Diário de um etnólogo guineense na Europa (1)

04 de maio – introdução

O meu interesse pela Europa, bem, herdei-o de um tio meu. Não era mesmo meu tio, mas um homem-grande lá da tabanca que toda a gente chamava de tio. O tio Paulo Bano Badjanca tinha vindo a Europa uma vez e tinha visto tugas. Ele contou que os tugas eram muito coitados, estavam sempre a correr de um lado para outro, com a cara fechada e muito infeliz, e alguns deles não tinham nem mesmo onde morar, nem roupas, andavam com trusses e calcinhas e deitavam-se na areia, perto do mar. O tio Paulo tinha sentido muita pena deles, pois parecia que já tinham desistido de viver e só estavam à espera que o mar subisse e os levasse, coitados!

Essa impressão do tio Paulo despertou em mim um sentimento intenso e eu decidi que quando fosse grande iria até Europa para ajudar a sua gente a ser menos pobre e mais feliz. 

Então comecei a estudar sobre os tugas e sobre a Europa para os entender melhor. Primeiro falei, na Guiné, com aqueles que tinham conhecido brancos ou a Europa, para ter uma base, depois passei a ler livros sobre a Europa. Isso confirmou que a ideia do tio Paulo Bano de que eles eram mesmo infelizes estava certa. Eu li livros enormes, mas eram só sobre guerras e guerras; guerras tão grandes que eles as chamavam de mundiais, guerra de cem anos, guerra fria, guerra de golfe (ou de golpe, ou de golfo, já nem me lembro), guerra de… Bolas!, era tudo sobre guerra! Guerras e problemas, dinheiro, dinheiro, dinheiro, guerras, guerras, guerras, problemas, problemas, problemas…

Costa da Caparica, imagem de divulgaçãoCosta da Caparica, imagem de divulgação

Não entendia como é que os tugas conseguiam viver na Europa e por que gostavam tanto de escrever sobre problemas. Eu pensava que eles também deviam ter coisas boas, como a música, por exemplo… mas disseram-me que os brancos não sabem dançar, e isso eu não entendia muito bem, visto que também eu li que eles tinham pimba, valsa, passo doble, gavotte, mazurka, dança da roda, branle, quadrilha… entre outros nomes difíceis. Eu sempre achei a cultura da Europa muito interessante e tão exótica, e acho tão engraçado os tugas terem todos esses tipos de danças e não saberem dançar.

Voltando ao assunto, depois da pesquisa, decidi vir à Europa conhecer os tugas. Queria mesmo vir também tirar-lhes a medida dos pés, das mãos, da cabeça, do pénis… ah, dizem que eles têm pénis muito pequeno. Talvez seja por isso que não têm muitos filhos e não gostam nada dos pretos. Também sei que as mulheres tugas gostam muito de sexo, um colega meu, etnólogo guineense, WJ, que estudou também os tugas, falou disso no seu trabalho “Nha Carta”, numa frase dirigida à sua namorada que ficou na Guiné-Bissau: “si kontra bu fixi, nha fofa, fixi mas tem li; si kontra bu bagri, nha fofa, bagri mas tem; si bu bom na kama, brankus, kilas e ta fasi nam filmi”.

Bom talvez tenha de falar agora de uma questão confusa aqui, pois ao que parece tugas não significa brancos, mas portugueses. Aconselharam-me, portanto, a usar o termo de maneira menos preguiçosa e mais exata, e para não confundir os tugas com os europeus, porque nem todos os europeus são tugas. Mas se essas mesmas pessoas falam de africanos como um grupo único, e falam da cultura africana como se fosse única, e falam de gente preta como sendo automaticamente africana, então, não entendo, por que razão não posso chamar a tugas de brancos, ou a brancos de tuga, ou de europeus.

Eu vim à Europa para estudar a etnia tuga e é isso que vou fazer, e é sobre isso que vou continuar a escrever.

 

por Marinho de Pina
Mukanda | 6 Maio 2019 | branco, etnografia, Europa, tuga