Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 5)

Diário de um etnólogo guineense na Europa (dia 5) Os amigos tugas dos chefes dos tugas estão a despedir muitos tugas, coitados, e quando isso acontece sempre mandam os tugas coitados emigrar. Por exemplo, há não muitos anos, um chefe tuga chamado Caço Coelhos também fez o mesmo, deu muito dinheiro aos seus amigos tugas donos dos bancos e despediram os tugas coitados e mandaram-nos emigrar. “Vá!, todos para o Norte, emigrem para a Europa, saiam da Tugalândia.”

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21.02.2021 | por Marinho de Pina

Para lá do plátano

Para lá do plátano         O meu otimismo pode ser desconcertante, desconfortável, incompreensivo, pode deixar mais dúvidas que respostas mas é por aqui a minha confiança, segurança, os meus alicerces como resposta ao desafio que a vida me colocou. Tenho confiança, por olhar para o lado, para o passado, de que a tendência é dos corpos melhorarem; bem e mal cruzam-se mas o olhar e a sua vontade levam a ver em tudo ganhos e, nos passos atrás, ganhar balanço para dar dois à frente.

Corpo

21.02.2021 | por José Maria Belo

Transferência de conhecimento tecnológico africano em Portugal durante a Modernidade: pessoas escravizadas e cultivo de arroz nos rios Tejo e Sado

Transferência de conhecimento tecnológico africano em Portugal durante a Modernidade: pessoas escravizadas e cultivo de arroz nos rios Tejo e Sado Historiografias demasiado simplificadas têm (re)desprovido as pessoas escravizadas e os seus descendentes de qualquer papel histórico transformador; porém, alguns autores, como Judith Carney, Edda Fields-Black, Peter Wood e Daniel Littlefield, colocam o movimento de pessoas escravizadas da África Ocidental no centro de transferências tecnológicas e alterações agroecológicas associadas ao cultivo de arroz no continente americano. No lado europeu do Atlântico, esta linha de investigação não foi ainda desenvolvida. Propomos uma hipótese de pesquisa que procura superar a divisão colonial natureza-sociedade e o que tal implica de objetificação acrescida da pessoa negra escravizada, uma vez reduzida à sua condição metabólica. O nosso estudo contribui para uma abordagem crítica da história socioambiental do/a subalterno/a nas sociedades esclavagistas. A história largamente desconhecida do arroz no Sado e no Tejo está ligada à história por contar das pessoas negras escravizadas em Portugal. Este artigo oferece uma primeira formulação destas conexões.

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18.02.2021 | por Joana Sousa, Manuel Bivar, Miguel Carmo, Pedro Varela e Ricardo Ventura

Reforçar os alicerces: contra o apagamento da memória

Reforçar os alicerces: contra o apagamento da memória Os acontecimentos destes últimos seis anos deram uma maior acuidade às observações de Gilroy. Simultaneamente, tornaram cada vez mais evidente que, não obstante o progresso real alcançado, as tentativas de manter privilégios baseados na desigualdade estrutural e sistémica, no tocante à classe, ao género ou à raça, se tornaram ainda mais obstinadas. Tentativas que vão de mãos dadas com os esforços, inúteis, mas devastadores, de negar a História e impor o apagamento da memória.

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18.02.2021 | por Paulo de Medeiros

Carta de apoio a Mamadou Ba e ao anti-racismo político em Portugal

Carta de apoio a Mamadou Ba e ao anti-racismo político em Portugal Nas últimas semanas, tem havido uma escalada das tensões políticas em Portugal, na sequência de manifestações públicas de organizações de extrema-direita que também ameaçaram ativistas. A 11 de agosto, Mamadou Ba e outras nove pessoas (ativistas anti-racistas, antifascistas e LGBT deputadas e líderes sindicais) receberam um email enviado por um movimento neonazi que os ameaçava, e às suas famílias, que, caso não abandonassem o país em 48 horas, haveria consequências.

