Amy Halpern, Noémia Delgado e Claire Atherton em destaque no regresso do Doc's Kingdom ao Alentejo

Doc’s Kingdom – Seminário Internacional de Cinema Documental vai decorrer pela primeira vez em Odemira, de 30 de novembro a 5 de dezembro. Este ano, a programação fica a cabo de Elena Duque, selecionada através de um concurso público internacional. Sob o título “Corte-Travessia”, a montagem será o tema central do programa que mergulha na obra das cineastas Amy HalpernNoémia Delgado e Rose Lowder. Está também confirmada a presença da montadora Claire Atherton, colaboradora habitual de Chantal Akerman. A iraniana Maryam Tafakory, a portuguesa Beatriz Freire, a venezuelana Valentina Alvarado Matos, o chileno Carlos Vásquez, a espanhola Miriam Martín e o francês Érik Bullot são os outros convidados desta edição de 2023.
 
Amy Halpern, figura incontornável do cinema independente e experimental norte-americano, partiu no ano passado mas deixou atrás de si um legado de criatividade e liberdade consubstanciado em quase 40 curtas-metragens e numa única longa, Falling Lessons, que será exibida em 16mm durante o seminário em Odemira e terá nova projeção na Cinemateca Portuguesa a 9 de dezembro. O filme, que inspirou a programação desta edição do Doc’s Kingdom, é uma experiência cinematográfica concretizada através da montagem de 200 rostos humanos e animais, numa confrontação com o olhar no seu sentido mais político.
 
Como de costume, a programação completa do Doc’s Kingdom - com excepção do filme de Halpern anunciado acima - será mantida em segredo até ao início de cada sessão. Certo é que todos os participantes mergulharão também na obra de Noémia Delgado (1933-2016), autora do pioneiro documentário etnográfico sobre os caretos tradicionais de Trás-os-Montes, Máscaras (1976). A realizadora e também reconhecida montadora, ligada desde os anos 1960 à geração do Cinema Novo, que então procurava revolucionar a produção cinematográfica portuguesa, foi assistente de Paulo Rocha em Mudar de Vida (1966) e de Manoel de Oliveira em O Passado e o Presente (1971), e estagiou com Jean Rouch.

SOBRE OS CONVIDADOS
 
Claire Atherton, montadora de excelência e parceira de Chantal Akerman nos seus filmes durante mais de três décadas, é a convidada especial desta edição do Doc ‘s Kingdom, dedicada à “montagem como ferramenta de pensamento” de que fala a curadora Elena Duque. Natural de São Francisco, Claire Atherton trabalhou com montadora em documentário, ficção e outras formas audiovisuais, ao lado de Akerman mas também de muitos outros cineastas, como Luc Decaster, Emmanuelle Demoris ou Éric Baudelaire. Em 2019, recebeu o Vision Award Ticinomoda por ocasião da 72ª edição do Festival Internacional de Cinema de Locarno, tornando-se a primeira mulher a vencer o prémio.
 
A franco-peruana Rose Lowder dedicou boa parte da sua vida às belas-artes e ao cinema experimental. Foi co-fundadora do Archives du film expérimental d’Avignon (AFEA, 1981) e durante décadas programou a projeção de filmes raros ou raramente exibidos. Aos 82 anos, continua a ser um dos nomes mais influentes do cinema experimental, também através da sua investigação sobre percepção visual e composição, através da gravação e do entrelaçar de imagens sucessivas, abordando a montagem a partir da unidade mínima do cinema: o fotograma.

 

Maryam Tafakory reparte o seu tempo entre Shiraz e Londres. Trabalha com imagens, palavras e sentimentos para criar colagens textuais e fílmicas que juntam poesia, documentário, performance, arquivos e material encontrado. Interessa-se por representações de apagamento, secretismo e violência dos organismos reguladores invisíveis. Os seus projetos assentam sempre numa forte investigação e analisam o que é frequentemente negligenciado e descartado como trivial, excessivo ou não científico. Tem em curso um conjunto de ensaios vídeo que dialogam com o cinema iraniano pós-revolução. A sua obra, vastamente premiada, foi exibida internacionalmente, incluindo no MoMA, em Locarno e na Quinzena dos Cineastas de Cannes.
 
O trabalho artístico da portuguesa Beatriz Freire tem o foco na tecelagem e no têxtil como suporte de ideias e/ou como temática de estudo. Em paralelo, investiga a relação entre o texto e o tecido, e o sentido do táctil na percepção do mundo. Está neste momento a trabalhar em peças e performances que relacionam a materialidade do cinema com a materialidade do tecido e com a montagem.
 
Miriam Martín realizou em 2019 a curta-metragem La espada me la ha regalado e, em 2023, Vuelta a Riaño. Utiliza a dialética da montagem para confrontar por meio de imagens e sons as dúvidas pendentes da história recente de Espanha. Atuou como programadora em várias instituições.
 
