Filme 'Noites Alienígenas': a juventude urbana amazónica no abismo da fronteira.

“Os moleques ficam-se matando todo o dia” diz Alê, personagem interpretada pelo ator Chico Díaz, no início de Noites Alienígenas (2022), filme realizado por Sérgio de Carvalho. A calamidade descrita na curta frase de Alê poderia ter lugar em várias geografias do Brasil, mas nesta longa-metragem de ficção é uma tragédia amazónica que se desenrola a partir dos bairros de palafita da periferia da cidade de Rio Branco, no Estado do Acre, território atingido pelo flagelo que transcende fronteiras, regiões e países na floresta tropical: o tráfico internacional de drogas. 

Em Noites Alienígenas, primeira longa-metragem de ficção de Sérgio de Carvalho, a periferia da capital do Estado é o lugar e o ponto de vista desde o qual jovens amazónicos enfrentam o quotidiano, ao mesmo tempo que imaginam formas de escapar de um espaço ocupado por ausências. Num universo objetivo que lhes nega o seu valor e as aspirações individuais, a população jovem e periférica procura um futuro que está em aberto e no qual projetam frágeis possibilidades. 

Gleici Damasceno com o ator acrerano Gabriel Knoxx, foto de Wesley Barros Gleici Damasceno com o ator acrerano Gabriel Knoxx, foto de Wesley Barros

A periferia de Rio Branco é um universo onde orbitam mundos diferentes e, entre estes, existem das mais diversas fronteiras. No início do filme, durante a sequência que o traficante Alê protagoniza com o seu jovem ajudante, Rivelino a.k.a. Riva (Gabriel Knoxx), este último é alertado para “sair do buraco que é Rio Branco”. Em tom paternal, Alê explica-lhe: “Dentro desse mundo, tem outros mundos e dentro desses outros mundos tem outros mundos. Para mim, otário é aquele que fica num mundo só”.

Embora Rio Branco não seja um “mundo só”, em certos momentos, configura-se como uma grande nave labiríntica sem saídas, um vasto horizonte urbano observado à distância por jovens que deambulam por becos e praças num circunvagar que sugere um lugar que os aprisiona. Neste trânsito as personagens procuram cruzar fronteiras: geográficas, geracionais, culturais e, inclusive, as do próprio eu quando se trata de escolhas éticas ou da afirmação de identidade. 

Num lugar que é uma força antagonista, as personagens do filme têm de transitar entre a pluralidade de tempos, enquanto procuram ajustar contas com o seu entorno e encontrar-se a si mesmos. Na Amazónia, que é de muitas e distintas fronteiras, não se vive num só tempo: as diferentes temporalidades convivem em múltiplos espaços, alguns em transformação vertiginosa, como são exemplo os que alojam a sociedade urbana. “O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente no tempo da História” (1996), defende José de Souza Martins - professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – em estudo que explorou as relações sociais e políticas no tempo da(s) fronteira(s).

“O perigo iminente é uma Amazônia entregue aos bandidos”.

O guião de Noites Alienígenas é a adaptação do livro homónimo, de 2011, escrito pelo realizador. Na época, a obra foi apresentada como um “retrato-falado da contemporaneidade dos habitantes de Rio Branco”, mas quando Carvalho - natural de São Paulo e, há vinte anos, residente no Acre - começou a pensar na transposição do romance para cinema, sentiu necessidade de o atualizar. Uma adaptação para a qual o realizador contou com a parceria dos guionistas Camilo Cavalcante e Rodolfo Minari.

“Quando fui passar da literatura para o cinema, percebi que aquela periferia do Acre já não era mais a mesma. Com uma diferença de mais ou menos dez anos, o Acre já era completamente outro território, tomado pelas facções” explicou o realizador à jornalista Thais Melo, numa entrevista para o site FilmInBrasil. Sérgio de Carvalho disse também, ao site de jornalismo independente brasileiro, Mídia Ninja, que teve “um choque no aprofundamento da pesquisa [para a escrita do guião] ao ver a quantidade de jovens que morrem dentro das facções. E se banalizou. São jovens matando jovens, descendentes de preto matando gente preta, nordestinos matando nordestinos, indígenas matando indígenas. O desafio foi entender esses poderes que manipulam os jovens para se matarem.” 

