Este ciclo procura exibir alguns dos produtos cinematográficos que, desde meados da década de setenta e até hoje, saíram do território. Convocando múltiplas temporalidades e respetiva complexidade histórica – a euforia e a urgência da revolução, a angústia da guerra e a reconstrução nacional, o colapso da promessa socialista e a sua reconfiguração numa chave capitalista e neoliberal –, a programação que aqui incluímos é uma oportunidade para refletir na pluralidade e polissemia do cinema angolano. É também o testemunho da sua fertilidade e resiliência criativas.
Afroscreen
17.06.2025 | por Sofia Afonso Lopes
Na tarde do primeiro dia, o grupo promotor da carta - pessoas que fazem livros, tristes pela falta de iniciativas contra o genocídio em curso - montaram uma banca onde trocaram as suas obras pelo montante que as pessoas quisessem dar. Fizeram-se 1000 euros que reverterão integralmente para a Watermelon Relief, uma organização que continua a resistir na Palestina, prestando auxílio humanitário com distribuição de refeições e outros cuidados. Imagine-se o apoio que se poderia recolher em ações continuadas promovidas pela organização da Feira do Livro.
Mukanda
15.06.2025 | por várias
Domicilia, os nomes são destinos, entra na clandestinidade aos 7 anos de idade para dela sair aos 20, quando parte para França em rutura com o Partido. Na história das estruturas clandestinas que o PCP montou, no decurso da luta contra a ditadura fascista, foi um raro caso: desde tão tenra idade até à maioridade, viver uma vida paralela, não isenta de riscos e dificuldades. Normalmente, os pais de crianças pequenas que escolheram esta vida, mais livremente ou condicionados com a perspetiva de já serem alvo de vigilância pela polícia política, separavam-se dos filhos na altura de frequentar a escola ou quando começavam a falar, por ameaçar a segurança da Casa.
Cara a cara
15.06.2025 | por Josina Almeida
Como é mais fácil bater no mais fraco… parece que os tugas não querem ter um dedo de testa. A direita diz que não gosta dos imigrantes, mas explora-os. A esquerda põe as costas da mão esquerda na testa e a direita no peito e exclama, com suspiros profundos e lânguidos: “ah!, se não fossem os imigrantes.” Mas conseguem ficar ambas unidas em torno dos imigrantes, porque olham para eles não de forma humanista, mas utilitarista: “olha que têm bons dentes…” ou “a cavalo dado…”.
A ler
15.06.2025 | por Marinho de Pina
Por isso sim, se acreditas num mundo mais justo e queres ser activo nessa transformação, és uma ameaça a este Estado. Quase que basta apenas seres um cidadão preocupado. Elencos, músicos, imigrantes, negros, assistentes sociais, mulheres, anti-fascistas, transeuntes, trabalhadores, jornalistas, queers, militantes, artistas; somos todos ameaças a este Estado; e é também aí que entra a impunidade à extrema-direita: ela é instrumental e o braço armado deste Estado de coisas, para nos impor o medo e meter-nos na ordem.
Mukanda
15.06.2025 | por António Brito Guterres
Nós, mulheres negras, quase nunca somos primeira escolha. E, quando somos, é porque alguém — geralmente branco — demonstrou interesse em nós. Por vezes, aceitamo-lo. Não porque é o que realmente queremos, mas porque finalmente alguém nos viu. Mas essa aceitação vem cheia de dúvidas: “Será que estou a ser objetificada?” “Será que essa pessoa realmente me ama?”
A ler
15.06.2025 | por Valdeth Dala
Sempre haverá, é certo, quem entenda que não precisávamos de saber tanto sobre Herberto Helder. E não me refiro aos aspectos amorosos ou sexuais, falo de pormenores como os cereais do pequeno-almoço ou afins. Simplesmente, tudo isso é próprio das grandes biografias, podendo eu, se quisesse, dar dezenas de exemplos de dezenas de biografias que utilizam esta mesma técnica para seduzir o leitor (sim, para além de um encontro de obsessivos, este livro é também um encontro de sedutores, de sedutores que usam ou usaram o verbo como a arma principal do seu arsenal erótico).
A ler
14.06.2025 | por António Araújo
Se somos feministas negras, se somos até feministas guineenses, aquilo importa, porque nós falamos de um contexto. Não podemos, em nenhuma circunstância, igualar uma mulher, por exemplo, guineense, que nasceu nesse contexto, cresceu, com uma mulher que praticamente fez as suas vivências em Portugal.” – explicou Lizidória.
A ler
14.06.2025 | por Miriane Peregrino
Baldwin tinha então tudo – e bastante legitimidade – para escrever com raiva e revolta sobre a crueldade da discriminação racial, sobre a destruição que um sistema como o racismo causa e espalha na vida daqueles que dele são alvos. No entanto, oferece-nos o romance Se esta rua falasse, de onde faz renascer beleza no meio da adversidade, mais do que tudo: onde se resiste ao endurecimento.
A ler
13.06.2025 | por Leopoldina Fekayamãle
Quanto aos humoristas, todos os restantes humanos se riram com as opiniões deles sobre o que eles achavam sobre o assunto, uns por terem percebido o que estava em causa, outros antes pelo contrário. Com a quase extinção da ironia e sempre levados a sério, renderam-se quase todos à confortável extinção a que tinham sido votados. Talvez o riso tivesse sido sempre sobrevalorizado.
