Escrita corporal
Mesmo quando ainda não existia civilização, nem leis,  nem  tecnologia, já havia no mundo a necessidade humana de ultrapassar a vida  comum e  se comunicar. A expressão escrita, falada ou gesticulada presente no  início da  história se tornou alvo de estudos da Cia Enki de Dança Primitiva  Contemporânea,  que estréia o espetáculo Simbolein,  uma  tradução corporal de um antigo dialeto africano.
O coreógrafo Paulo Fernandes disparou sem  rodeios: “A  expressão é a música do corpo”. Como membro da Cia Enki e professor de  Dança na  Escola de Teatro e Dança Fafi, Fernandes explica que Simbolein partiu  de um estudo feito sobre um antigo dialeto da Etiópia, o Ge’ez.
Falado há mais de dois mil anos e que, pela forte  resistência  etíope à colonização europeia, manteve-se vivo até hoje em algumas  localidades  do país, a língua serviu de inspiração ao coreógrafo para entender a  relação do  homem com a escrita. “O homem é sempre traduzido por um gesto de  expressão, que  é linguagem universal”, explica. Expressão ligadas a um senso de  corporalidade  implícita que são invocadas na dança.
“É a partir dessa percepção de que a origem da  escrita se  apropria da visão do homem da imagem da natureza. O modo como vê a folha  se  relaciona com a sua mão”, comenta Fernandes. Em seus estudos, Fernandes  se  aprofundou em detalhes da composição da linguagem Ge’ez e descobriu  relações  matemáticas para traduzir a relação da expressão com o corpo e o espaço.
 “O alfabeto deles é fantástico porque tem letras e números, feitos em estrutura circular e em progressão geométrica”, conta ele. A partir dessa relação matemática entre letras e significados é que Simbolein (“símbolo” em grego), tenta redesenhar essa estrutura de expressões, seguindo a percepção de que as escritas antigas obedecem a observação do homem com a natureza.
“O alfabeto deles é fantástico porque tem letras e números, feitos em estrutura circular e em progressão geométrica”, conta ele. A partir dessa relação matemática entre letras e significados é que Simbolein (“símbolo” em grego), tenta redesenhar essa estrutura de expressões, seguindo a percepção de que as escritas antigas obedecem a observação do homem com a natureza.
O espetáculo segue uma escritura emocional do alfabeto Ge’ez pelo corpo, pelo espaço e pela música. Até a trilha sonora caminha nesse sentido, acompanhando uma estrutura matemática proporcional a formação alfabética.
Segundo o coreógrafo, essa reflexão acerca da matemática do corpo tem um objetivo mais forte que é o de repensar o significado das culturas antigas diante de um sistema que descarta tais conhecimentos. “A idéia do projeto é trazer uma cosmovisão da África para o mundo ocidental e, quem sabe, talvez seja até uma reflexão importante para a educação”, pondera.
Com essa proposta, Simbolein recebeu incentivo do Fundo Nacional das Artes (Funarte) para apoio de montagem e circulação: foi o único espetáculo do estado a ser contemplado no Prêmio Klauss Vianna. Sem o prêmio, Fernandes admite que seria um pouco difícil realizar este gênero de espetáculo pelo tamanho de sua profundidade, mas ressalta a importância que os estudos das culturas antigas tem para questionar os conflitos contemporâneos. “O foco desse tipo de provocação é trazer a simplicidade e a profundidade que tem nesses elementos e fazer uma avaliação do que é o conhecimento pra gente”, completa.
Simbolein, da Cia Enki de Dança Primitiva Contemporânea, dia 3, 19:30  e domingo (4), às 16:30 às 19h30, no Auditório da Fafi. Av. Jerônimo Monteiro, 656, Centro, Vitória. Entrada franca.