Mukanda

17.02.2021 | por vários

De um “lugar de dor”, esta curta-metragem resgata as mulheres

De um “lugar de dor”, esta curta-metragem resgata as mulheres “Ressignificar” é o resultado de um projeto criativo que aliou a arte ao desenvolvimento humano. Da autoria de Iolanda Oliveira, esta curta-metragem, selecionada para o Festival Horizontes e para o Lift-OFF Sessions, é um elogio ao universo feminino, sem pretender determiná-lo, porque «uma mulher é pura imensidão»; um trabalho que tenta “trazer consciência para algo muito puro que nos habita e transcende qualquer pressão de imagens ideais e modos de estar em relação, proliferados pelos mass media”. Iolanda Oliveira, formada em artes plásticas, estuda atualmente psicologia, e este projeto é resultado da sua vontade de fazer a ponte entre estas duas áreas e de, “através da arte, conseguir trabalhar temas sobre o desenvolvimento humano.”

Afroscreen

16.02.2021 | por Flávia Brito

Ventura e o Apocalipse Betinho

Ventura e o Apocalipse Betinho Com demasiada facilidade surgem diabolizações várias do povo de Ventura. Ignorante, rude, pagão, iletrado, associal, infiel à memória histórica de Abril, etc. Os passos desta caricatura são tão curtos que acabam por dizer tanto acerca de quem os diz como de quem pretendem retratar: Ventura enquanto projeção dos demónios da metrópole. Do outro lado, ainda outra caricatura: Ventura, qual flautista de Hamelin, leva para fora da polis os deserdados da esquerda. Versão obreirista: a esquerda “pós-moderna” traiu a classe. Versão cosmopolita: famintos de cultura e estado social os pobres correm para os braços do seu carrasco.

Jogos Sem Fronteiras

16.02.2021 | por Luhuna de Carvalho

Dias vagarosos, sem vagar

Dias vagarosos, sem vagar Viver o isolamento social e o decretado estado de emergência num espaço aberto e rural, acompanhando a agitação diária da infância, contradiz, e quase que insulta, o filme de terror sem autor nem nacionalidade, a que assistimos sete dias por semana, 24 horas por dia. Partilhar os dias com uma menina de três anos — feliz por ter os pais só para si e com as alegrias próprias à idade — torna esta experiência bela, onírica e plena de contradições. Respiremos, pois, os que ainda podem, durante o filme.

Mukanda

14.02.2021 | por Marta Lança

A curadoria do desconforto

A curadoria do desconforto No seu livro, Applebaum reproduz uma conversa telefónica em que Stenner lhe disse que “a ‘predisposição autoritária’ que identificou não é exactamente a mesma coisa que uma mente fechada.” ​“Seria melhor descrita”, explica, “como uma mente simplória: as pessoas costumam ser atraídas por ideias autoritárias porque a complexidade as incomoda. Não gostam da divisão. Preferem a unidade. Uma ofensiva repentina de diversidade — diversidade de opiniões, diversidade de experiências — deixa-as irritadas. Procuram soluções numa nova linguagem política que as faça sentirem-se mais seguras e protegidas.” Os populistas conhecem bem esta psicologia e é com base nela que constroem as suas tácticas: alimentam o desconforto e o medo e com poucas mensagens, curtas e simples, “vendem” segurança e protecção.

Jogos Sem Fronteiras

12.02.2021 | por Maria Vlachou

Philipp Hartmann: «enquanto existirem pessoas determinadas a lutar pelo cinema, este sobreviverá»

Philipp Hartmann: «enquanto existirem pessoas determinadas a lutar pelo cinema, este sobreviverá» No final o cinema sempre sobrevive. A minha esperança e otimismo, o qual tentei depositar no filme, é que enquanto existirem pessoas determinadas a lutar pelo cinema ou demonstrar o seu grande amor por ele, este sobreviverá. Pode ser um ato de resistência, e seguramente o é, mas espero que seja o caminho do sucesso na luta. Mas agora, com a pandemia, a situação será mais complicada, porque depende do nosso regresso à “normalidade” e de quanto ajuda os Governos estarão dispostos a dar para os proteger, ou os salvaguardar, quem sabe, de uma próxima pandemia.