E depois no final de contas, do de que se queixavam? Não tinham eles afirmado tantas vezes “it’s funny ‘cause it’s true?”
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09.06.2025 | por Pedro Goulão
Um momento em que Israel já não se preocupa em esconder as suas ações por detrás de fachadas humanitárias, mas despreza abertamente a própria linguagem que outrora mascarava a sua violência. E o mundo está a ser desafiado –a intervir, a confrontar o facto de que as suas intervenções e discursos sempre fizeram parte do problema, sempre vazios e desprovidos de substância. Poderíamos perguntar aos liberais o que resta deste idioma, não apenas em Gaza, mas nos futuros que se avizinham?
A ler
05.06.2025 | por Bruno Costa
A filha quer saber como foi que aconteceram as coisas, e a mãe responde-lhe com uma receita. Ou seja, com instruções. A filha quer uma descrição e a mãe dá-lhe uma prescrição. Esta frase resume o processo todo do teatro. Começa com uma interrogação: «Como é que foi?» Em vez de se responder, cria-se um conjunto de prescrições sobre como se deve formular a pergunta: «Numa taça, juntas a manteiga amolecida.» E no fim tem-se o crumble de maçã, que é As Castro.
Palcos
05.06.2025 | por Miguel Castro Caldas
África não é um “mercado” não explorado, mas um “produto” exageradamente explorado. No plano cultural mais inócuo, ativistas ‘afro’-brasileiros também levam as suas lutas e os seus discursos para iluminar a nossa população obscurecida e acordá-la contra a opressão do homem branco, apesar de os nossos opressores diretos sejam tão africanos e tão pretos quanto nós, e acabamos colonizados por um discurso desconexo das nossas realidades.
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04.06.2025 | por Marinho de Pina
Um poeta encarnando o seu poema pode abrir mil catarses no peito de um desprevenido. Assim foi com Raúl Zurita, chileno, resistente, e o brutal “Canto ao Seu Amor Desaparecido” em eco num auditório mexicano feito lágrimas. Olhos perdidos, embarquei nessa viagem angustiante por uma necrópole poética onde habitam os mortos e desaparecidos do Chile e do Sul. Os de ontem e os de hoje.
Mukanda
02.06.2025 | por Pedro Cardoso
Os partidos na oposição têm o mesmo gene e objectivo que o partido da situação: cooptar todos quantos sejam possíveis. Daí a guerra dos números de militantes. Não há um entendimento genuíno de que seja conciliável a intervenção política independente, fora dos grupos partidários. Por isso têm a necessidade permanente de tornar militante o cidadão, deixando de poder ser cidadão quando ingressa nas fileiras partidárias porque tem de obedecer primeiramente aos estatutos, à hierarquia e as ordens superiores antes de exercer a sua cidadania.
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02.06.2025 | por Sedrick de Carvalho
O episódio é um exemplo escancarado de machismo e racismo institucional no Brasil e carrega séculos de opressão dirigidos especialmente às mulheres negras, como se houvesse um espaço social predeterminado ao qual elas devessem se submeter. No caso de Marina Silva, mulher negra e de origem humilde, a frase expõe a brutalidade da violência política de gênero e raça, perpetuada inclusive dentro do Senado Federal.
Corpo
01.06.2025 | por Gabriella Florenzano
Não consigo olhar para os nossos governantes na Guiné-Bissau e continuar a acusar o passado pelos nossos problemas, e acho que este esquema de culpar o passado até lhes facilita a vida, porque se enrolam no papel de vítima, e enquanto gritamos, também gritam, fingindo indignação, quando são eles próprios que nos entregam de bandeja à exploração. O que pretendo observar é que reconhecer a violência interna não significa apagar a violência externa, nem justificar a hecatombe.
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01.06.2025 | por Marinho de Pina
Curiosamente, o velho lema de "pegar em armas" hoje anda à direita. Assim como o antigo lema da esquerda da liberdade de expressão. É "proibido proibir", já cantou Caetano Veloso. Hoje a esquerda é moralista, censora, lacradora, uma "esquerda lugar de fala", Alexandre de Moraes.
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29.05.2025 | por Leonardo Bertolossi
O filme é filosoficamente complexo e tingido de um romantismo sombrio. A premissa de um comerciante chinês expor em Luanda, capital de Angola, uma boneca de plástico da Virgem Maria, e esse objeto supostamente ter o poder de influenciar a vida de muitos habitantes locais, chega a ser um paradoxo mordaz e jocoso até; uma divindade originária no Médio Oriente, tornada caucasiana pelo Ocidente e, no caso do filme, vendida e distribuída, como forma de controlo e manipulação, aos africanos por um chinês. Essas dicotomias ajudam-me a questionar o "poder" de forma interessante sem roçar a analogia rasa dos maus contra os bons.
Afroscreen
28.05.2025 | por Marta Lança
No julgamento, apesar da tensão e das interrupções, muitas vezes claramente racistas, dos juízes, aproveitámos para explicar a razão pela qual defendíamos a independência de Angola e como as nossas vivências na colónia nos tinham conduzido a essa posição, aliás coincidente não apenas com a das Nações Unidas, mas até com as defendidas por Encíclicas papais. As acusações que me eram feitas, e que eram, a meu ver, ridículas – vou aliás lê-las – mereceram-me a pena de 20 meses de prisão, que me pareceu francamente desproporcionada, mas honrosa.
A ler
27.05.2025 | por Diana Andringa