Numa das sequências iniciais do filme, com o som ambiente da casa de uma das personagens, ouve-se uma rádio regional com notícias que situam o espectador: “Segundo a informação da Secretaria de Segurança Pública, os assassinatos aqui no Estado, com características de execução, são motivados pela guerra entre facções pelo controle do tráfico de drogas. As facções surgiram em São Paulo e Rio de Janeiro e, nos últimos anos, migraram para todo o país. Nos estados brasileiros que fazem fronteira com os países produtores de droga, a situação é mais preocupante.” A completar estes dados, o filme fecha com a informação de que o aumento de quase 200% dos assassinatos de crianças e jovens no Estado do Acre se deve à migração dessas organizações criminosas.

Com uma fronteira de 1,4 mil quilómetros com países vizinhos, produtores de cocaína, o Acre faz parte, atualmente, das rotas de escoamento da droga aí produzida. O relatório Cartografias das violências na região amazónica, publicado a 30 de novembro, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela: 59% da população amazónica vive em cidades com presença de facções; Rio Branco é uma das capitais com mais conflitos entre estes grupos criminosos; além do tráfico de droga, estes grupos estão associadas, no Estado, a outras atividades ilegais como migração internacional, tráfico de armas, pesca ilegal e biopirataria.

“O perigo iminente é uma Amazônia entregue aos bandidos” escreveu o cineasta e escritor João Moreira Salles, no seu livro Arrabalde, em busca da Amazônia, publicado em 2022. Salles cita um trabalho do economista Rodrigo Soares (Insper) que analisou o crescimento vertiginoso da taxa de homicídios na Amazónia Legal, composta por nove estados do Brasil que pertencem à bacia amazónica: “Se fosse um país, já em 2017, a região ocuparia a 4ª posição no ranking do Health Metrics and Evolution, ficando atrás somente de El Salvador, Venezuela e Honduras (…) Parte desse padrão parece decorrer do papel crescente que a região vem assumindo no tráfico internacional de drogas, com municípios situados nas rotas hidroviárias e rodoviárias usadas pelo tráfico registando aumentos excepcionais de violência”. (Salles p.326)

Este paradigma do século XXI contrasta com a realidade da década de 1970, na qual o Estado do Acre atraía visitantes em busca de experiências espirituais e psicadélicas com a Ayahuasca, substância psicoativa pan-amazónica, usada sobretudo pelos povos originários em rituais e curas xamânicas. O realizador de Noites Alienígenas disse ao Mídia Ninja, que essa época está representada no filme pela personagem de Chico Díaz que, “homenageia a geração mística que chegou no Acre na década de 70, tomou muita Ayahuasca, gosta muito de arte e está ali como esperando o disco voador, os encantados, o povo da água”.

Rio Branco, a quarta capital mais antiga do Norte do Brasil é, atualmente, a sua sétima cidade mais populosa. No final do século XIX, então ainda como território boliviano e peruano, o Ciclo da Borracha trouxe à região grandes levas de migrantes nordestinos, refugiados da seca no Nordeste brasileiro, assim como povos de outras regiões brasileiras e do mundo – espanhóis, portugueses, libaneses e turcos - o que junto com os afro-brasileiros e indígenas gerou uma miscigenação intensa da população.

Depois de um período de disputa entre a Bolívia, Peru e o Brasil, a região do Acre foi incorporada ao território brasileiro entre 1903 e 1909. Rio Branco, apesar ter vivido um período de grande desenvolvimento durante o Ciclo da Borracha, é atualmente uma capital desigual que, como outras capitais amazónicas, não responde com eficiência às demandas sociais da sua população, embora seja o principal centro financeiro, político, empresarial e cultural do Estado.

Na região amazónica brasileira, a população é maioritariamente urbana, 79% segundo dados recentes. A geógrafa brasileira Bertha Becker (1930-2013) expõe no livro A urbe amazónica: a floresta e a cidade (2013) porque os ciclos de exploração da floresta tropical não promoveram o desenvolvimento dos núcleos urbanos, tornando-os vulneráveis a todo o tipo de violências: “A história da Amazônia revela que a região ficou à margem do Estado brasileiro, na dependência das demandas das metrópoles e países estrangeiros, passando por curtos períodos de crescimento seguidos de longos intervalos de estagnação (…) não funcionaram as redes de cidades que poderiam definir um fluxo comercial que expandisse a economia regional”. Segundo diz, “um dos principais desafios do século XXI consiste na conciliação entre crescimento económico e proteção ambiental”.

