“Alfredo e as Nuvens”, de Ruben Zacarias

7 a 17 de junho, na Galeria Papoila, Porto. Com curadoria do artista, Ruben Zacarias, e do investigador artístico Paulo Ansiães Monteiro, a mostra reúne duas dezenas de obras inéditas que exploram o luto, a celebração do vazio, e, sobretudo, a memória enquanto matéria criativa

A mostra é dividida em três etapas temáticas — “Silêncios revisitativos”, “Letargia” e “Alvorada” — e propõe um mergulho poético-sensorial. As peças foram feitas com diversos materiais, sendo os essenciais papel, tela, filme radiográfico e metal. De acordo com Zacarias, a exposição nasceu da vontade de trabalhar com a memória da ausência, partindo deste estado de espírito que se assemelha à letargia taoista.

“Não é o medo da morte que nos conduz durante o labor criativo, mesmo quando esta ronda a existência sorrindo-nos com astúcia. Talvez seja o mistério e, noutras vezes, a letargia espiritual vivida pelos que ficam, uma espécie de nostalgia taoista. E é daqui que ressurge Alfredo – Irmão do pintor, falecido há dez anos”.

fotografia de Susana Magalhãesfotografia de Susana Magalhães“Existem imagens (raras) capazes de expressar, ao mesmo tempo, a realidade na sua imediatez mais flagrante e o que nelas escapa ao imediato, apontando camadas profundas de significação. As imagens do Ruben Zacarias entram-nos pelos olhos e dilatam-nos por dentro. A beleza das suas pinturas atrai e faz deslocar o coração. Toma, transfigura e revela. Há sempre uma tensão figuração/abstração que potencia o efeito (retiniano) das imagens no observador. É possível seguir as pinceladas e o estraçalhar na tela.

Temos um burocrata do controlo cheio de gavetas ao peito como medalhas das categorias, um verdadeiro “adormecedor”. Em “musicalidade” um ser andrajoso com os privilégios da gente sentada controla um demónio que parece masturbar-se. Em “Sonho Líquido” uma figura andrógina brinca com o mundo feito brinquedo, e a caixa branca do inconsciente está guardada a chave. Em “Baile de Máscaras” o performer faz do camarim um laboratório alquímico, em que as máscaras são o resultado desse processo. Em “Silêncio” um díptico em que um simples encostar de cabeça nas costas permite a transmissão = o diálogo.

Noutro díptico “Emigração”, moedas deslizam para uma urna/cofre forte da despesa nacional. Em “Nocturno” uma forte pisadela que provoca um splash da espuma dos dias.

No díptico Jeany Duwal uma mulher amputada de um dos membros que a impede de alcançar as figuras. E deixo para o fim as magníficas imagens feitas em radiografias médicas de grande beleza.

A ideia de Platão é que a beleza age duplamente, primeiro através dum choque que provoca a recordação ou visão de “outro mundo” e que de seguida funciona como força material de uma energia directamente utilizável para o progresso espiritual.

Foi isso que senti ao contemplar as pinturas do Ruben Zacarias. Uma beleza que se prende ao nosso corpo, irresistível, sem deixar de ser obscura e enigmática.”

Paulo Ansiães Monteiro

 

 

06.06.2025 | por martalanca | Ruben Zacarias