Cartas a um Jovem Poeta

Cartas a um Jovem Poeta, Reiner Maria Rilke

O Puto Pac noutros tempos disse que fazia “a apologia da lírica terapia”. E dar dicas de como escrever poesia, contos - ou um diário - é das poucas ocasiões em que os conselhos são úteis. Pois são dicas relativas a um exercício introspectivo que salva vidas. Quando eu tinha 15 anos, este livro de Rilke ensinou-me a como me salvar a mim mesmo - repetidas vezes. Principalmente nos meus mais preciosos momentos de revelação e escrita: aqueles em que sabia que não seria lido. Muita da melhor arte é aquela que tem a intenção do anonimato. Tal como tantos fragmentos dos clássicos e sonetos do renascimento. Ou a beleza das ruínas, o pináculo da arte-de-ninguém. Mas agora tudo tem ganho esta obsessão pela indexação individual, típica reacção num mundo com 7 mil milhões de anónimos, tristemente globalizados e homogeneizados. Então, deve-se escrever prometendo a nós mesmos queimar o caderno no fim. Talvez assim saia algo mesmo ousado. Algo honesto. Como dica, os meus alunos do Namibe gostam de um exercício em que se listam, por meio de frases soltas, numa folha dividida ao alto, tudo o que se ama e se odeia: “adoro um beijo de alguém que comeu maçã verde”; “odeio o olho cego do meu tio quando entro tarde em casa, é inútil e segue o outro.” Frases tão banais como fortes, como gatilho, para se expandirem para súbitas páginas de revelações e descobertas próprias. Escrever para fazer amigos ou inimigos é mendigar atenção - é infantil. Deve-se escrever para tentar compreender porque sofremos tanto, apesar de não o admitirmos. Escrevam! Comecem sempre com o voto de escreverão sabendo que no fim lhe pegarão fogo. Com esse voto de desapego, ousadia e coragem talvez se comecem a ouvir vozes mais sinceras. Talvez acabem mesmo por decidir não queimar os cadernos.

MIGUEL GULLANDER 

11.07.2011 | por martalanca | literatura