Cara a cara

12.02.2021 | por Hugo Gomes

As cores do racismo português: do colonialismo à actualidade

As cores do racismo português: do colonialismo à actualidade Se num período inicial os filósofos ou os autores de livros de viagens elaboraram representações raciais, foram depois os médicos e os cientistas, especialmente antropólogos físicos, a contribuir para essa concepção. Algumas das teorias raciais produzidas anteriormente e em outros países foram adaptadas às populações ultramarinas portuguesas. A política definiu categorias e a ciência engendrou estratégias para apoiar. As cores de pele escuras estiveram associadas ao feio e negativo e as claras ao bonito, inteligente e positivo. Umas foram identificadas com quem era dominado e outras com quem dominava.

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11.02.2021 | por Patrícia Ferraz de Matos

Questões raciais no debate cultural

Questões raciais no debate cultural Em que medida a presença de artistas negros apenas em exposições destinadas ao tema não geram uma dupla reificação: uma redução do artista e de sua obra a apenas um aspecto de sua identidade? É suficiente reunir a produção de artistas negros, apenas por sua etnia? Ou, ainda, a redução de uma exposição à discussão racial não acaba por perder de vista uma série de singularidades formais e conceituais diversas, além de especificidades de linguagem e da especificidade desse assunto dentro da produção de cada artista?

Palcos

11.02.2021 | por Leandro Muniz

N’gamabô

N’gamabô É costume ver-se inúmeras pessoas agrupadas na rua durante qualquer horário do dia e da noite simplesmente a falar, trocando ideias ou jogando jogos de mesa. Crianças de todas as idades a praticar desporto durante várias horas seguidas. Crianças construíam bicicletas da madeira desde raiz. Inacreditável. Crianças a brincar com fisgas. Lembro-me de pensar, esta felicidade não tem comparação. Algumas destas diferenças culturais provinham certamente da minha subconsciente postura etnocêntrica, muito forte na adolescência. A viagem ajudou-me a ser mais humilde comigo próprio e com os outros e, além disso, a perceber as diferenças entre seres humanos idênticos mas diferentes em tanta coisa.

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10.02.2021 | por Álvaro Amado

Jean Michel-Basquiat em Como Ser um Artista

Jean Michel-Basquiat em Como Ser um Artista Jean Michel-Basquiat não era um fã de entrevistas e, nas raras ocasiões que se rendeu às mesmas, suas respostas foram breves e um pouco enigmáticas. Apesar disso, as palavras do artista revelam muito sobre as suas inspirações e o seu processo consumidor. Elas oferecem uma janela à sua abordagem, no qual ele fez uma mescla de referências entre história de artes, ruas de Nova Iorque nos anos 80 e o tumulto da cultura pop com a sua herança caribenha e a sua identidade como um jovem homem negro.

Palcos

09.02.2021 | por Alexxa Gotthardt

Desenterrando a esquecida história da escravatura em Lisboa

Desenterrando a esquecida história da escravatura em Lisboa Apesar da importância da escravidão na formação de Portugal e do seu império ultramarino, esta horrenda história da submissão “negra” é completamente abafada na memória pública lisboeta. Em contraste ao (recentemente criado e bem tardio) Museu da História e Cultura Afro-Americana nos EUA ou ao Museu Afro-Brasileiro em São Paulo, Brasil, não há museus deste género ou um memorial público de condenação tal como em Nantes, França. Mais recentemente, apesar de tudo, um museu de escravatura foi criado no histórico mercado negro “Mercado de Escravos” no sul de Portugal, no porto de Lagos, o qual é considerado o primeiro local de troca comercialde escravos africanos na Europa. No entanto, Lisboa permanece ainda largamente calada face ao seu legado de terror branco e cativeiro negro.

