mesmo a divulgar os seus melhores trabalhos e projetos, conta já com um livro e uma colaboração com a marca de roupa Zippy, apelando à igualdade de género.

Como, e em que altura da sua vida, surge a paixão pela arte?

A paixão pela arte surge desde bem cedo, desde a altura em que eu era adolescente e frequentava o ensino secundário. Era uma pessoa bastante atenta ao que os artistas na época faziam, por causa disso comecei a querer exprimir a minha arte.

Inicialmente comecei como artista de rua, digamos que eu fazia graffiti, mas na altura esta linguagem não tinha a aceitação que tem hoje, não existia tanta abertura para fazê-la. Muitas das vezes grafitava de forma clandestina o que era controverso porque eu estava a fazer algo que me agradava, mas que era, ao mesmo tempo, ilegal.

Nesta altura comecei a fazer ilustrações e a escrever algumas frases por muros a fora, e as coisas foram evoluindo, fui aplicando a minha arte noutras plataformas, o que me permitiu deixar de me focar no graffiti e dedicar-me mais à parte artística digital.

Quando fazia graffitti já tinha o seu próprio estilo?

Não. No início, embora tivesse um estilo um bocado trash, não tinha de todo este estilo atual, porque eu também gostava de fazer outras coisas. Gostava de dar sombras e outras técnicas para experimentar. Quando iniciamos graffitti, gostamos de experimentar um pouco de cada linguagem que adaptamos com o passar do tempo. Foi o que se passou comigo, comecei a adaptar um estilo que gostava, muito próximo daquilo que faço hoje. Foi como uma evolução do trabalho que desenvolvo atualmente.

E inspirações?

Aqui em Portugal gostava muito de alguns artistas, entretanto, alguns deles também deixaram de criar graffitis com o passar do tempo… O nome mais sonante era o SEN, um rapaz do Algarve, deixava a sua marca muito interessante, embora um bocado cliché.

Pessoalmente eu preferia deixar uma frase para que as pessoas parassem e pensassem, e se refletissem ou simplesmente esboçassem um sorriso. A minha arte era sempre diferente.

Entre linguagens artísticas de ilustração, escrita, música e fotografia como vai firmando a sua identidade artística?

Isso relaciona-se com o gosto de fazer cada vez mais aquele tipo de linguagem. As tuas ideias passam a adaptar-se àquela linguagem e saem de uma forma natural. A regularidade com que desempenhas aquele trabalho leva-te a um automatismo.

Imaginemos que eu quero desenhar algum objeto, automaticamente a minha mente já vai desenhá-la de acordo com a minha linguagem, por estar tão habituada.

Caso queira “fugir” à linguagem terei de ser mais observador, passar mais tempo na fase de análise do objeto para tentar fazê-lo de outra forma. 


Qual dessas técnicas é a mais desafiante?

Faço várias coisas, mas aquilo que eu pratico com mais frequência, e gosto mais de fazer, é sem dúvida, escrever e ilustrar, é um mix que me deixa bastante feliz. Quase todos os dias, até mesmo em tempos livres, saco da folha e acabo por ilustrar algo. Por outro lado, a fotografia e a música, são um hobby ao qual eu recorro quando tenho vontade de criar algo.

Geralmente tenho sempre folhas de papel e lápis, à mão, considerando a possibilidade de a qualquer momento desenvolver uma ideia que tenho ou um simples pensamento que me surja durante o dia. Acabo por guardar grande parte das criações, para mais tarde voltar às mesmas e ponderar se consigo criar algo interessante, algo que me faça querer chegar ao ponto de partilhar com as pessoas.

O produto final que vemos é sempre muito trabalhado, ou já partilhou algo realizado no momento?

Partilho algumas ilustrações de forma muito espontânea por crer que faz sentido divulgá-las em certas alturas. Mas também divulgar algo atualmente que eu já realizei há 2 ou 3 anos atrás, também é um processo interessante. O processo de ir lapidando esse texto ou essa ilustração até divulgá-los. Muitos trabalhos não chegam, obviamente, a ver a luz do dia, ficam só guardados para mim, não sinto necessidade de divulgá-los. Talvez um dia, mais tarde, volte a eles ou então ficam só de recordação para mim.

Que discurso pretende transmitir através das suas obras?

Normalmente não abordo termas dos quais tenha muito conhecimento, por exemplo, temas políticos. Nunca vou escrever acerca de um tema sobre o qual não tenho conhecimento suficiente, mesmo que seja divulgado de forma artística, porque sei que depois, de uma forma ou de outra, vai gerar algum tipo de debate ou de discussão sobre isso.

Então, o que eu faço é escrever sobre aquilo que para mim faz sentido e que, ou já passei, ou já tive conhecimento ou já fui informado sobre tal situação ou sentimento. Escrever sobre coisas que façam realmente sentido para mim e que faça sentido para quem as lê quando eu falo de ansiedade, e de amor, temas que todas as pessoas conhecem minimamente. Gosto muito que as pessoas se identifiquem e que, durante aquele percurso de, imaginemos, 10 segundos, em que leem o meu trabalho se sintam melhor, que realmente não estão sozinhas e que pode contar com alguém para melhorar o seu dia.

As suas ilustrações têm uma componente poética. Em que medida é que esta mistura de linguagens enriquece as suas obras e as torna mais acessíveis ao público?

Muitas das vezes utilizo algumas das ilustrações, mesmo de propósito, para criar um trocadilho, o que acontece é que algumas pessoas vão entender logo, outras terão dificuldade em perceber, ou demorar mais algum tempo. Mas ter um texto acompanhado de uma ilustração ajuda a fornecer mais dimensão à expressão que eu quis dar.