Valentina Alvarado Matos trabalha sobre temas como a diáspora por meio da colagem e do trabalho com a linguagem. Carlos Vásquez, por sua vez, actua em duas vertentes: o cinema como dispositivo; e os traços do colonialismo e da violência da história do território chileno. Juntos, investigam a imagem em torno do dispositivo cinematográfico. Participaram recentemente em programas de projeção na Microscope Gallery e no Anthology Film Archives. Na primavera de 2023, estrearam a performance FFF no Museum of Moving Image em Nova Iorque e foram selecionados para o Barcelona Producciò. São autores de várias instalações e outros projetos apresentados internacionalmente. Atualmente, são ambos artistas residentes no centro de artes catalão Hangar e as suas obras fazem parte do catálogo de distribuição de filmes Light Cone em França.

Érik Bullot (França, 1963) é um cineasta e teórico. Os seus filmes baseiam-se na tradição do cinema ensaístico, tecendo associações inteligentes entre imagens e conceitos díspares e foram exibidos em numerosos festivais e instituições internacionais. Publicou vários livros sobre cinema, incluindo Sayat Nova (Yellow Now, 2007), Renversements 1 & 2. Notes sur le cinéma (Paris Expérimental, 2009 e 2013), Sortir du cinéma (Mamco, 2013), Le Film et son double (Mamco, 2017), Roussel et le cinéma (Nouvelles Éditions Place, 2020) e L’Attrait des ventriloques (Yellow Now, 2022).
 
PARCERIAS ALENTEJANAS
 
Com um caminho de mais de 20 anos que remonta a 2000 e às primeiras edições em Serpa, o Doc’s Kingdom teve momentos de itinerância nos Açores e em Almada, e chamou casa a Arcos de Valdevez durante as últimas oito edições. Agora, provando mais uma vez que não pertence a um lugar, mas que se encontra e adapta em cada um dos lugares em que se inscreve, o seminário assenta arraiais em Odemira, lugar de Portugal onde o presente global, complexo e pulsante do mundo em que vivemos se sente como em poucos outros.
 
Neste primeiro ano em Odemira, o Doc’s Kingdom alia-se a várias instituições locais, desde logo à Rota Vicentina – Associação para a Promoção do Turismo de Natureza na Costa Alentejana e Vicentina, em busca de pôr o corpo em prática durante o seminário; e a Cultivamos Cultura - Associação Cultural, que se dedica a promover a experimentação em artes visuais e a sua interseção com a ciência e a tecnologia. A estas entidades juntam-se a Câmara Municipal de Odemira e a Direção Regional de Cultura do Alentejo.
 
O Doc ‘s Kingdom, agora sob a direção de Marcia Mansur, deseja ser um espaço de pensamento aberto não só a cinéfilos mas também a cine-entusiastas, a quem queira pensar o mundo através do cinema - e o cinema em conjunto com os lugares que habitamos. Nesse sentido, outra das parcerias locais relevantes é exactamente com quem tem feito por isso no Baixo Alentejo: o Cinema Fulgor, organização de cariz móvel e projecionista - à qual está ligada a cineasta Sílvia das Fadas, que já teve os seus filmes mostrados no Doc’s Kingdom - e que pretende participar na construção de uma ruralidade viva e autónoma, convocar e nutrir as diversas e dispersas comunidades, propondo o cinema enquanto experiência comunal e ecológica.


 
BOLSAS E INSCRIÇÕES
 
Para fomentar novas possibilidades de imersão e avanço profissional, o Doc’s Kingdom abre duas vagas para uma nova bolsa destinada a programadores e programadoras internacionais que poderão participar do Doc’s Kingdom com todas as despesas pagas. Deste modo, estarão depois habilitados a participar do concurso público que será lançado a cada ano para a programação do seminário e  que tem como condição essencial a participação numa edição anterior. 
 
Além das bolsas para programadores, serão oferecidas quatro bolsas de participação no âmbito do programa Dear Doc. Organizado pelo Doc’s Kingdom desde 2016, este programa é destinado a cineastas, críticos, programadores, investigadores e artistas em início de carreira, portugueses ou residentes em Portugal, com vista a tornar o oferecer ao grupo de participantes um aprofundamento da experiência do seminário, com enfoque no arquivo e na reflexão crítica sobre a programação de cinema.

Ambas as modalidades de bolsas de participação contemplam ainda uma série de eventos exclusivos nos dois dias que antecedem o arranque do encontro em Odemira.
 
As vagas para participação no seminário estão abertas e serão preenchidas por ordem de inscrição. Todas as informações estão disponíveis no site www.docskingdom.org e no formulário de inscrição disponível aqui.
 
sobre o Doc’s Kingdom
Doc’s Kingdom - Seminário Internacional de Cinema Documental é um projeto único no panorama nacional e internacional, que se define como um espaço dedicado ao pensamento crítico, ao debate horizontal, ao estudo e entendimento do cinema documental contemporâneo, nas suas formas mais inovadoras ou experimentais. 