Cidade

04.02.2021 | por Yesenia Barragan

Arquivo de Identidade Angolano: uma associação feminista e descolonial

Arquivo de Identidade Angolano: uma associação feminista e descolonial Têm quatro anos de existência e centram o seu trabalho no diálogo e na acção para mais igualdade e justiça das pessoas LGBTQ+ em Luanda. Para isso partem de dinâmicas feministas negras e descoloniais para a criação de redes de acção e solidariedade. Esta abordagem já tem ecos junto das instituições do Estado como o Ministério da Justiça em Angola para a criação de uma agenda pela igualdade e respeito pelos direitos humanos das pessoas LGBTQ+. Líria de Castro é a activista angolana que dirige a AIA e falou-nos dos desafios da organização do colectivo AIA em tempos de pandemia.

Corpo

04.02.2021 | por André Castro Soares

"As festas de quintal, o fazer conversa, a beleza no dançar e no andar", entrevista a André Castro Soares

"As festas de quintal, o fazer conversa, a beleza no dançar e no andar", entrevista a André Castro Soares A kizomba veio nas bagagens dos africanos, que em finais dos anos 90 do século passado fizeram de Lisboa a cidade das suas vidas. A kizomba parece ter vindo do ambiente das festas de quintal de Luanda e Angola, mas claro que veio em jeito de passada de São Vicente ou da Praia, de Cabo Verde. Ao juntarem-se nas discotecas africanas em Lisboa e nas festas africanas nas universidades portuguesas a kizomba começa a entrar no léxico dançante das pessoas que visitavam estes espaços. Muitas das discotecas latinas tinham momentos de kizomba, o que também ajudou a levar o género um pouco à boleia da salsa e da bachata da República Dominicana.

Palcos

04.02.2021 | por Marta Lança

O maravilhoso 1972

O maravilhoso 1972 Este álbum faz-me regressar a um passado sonhado com uma visão e uma identidade muito fortes. Vejo-o como uma das obras mais marcantes da música portuguesa e da cultura de Angola, com uma estética vanguardista que ainda hoje se manifesta global, progressiva e contemporânea em todo o seu esplendor. Sem barreiras ou amarras, assumindo todas as culturas como matriz de todos os tons e ritmos, todas as cores e dialectos, onde a primeira brincadeira de infância, a primeira lembrança, a tradição, surgem traduzidas com alma, honestidade intelectual e pureza estética.

Palcos

02.02.2021 | por Paulo Flores

A história e protagonistas da música afro-portuguesa

A história e protagonistas da música afro-portuguesa A relevância da participação negra em Portugal nas mais diversas áreas – incluindo a música – remonta já a várias centenas de anos, mas raras vezes é articulada nas narrativas públicas dominantes. Não se trata, naturalmente, de os negros em Portugal não terem voz ou não se encontrarem presentes no quotidiano do país. Trata-se, isso sim, muitas vezes, de falarem sem serem considerados, de verem sem serem vistos, de cantarem sem serem escutados – pelo menos, fora de uma esfera cultural tendencialmente mais circunscrita.

Palcos

30.01.2021 | por Inês Nascimento Rodrigues

Patrice Lumumba, 60 Anos Depois

Patrice Lumumba, 60 Anos Depois No dia 30 de junho de 1960, na cerimónia de proclamação de independência do Congo, houve três discursos: do rei Baudouin da Bélgica, antiga potência colonizadora, do Presidente do Congo, Joseph Kasavubu, e de Patrice Lumumba, primeiro-ministro, este último, numa intervenção não prevista no protocolo inicial. Foi um discurso curto de cerca de doze minutos, escrito numa linguagem acessível e incisiva, performativa e visual, um discurso que, como defende o historiador Jean Omasombo Tshonda, “funda o Congo independente”. Os primeiros oito minutos são a mais clara definição do que é o colonialismo do ponto de vista de um continente, de um país, de uma comunidade, de uma pessoa.

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30.01.2021 | por Margarida Calafate Ribeiro