Por exemplo, apesar de não abordar o tema “política”, acredito que todos temos o dever de votar, independentemente do pouco conhecimento que tenhas, ou mesmo que não gostemos de nenhum candidato ou partido, temos o dever de votar, nem que seja em branco. Apelando a essa crença e ao voto, desenhei uma simples urna e a descrição a acompanhar: “usem a cabeça, mas não sejam cabeçudos”. Para dar sentido ao texto eu utilizo a ilustração, ou vice-versa, recorro à ilustração para escrever o texto….

Relativamente ao exemplo dado, fiquei-me por um incentivo ao voto abstendo-me de aconselhar partidos, porque, tal como já referi, não sou a pessoa mais indicada para isso. Não sou eu que tenho de influenciar seguidores que seguem uma página artística.

As suas ilustrações fazem-nos refletir sobre a ansiedade, a solidão, o tempo, o amor, e a felicidade…. Antes de se inserir na cena artística, diria que no mercado português existia uma oferta artística consistente sobre estes temas?

Existe, mas não tanto a nível artístico. Considero que muitas pessoas escrevem e abordam estes tópicos, mas não de uma forma artística. Muitos profissionais trabalham sobre estes tópicos e eu tento simplificar. Quem quiser aprender e estudar por exemplo sobre a ansiedade, não irá recorrer aos meus projetos. No entanto, quem quer simplesmente ter contacto ou está a passar por um período mais ansioso, pode ver e perceber que não está sozinho. Antigamente não existia tanta oferta de livros de auto-ajuda, atualmente vamos a uma livraria e temos já grandes secções com livros de auto-ajuda no que toca à ansiedade. No meu caso, quando escrevo sobre esses temas, tento não escrever sobre ansiedade de uma forma muito profunda, procuro, ao invés, escrever de leve para que também se torne uma mensagem rápida e a pessoa se sinta confortável no imediato.

Existem ainda alguns artistas que estão a realizar um trabalho espetacular e utilizam a arte deles para falar sobre isso de uma forma mais simpática, não tão assustadora. Uma parte da sociedade tende a reagir um pouco mal quando se fala de ansiedade, nós, os artistas pretendemos normalizar isso, os sentimentos. Pensando no tema da sexualidade penso numa grande amiga minha, que admiro muitíssimo, a Tânia Graça, cujo trabalho tem contribuído bastante para o debate e compreensão de certos mitos. Isto mostra que estamos a evoluir de forma bastante positiva e sobretudo a nível artístico.

Utiliza muito o meio virtual para interagir com os seus seguidores…

Sim, o Instagram, onde também divulgo o meu trabalho. Costumo interagir com os meus seguidores para aligeirar os seus dias e a sua navegação na internet, estou-me a referir aos questionários. “Ninguém sabe, mas eu este verão…” é o mais recente, é engraçado e ficamos a saber que não fomos os únicos a não trocar os lençóis desde o começo da estação. (Risos).

Falemos agora sobre o seu livro O amor só existe para quem souber existir”. Como e quando surge a ideia para este projeto?

Este é um projeto muito especial para mim e foi, na realidade, a segunda proposta recebida para editar um livro meu. Esta proposta surge durante a pandemia, uma época muito má e complicada a diferentes níveis, existia uma incerteza nas plataformas de publicidade e tudo parou. A editora e eu não sabíamos se o projeto iria dar certo, mas decidimos correr o risco e avançar, e fomos bem-sucedidos com um ótimo feedback. O livro tem 167 páginas, eu fiz cerca de mil trabalhos, alguns deles até hoje nunca foram publicados.

Em colaboração com a Zippy lançou o movimento intitulado #igualdadedegenio. Quer falar-nos um pouco sobre este projeto?

Esta oportunidade surgiu antes da pandemia, trabalhei em algumas ilustrações para as t-shirts e estávamos prontos para avançar, mas tivemos um setback de 2 anos. Decidimos reformular quase tudo, a realidade é que, em dois anos, a igualdade de género tornou-se um tópico bastante discutido na esfera pública e, mais do que nunca, queríamos fazer jus ao projeto. A intenção nunca foi ganhar dinheiro com a campanha, tanto que na compra de três t-shirts oferecíamos um poster com uma ilustração minha, e o cartaz com a premissa da campanha. Foi uma só edição, portanto, quem não comprou, já não vai a tempo.

Com que outra marca gostava de trabalhar?

Assim de repente não consigo pensar em nenhuma marca definitiva. Mas sei nomear algumas que me agradam: a Vans, a Sanjo, a Zippy (com a qual já colaborei e de bom grado o faria novamente) e a Mish-Mash.

Também faz tatuagens não é verdade? Como iniciou essa experiência? 

Durante o confinamento o tempo era infinito. Recordo-me bem que eu e o meu colega começámos a gravar na pele um do outro a nossa arte. Rapidamente me apercebi que, tal como manuseio o lápis, assim teria de aprender a máquina de tatuagem uma vez que eu apenas tatuava a minha própria linguagem. Abri agenda, limitada e esgotou. Mas não pretendo viver da tatuagem, o que eu aprecio mesmo é a ilustração e a escrita.

Que projetos tem planeados para um futuro próximo?

No final deste ano eu e a Mariana Gomes vamos lançar um vídeo-arte, portanto é algo novo para mim. E em 2023 penso em lançar um segundo livro, se não for através de uma editora, será a título independente.

Consultar e comprar os trabalhos de Another Angelo no seu Site e Instagram.

Ilustrações: Another Angelo.

por Alícia Gaspar
Cara a cara | 21 Setembro 2022 | Algarve, amor, another angelo, ansiedade, arte, humor, ilustração, Portugal, redes sociais