A (não) contemporaneidade na periferia de Rio Branco.

Este é o contexto que embaça o filme de Sérgio de Carvalho. Uma narrativa focada na juventude que convive com a realidade presente e passada, na qual os protagonistas, três jovens amigos de infância, Riva, Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo Reis) são confrontados com uma série de conflitos provocados pelo contrabando e consumo de drogas. A evolução dramática das histórias de Paulo, dependente de drogas, e de Riva vão escalando patamares que os levam a cruzar distintas fronteiras. Por sua vez, Sandra - uma jovem mãe negra que cria, sozinha, o seu filho e de Paulo, enquanto namora Riva - sofre as consequências das opções dos seus amigos. A jovem tem trabalho na cidade, mas aspira emigrar para a Bolívia ou São Paulo, estudar e formar-se. Ela quer “sair do buraco” que é Rio Branco como sugere Alê a Riva, no início do filme. 

Alê é de um tempo que Riva tem dificuldade em entender. O conflito entre o traficante da “velha guarda” e o jovem agudiza-se. O Rap que o jovem canta para Alê na mesma sequência revela esse distanciamento temporal e um retrato do seu entorno hostil: “Sou mais um psicopata que sem opção puxa o gatilho. É melhor roubar o seu filho do que comer lixo, estourar a boca de caixa do que limpar vidro da sua Mercedes importada, cheia dos utensílios. Ai Doutor! Me desculpe pelo assalto, mas o que não tu é eu!”.

still de Noites Alienígenas still de Noites Alienígenas

Com a exceção dos momentos esporádicos, nos quais Alê assume uma atitude entre protetora e paternal, em Noites Alienígenas o universo adulto, que secunda a existência dos jovens, é exclusivamente feminino, uma realidade muito comum no Brasil. São as mães, as que têm de lidar com o percurso errático dos seus filhos, no caso de Paulo, Marta (Chica Arara) e Beatriz (Joana Gatis), no caso de Riva. A montagem do filme opta por colocar as sequências de apresentação das duas mães, uma depois da outra, o que acentua o contraste entre as duas mulheres e revela diferentes vivências no contexto periférico. A mãe de Paulo é uma mulher indígena e evangélica, vítima da dependência do filho; a mãe de Riva é uma mulher independente e jovial que não chega a entender as escolhas do filho. Mães e filhos estão entrelaçados na espiral de violência e desespero. Estas mães são a família natural que é desafiada por outra família, a do crime, onde traficantes cerram fileiras entre irmãos.

Noites Alienígenas também explora o contraste entre como se organizam as facções criminosas e as práticas de Alê, o traficante à moda antiga que vende droga na sua própria casa, à porta da qual os clientes chamam pelo seu nome. As diferenças são substanciais para a construção da trama pelo confronto de tempos diferentes. A ênfase colocada na não contemporaneidade que separa mães e filhos, agentes do crime e a sociedade em geral da periferia de Rio Branco é uma das chaves da narrativa que, neste confronto, aproxima-se do real, contendo contornos documentais. 

Como é que a outra família consegue alienar a juventude amazónica? Para João Moreira Salles, “a Amazônia do boi e da monocultura é incontornavelmente escassa em oportunidades” e “a situação é especialmente grave para os jovens. Quase 60% das pessoas entre os 18 e 24 anos não tem ocupação. Na faixa dos 24 aos 29, o índice é de 40%, dez pontos percentuais acima do resto do Brasil. Por trás desses números existe uma realidade preocupante. É o desalento.” (Salles p.346) João Moreira Salles chama-lhes “gente que desistiu” referindo-se “aos jovens menos propensos a trabalhar ou a buscar emprego. (…) Um desdobramento particularmente perigoso dessa Amazônia sem lei e sem projeto de desenvolvimento. Esse mar de gente desassistida é vulnerável à cooptação pelo crime.” (Salles p.347) 

Formas de existência que desafiam o universo hostil.

