Ver é um verbo demorado. Ensaio neocolonial sobre tempos, olhares e desconfortos.

Ver é um verbo demorado. Ensaio neocolonial sobre tempos, olhares e desconfortos. Na sala de montagem, trabalhava-se numa sequência de vinte minutos que não chegaria à versão curta, o mesmo é dizer de 217 minutos. No ecrã: três corpos, três temperamentos. Conversavam, provocavam-se, mediam-se. Vi em silêncio por meia hora, enquanto o Pedro discutia opções com a montadora. Visto de fora, pareceu-me uma cena magnética, em que nada acontecia e tudo acontecia. Pensei que é assim que a realidade respira quando não é obrigada a caber num guião. Numa cena lenta, tensa e viva. Vinte minutos, e nem um a mais do que precisava. Pinho monta como quem tenta ressuscitar o tempo. Deixa o ar mover-se, o pulso palpitar, o olhar perder-se e regressar. Não corta para acelerar, corta para ser honesto. É um gesto radical, hoje, num mundo onde até a indignação precisa de caber num clip.

Afroscreen

24.10.2025 | por P.J. Marcellino