Clube de Leitura – Ernesto Neto - I maat

A leitura é uma prática central na vida e na arte de Ernesto Neto. Toda a obra tem os seus mistérios, até para o seu autor. Cada artista decifrará e carregará consigo camadas de acesso ao mundo, mais ou menos reveladas. Ernesto Neto é expansivo no discurso e na matéria: a sua obra concretiza-se na dimensão da grande escala, como podemos constatar na instalação em exposição no MAAT, Nosso Barco Tambor Terra.

Entre as inúmeras referências que servem de base ao seu amplo vocabulário artístico, Ernesto Neto torna visíveis na obra a sua relação com a música, particularmente com a percussão, com as formas e as matérias orgânicas da terra, convoca sentidos habitualmente inanimados nos espaços museológicos, como o olfato e o tato, criando um universo imaginado que nos situa numa dimensão ancestral e que convida à partilha de um território comum. Quando conversamos com Ernesto Neto, as referências que o artista faz às suas leituras são constantes, muitas vezes como tentativa de encontrar no outro um entendimento comum. Ler e conversar sobre os mesmos livros representam vias de acesso, um encontro com o outro, e com Ernesto Neto o aspeto relacional é primordial. Quando lhe perguntámos se gostaria de nos revelar que livros estiveram na base na criação de Nosso Barco Tambor Terra, ou das suas criações de um modo geral, com a ideia de pensar num Clube de Leitura, a dificuldade foi reduzir as suas escolhas até ao essencial.

O Clube de Leitura Ernesto Neto representa assim uma experiência situada numa cartografia não convencional: as sessões decorrerão no espaço expositivo da instalação, inseridas no universo de leituras que Ernesto Neto traçou como seleção. Este Clube de Leitura representará assim uma possibilidade de encontro, não tanto concebida para que decifremos juntos os mistérios íntimos de cada um, mas na tentativa de podermos animar juntos um espaço partilhado.

Regularidade: entre junho e setembro, uma sessão por mês (exceto agosto), às quartas-feiras em modelo presencial na instalação Nosso Barco Tambor Terra

Duração: 2h

Idioma: Português

Preço:

  • 15€ por sessão única
  • Grátis para Membros MAAT. Portadores do Cartão MAAT + Guest podem trazer um acompanhante. Válido para todas as sessões. Peça aqui o seu Cartão MAAT.

Programa

1.ª sessão: 05/06/2024, 19.00-21.00
Com a presença online de Ernesto Neto
A Salvação do Belo de Byung-Chul Han Saber mais

 

2.ª sessão: 26/06/2024, 19.00-21.00
Ideias para Adiar o fim do Mundo de Ailton Krenak Saber mais

 

3ª sessão: 17/07/2024, 19.00-21.00
O Calibã e a Bruxa de Silvia Federici Saber mais

 

4ª sessão: 18/09/2024 das 19.00-21.00
A Vida das Plantas de Emanuele Coccia (Saber mais) + O principio de tudo de David Graeber e David Wengrow (Saber mais)

 

Leituras suplementares recomendadas por Ernesto Neto:

Conversas do Arquipélago de Hans Ulrich Obrist e Édouard Glissant Saber mais

A trama da vida de Merlin Sheldrake Saber mais

O Poder do Mito de Joseph Campbell Saber mais

 

Marta Lança Lisboa (1976). Trabalhadora independente nas áreas de edição, jornalismo, programação e cinema. Formada em Literatura e Estudos Portugueses, é doutoranda em Estudos Artísticos na FCSH - UNL. Colaborou com publicações culturais portuguesas e angolanas. Criou as revistas V_ludoDá Fala (em Cabo Verde) e o portal BUALA, sobre questões pós-coloniais, que edita desde 2010 e foi lançado no programa Terreiros da Bienal de São Paulo. Viveu no Rio de Janeiro e em São Paulo, em Luanda (lecionou na Universidade Agostinho Neto e colaborou com a I Trienal de Luanda), em Maputo (festival de documentário Dockanema), e tem produzido muitos projetos culturais nos países africanos de língua portuguesa. 

Como programadora organizou: Roça Língua (São Tomé e Príncipe, 2011 e 2022); o ciclo Paisagens Efémeras (Lisboa, 2015); Expats (Porto, 2015); Vozes do Sul (Festival do Silêncio, Lisboa, 2017); projeto NAU com o Teatro Experimental do Porto (2018); Para nós, por nós: produção cultural africana e afrodiaspórica em debate (Lisboa, 2018) e sou esparsa, e a liquidez maciça: Gestos de Liberdade (MAAT, Lisboa, 2020).   

Traduziu de francês para português os autores Asger Yorn, Achille Mbembe e Felwine Saar. 

Alguns artigos seus podem ser lidos aqui.

20.06.2024 | por martalanca | Aílton Krenak, Byung-Chul Han, Clube de leitura, David Graeber, David Wengrow, Emanuele Coccia, ernesto neto, O princípio de tudo, Silvia Federici

ERNESTO NETO – NOSSO BARCO TAMBOR TERRA

Ernesto Neto, um dos mais internacionais e conhecidos artistas brasileiros, apresenta uma instalação imersiva, que evoca o cruzamento de culturas entre os diferentes continentes.

Com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, Nosso Barco Tambor Terra é uma das maiores esculturas realizadas, até hoje, por Ernesto Neto. A sua forma foi-se definindo ao longo de meses de trabalho, em diálogo com o espaço arquitetónico do MAAT e com o entorno do museu, extremamente denso de um ponto de vista histórico e simbólico, por representar o ponto de partida das caravelas que rumaram para o lugar que depois viria a ser chamado de Américas.

 

Partindo de imagens (velas) e materiais (lonas e cordas) geralmente associadas às viagens transatlânticas, o artista cria um conjunto de instalações inéditas que ocupam as várias dimensões do espaço. Para a criação da obra, foi utilizada principalmente chita, um tecido de algodão relativamente barato e extremamente difuso no Brasil que geralmente é decorado com estampas de cores fortes que representam flores e plantas. Esse tecido foi cortado em tiras e crochetado à mão por vários colaboradores, a partir de uma técnica desenvolvida ao longo de anos no ateliê do artista no Rio de Janeiro: o atelienave; e, com o material assim obtido, foram realizadas as células que, juntas, compõem a escultura. O plano geral da obra é desenvolvido à mão livre, através de testes e ajustes, e com a ajuda de softwares específicos, de maneira a ficar preciso, mas também maleável o suficiente para se adaptar às especificidades do espaço, quando da montagem in situ.

 

Nos últimos anos, à margem da sua atividade como artista, Neto tem se dedicado à percussão. Ao longo da exposição, a escultura, que incorpora uma série de instrumentos, será periodicamente ativada por uma programação musical, a cargo de músicos e grupos de vários lugares do mundo, com atenção especial para os ritmos das diásporas africana e asiática. Simbolicamente, o encontro de ritmos e batidas em Nosso Barco Tambor Terra irá constituir um contraponto à multitude de idiomas falados pelo mundo, aludindo à possibilidade de encontrarmos, em momentos e contextos específicos, línguas comuns que permitam uma comunicação que transcende a verbal e possibilita encontros autênticos e profundos. Coerentemente com o desejo do artista de criar uma obra autenticamente coletiva e diversa, os tambores de vários tipos e proveniências que habitam a instalação podem também ser tocados pelo público que visita a exposição.

28.04.2024 | por Nélida Brito | Brasil, ernesto neto, exposição