Os jovens protagonistas e coadjuvantes de Noites Alienígenas sentem-se perdidos e isso é colocado em evidência. Em determinado momento, Sandra critica Riva “tu fica nessa de lá para cá. Não sabe para onde vai” e, noutra ocasião, pergunta à sua amiga (interpretada por Kina Sena): “Mas quando é que foi que a gente se perdeu? A gente cresceu todo o mundo junto!”. Sérgio de Carvalho capta essa desolação, mas não a apresenta como absoluta ou paralisante, existe resistência e ação na juventude amazónica. Esta mesma potência também está registada no documentário de Juliana Curi, Uýra - A Retomada da Floresta, filme focado na periferia urbana de Manaus. Ver texto https://www.buala.org/pt/afroscreen/filme-uyra-a-retomada-da-floresta-a-....

É através da arte que a protagonista de Uýra - A Retomada da Floresta desafia a realidade adversa, tal como os jovens de Rio Branco na ficção Noites Alienígenas. Sérgio de Carvalho incorporou a dimensão cultural-identitária que a juventude periférica constrói através da cultura hip-hop, das rodas de Slam (poesia declamada ou cantada por indivíduos que se dispõem em roda geralmente em espaços públicos), dos grafites e da pintura. 

As letras das canções Rap cantadas por Riva e os versos trocados nas rodas de Slam, nas quais participa Sandra e outros amigos, articulam ideias, aspirações e indignação comum, ampliam o retrato documental ao expor o sofrimento social da juventude pobre e periférica. Numa praça pública de Rio Branco, os jovens expressam o que é também transversal a outras geografias: “A fome por aqui domina a maioria (…) não arrumou um trampo para melhorar o seu dinheiro, optou por morrer armado em plena rodovia. (…) Aqui ela só cresce, desemprego está em alta, faltando paga na creche. O seu ritmo não vai mudar isso. Com o Rap eu me alimento (…). E o menor que descobre o gosto da fome. Aos oito anos fazer o papel do seu pai e do seu avô. (…) Imperador de bolso cheio, nós de panela vazia. A fome é maior que qualquer frase de amor e acerta todo o mundo sem ter género nenhum.” 

still de Noites Alienígenasstill de Noites Alienígenas

É nestes momentos que a força das palavras se expande no filme. Noites Alienígenas explora a potência das palavras pela abundância, como por exemplo na sequência inicial durante a conversa entre Alê e Riva, ou pela sua escassez, quando não se chegam a formular mensagens concretas ou se conjugam perguntas sem respostas, em determinados diálogos entre Riva e a sua namorada ou entre as mães e os respetivos filhos.

Um dos personagens de poucas palavras, mas de uma expressão corporal altamente representativa é Paulo, o jovem indígena dependente de drogas. O pathos da sua fronteira está entre sucumbir ao vício ou curar-se; aceitar a violência e o isolamento que esse lhe impõe ou reaproximar-se da sua família; e está também no seu trânsito entre a cultura urbana e a ancestral, entre a cidade e a floresta. 

Com a personagem de Paulo, o realizador queria trazer para o filme, “a questão da perda da identidade da floresta e das consequências de se distanciar da sua identidade [indígena]”, disse na mesma entrevista ao portal Mídia Ninja. Esta problemática, que se projeta igualmente na mãe do jovem, é abordada de forma tangencial ao longo da narrativa, mas revela-se central no desfecho do percurso dramático de Paulo. A contribuição dos rituais xamânicos e a força simbólica da presença da jibóia – animal sagrado para alguns povos indígenas e protagonista de muitas narrativas amazónicas – aproximam a trama de Noites Alienígenas da cultura ancestral dos povos originários, fazendo-a transpor a fronteira urbana, ampliando a sua abrangência.

Uma vez na floresta, o filme remete-nos para a diversidade de territórios por onde passam as rotas do contrabando de drogas e se situam lugares explorados por atividades ilícitas, onde povos locais e, sobretudo, os mais jovens vivem igualmente ameaçados. Esta realidade não faz parte da narrativa de Noites Alienígenas, mas a periferia que é retratada é um lugar estratégico deste fluxo, não só como enlace do tráfico e ponto de venda de droga, mas também como destino de fuga daqueles que a rede criminosa desloca da floresta, alguns corrompidos, outros alienados das suas comunidades, e outros, muitos, em fuga de ambientes violentos. 