 

sobre Elena Duque
Elena Duque (hispano-venezuelana) é programadora, realizadora, crítica e professora. Estudou na Universidad Complutense de Madrid e na ECAM (Escuela de Cinematografía y del Audiovisual de la Comunidad de Madrid), actualmente vive e trabalha entre Madrid e a Galiza. É programadora da (S8) Mostra de Cinema Periférico na Corunha, Galiza, desde 2013, onde também dirige o departamento editorial. Destaca-se o trabalho como programadora no Festival de Cinema Europeu de Sevilha (2013-2022) e da secção “La invitación al viaje” na Semana de Audiovisual Contemporâneo de Oviedo, ou como moderadora de Q&A’s no IFFR - International Film Festival Rotterdam (2015-2023). Foi responsável pela curadoria de ciclos em instituições como CCCB em Barcelona, Los Angeles Film Forum, San Francisco Cinematheque, Tabakalera em San Sebastián, assim como nos festivais VideoEX em Zurique, Images Festival em Toronto, ou Nomadica em Brescia. É professora na Universidade Camilo José Cela, em Madrid. Participa em conferências, aulas e workshops regularmente, destacando-se instituições como Master LAV (2016-2022), CA2M e La Casa Encendida (Madrid), CinemaAttic (Edimburgo), MUTA Festival de Cine de Apropiación (Lima), Xcèntric - CCCB (Barcelona), Cinemateca de São Paulo e Cinemateca de Porto Alegre. Foi editora dos livros Val del Omar. Más allá de la órbita terrestre (BAFICI, 2015), 8 super 8 e La mecánica de la luz (S8 Mostra de Cinema Periférico, 2017-2020). É autora dos capítulos “Rose Lowder, Single Frame Worker”, publicado no livro Bouquets. Rose Lowder (Eyewash Books, Paris, 2023) e “Jeannette Muñoz. Una apertura al mundo”, no livro Meditaciones sobre el presente. Ute Aurand, Helga Fanderl, Jeannette Muñoz y Renate Sami (Punto de Vista, Pamplona, 2020). Como crítica, publicou textos em revistas e publicações como Lumière (2014-presente), Caimán Cuadernos de Cine (2010-2022), Blogs CCCB (2016-2020), La Furia Umana (2013-2015), Détour (2011-2013), A Cuarta Parede (2011). Como realizadora, trabalha com animação e colagem, através de exercícios plásticos que incorporam formatos analógicos. Os seus filmes foram exibidos em festivais e instituições a nível mundial. Foi artista convidada no Doc’s Kingdom 2021.

 

sobre Marcia Mansur
Nascida em 1979, no Rio de Janeiro, Marcia Mansur é gestora cultural, realizadora e produtora executiva, baseada em Lisboa. Doutora em antropologia (UNICAMP, Brasil), especializou-se em Administração de Artes na Universidade de Nova Iorque. Tem 18 anos de experiência na construção de parcerias, criação de estratégias e modelos de negócio para organizações culturais e já colaborou com instituições progressistas do Brasil (Vídeo nas Aldeias), EUA (UnionDocs) e Reino Unido (British Council), tanto em eventos comunitários (Festival de Cineastas Indígenas) como internacionais (Olimpíadas Rio). Co-fundadora e co-diretora do Estúdio CRUA, que atua entre Brasil e Portugal, suas produções visuais entrelaçam património cultural e arquivos, e expandiram-se do filme para a instalação e os meios interactivos. Aplicou a linguagem cinematográfica em experiências transmídia, cine-concertos e exibições ao ar livre. Marcia discute como o imaginário complexo permeia as relações entre o visível e o imaginado, entre a memória e a experiência do presente. A primeira longa-metragem que co-dirigiu foi incluída no Festival de Cinema Biarritz Amérique Latine (França, 2017) e no Margaret Mead Film Festival no Museu de História Natural de Nova Iorque (EUA, 2018), entre outros. Entre as exibições importantes contam-se festivais no Nepal, Colômbia, Macedónia e Grécia, com distribuição internacional pelo Documentary Educational Resources e Royal Anthropological Institute. As suas obras têm sido apresentadas em algumas instituições internacionais como o Museo Etnográfico de Castilla Y León (Espanha, 2018) e Paço Imperial (Brasil, 2020). Marcia participou de residências artísticas no Museu da Imagem e do Som de São Paulo (Brasil, 2018) e no Lizières Centre Culturel (França, 2017); também foi premiada como Melhor Projeto Transmídia na Muestra de Antropología Audiovisual de Madrid (Espanha, 2018) e como Melhor Documentário no Festival de Cinema Arquivo em Exibição (Brasil, 2022).

 

13.10.2023 | por martalanca | doc's Kingdom