Numa entrevista à revista Gama, em setembro passado, a escritora e jornalista Eliane Brum questiona “Como ficam aqueles adolescentes Yanomami que, no espaço de meses, viviam com seus ancestrais e, de repente, estão cheirando cocaína e prostituindo suas irmãs?” uma formulação que pode ser pan-amazónia, embora esteja focada na realidade do povo indígena Yanomami, que habita o Estado de Roraima, território que sofreu uma invasão de garimpeiros – em alguns casos associados ao narcotráfico, um fenómeno nomeado como narcogarimpo – que, nos últimos anos, foi responsável por uma trágica crise humanitária, social e ambiental.

Na luta contra este flagelo, também há jovens que se mobilizam para exigir ao governo brasileiro uma reação mais contundente. Reunidos em Brasília, em setembro passado, a Juventude da Floresta elaborou uma carta dirigida ao Presidente Lula da Silva com várias reivindicações. A carta é assinada nestes termos “Nós, jovens, guardiões do legado de Chico Mendes” em homenagem ao líder ambientalista (1944-1988), natural do Acre, que em 6 de setembro de 1988, três meses antes do seu assassinato, escreveu uma carta à juventude de 2120, a que então deveria celebrar os 100 anos de uma “revolução socialista mundial” que unificara todos os povos do planeta. Este vaticínio de Chico Mendes tratava-se de um sonho, como ele escreveu, que deixaria atrás, o “triste passado de dor, sofrimento e morte”. Por agora, este passado continua presente na Amazónia. 

Paulo (Adanilo Reis) Paulo (Adanilo Reis)

O filme da periferia do Acre alcançou o centro do cinema brasileiro. 

Com Noites Alienígenas, Sérgio de Carvalho pretendia colocar esta temática e o Estado do Acre no repertório do cinema brasileiro, tradicionalmente focado noutras regiões. Para perceber o tamanho do desafio a que o realizador e a sua equipa – da qual faziam parte atores e outros profissionais acreanos - se propuseram, há que mencionar que a produção cinematográfica local também existe sob a condição de periférica, com recursos e incentivos mínimos e uma visibilidade escassa a nível nacional, consequência de uma política de gestão cultural assimétrica. A produção desta obra só foi possível devido ao financiamento recebido através de um concurso aberto no âmbito de um projeto de descentralização cultural promovido pelo Ministério da Cultura, ainda durante a gestão dos anteriores governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Contudo, o filme também cruzou fronteiras - ou barreiras - e tornou-se a primeira longa-metragem, produzida naquele Estado, com repercussão nacional e internacional. A jornalista, crítica e pesquisadora brasileira, Maria do Rosário Caetano, num texto para a Revista de Cinema, chamou-lhe “um filme-ovni, vindo do Acre”, quando a longa-metragem aterrou, em agosto de 2022, na competição oficial do 50º Festival de Gramado, um dos festivais de cinema mais importantes do Brasil, onde foi distinguido como Melhor Filme pelo Júri Oficial e pelo Júri da Crítica.

O elenco, preprado pelo ator e dramaturgo Germano Melo, recebeu mais quatro distinções: o prémio de Melhor Ator para Gabriel Knoxx, jovem rapper acreano que se estreou como ator com este trabalho; Melhor Ator Coadjuvante para Chico Díaz e Melhor Atriz Coadjuvante para Joana Gatis. O ator Adanilo Reis (ator indígena de Manaus) recebeu também uma Menção Honrosa pela sua interpretação no filme.

Noites Alienígenas, a primeira longa-metragem de ficção do Acre a ter distribuição nacional, estreou nas salas de cinema brasileiras em março de 2023. Em Portugal fez parte da seleção do 4º FESTin – Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, no qual foi igualmente distinguido com os prémios de Melhor Filme e de Melhor Ator para Chico Díaz.

por Anabela Roque
Afroscreen | 11 Dezembro 2023 | 'Noites Alienígenas', Acre, calamidade, droga, floresta, Sérgio de Carvalho