Sankofa: “Acredito que a poesia falada pode curar"
Artivista e feminista, Sankofa tem desenvolvido a recitação interventiva ou spoken word como arte para a reflexão crítica, ao mesmo tempo que dá apoio jurídico em defesa dos direitos laborais das trabalhadoras domésticas em Luanda.
Vi e ouvi a poetisa Sankofa, pela primeira vez, na Casa Rede, em Luanda. A força poética e política da sua poesia deteve-me por semanas e não me saiu da cabeça. Artivista, feminista, Sankofa tem desenvolvido a recitação interventiva ou spoken word como arte para a reflexão crítica. Com a sua companheira Hitila fundaram o projeto “Lugar de Fala Dela”, que foi premiado no dia 1 de janeiro de 2021 pela Academia Neoafricana, organização juvenil dos países de língua portuguesa, na categoria “100 jovens mais da lusofonia”.
Tem formação jurídica e trabalha na defesa das trabalhadoras domésticas em Luanda que são alvo de um conjunto de opressões ainda legado das práticas coloniais. A palavra poética e política como forma de cura e de resistência e o apelo à inclusão de mais vozes e estórias de um país em ambiente pós-colonial. Os “ventos da igualdade”, poema com assinatura de Sankofa, estão a passar por Luanda.
Fala-me um pouco do surgimento do movimento de recitação interventiva (em inglês spoken word) em Luanda?
O spoken word ou a palavra falada surgiu em Luanda por volta de 2004, pelo Lukeny Bamba com o evento Artes ao Vivo. Surgiu como uma forma diferente de se apresentar a literatura oral. É claro que antes de 2004 outros declamadores tinham essa forma de fazer a poesia falada.
Era mais declamação de poesia já existente. Não era uma poesia preparada para a intervenção? Que importância tem essa forma de declamação mais “clássica”, digamos assim?
Eu admiro e respeito muito os declamadores tradicionais, principalmente porque a arte é para todo o tipo de pessoas e os nossos dons e talentos são distribuídos de forma diferente, mas cumprem o mesmo objetivo que é a literatura oral. Eu nunca tive entoação para respeitar os padrões da palavra ou da literatura declamada. Com a existência do spoken word consegui compreender que o que eu faço é literatura oral de um modo diferente, mais política. Pena é existirem jovens angolanos que chamam o spoken word de “lixeiratura”. Enquanto estamos a lutar, há jovens da mesma faixa etária, no Brasil, a Miriani Pregrino fez uma tese de doutoramento baseada no spoken word feito em Angola.
Ou seja, há conflitos em torno da forma e não do conteúdo da poesia performada, é isso?
Exatamente.
Achas que se respeita pouco a diversidade de práticas artistas em Luanda?
Sim. Existe uma dificuldade de alguns ditos críticos literários de respeitar e compreender a diversidade artística. Acreditam que os artistas devem ficar fechados dentro de caixas de conceitos e padrões. Uma das respostas a isso é: a sociedade grita e chora! E não dá para conter os clamores de uma sociedade. Se descrever os clamores de uma sociedade na minha estrutura e na minha arte fazedora de “lixeiratura” eu prefiro fazê-la livre e feliz!
Porque é que este tipo de performance tem um potencial político e ativista no contexto angolano?
O spoken tem várias formas. Desde o ativismo político até ao ativismo ligado à liberdade sexual e o ativismo religioso. Há slamers que fazem poesia sacra mais ligada à revolução no seio das práticas religiosas. Tu podes ter um declamador mais ligado à sua prática religiosa, com um texto a questionar o pastor, do porquê dos dízimos e para onde vão os dízimos.
A parte artística consiste em fazer os textos de uma forma que eles não pareçam só discursos políticos, ralhetes ou reclamações. Principalmente aqui, no contexto angolano, onde há uma facilidade muito grande em sermos mal interpretados.
A recitação poética interventiva pretende a mobilização?
Sim. É isso. O slam é a batalha de spoken word. O que aconteceu na Casa Rede foi uma apresentação de spoken. Foi um evento de spoken word. A batalha vai ter sempre 16 a 20 artistas, que no momento da batalha são slammers e apresentam o seu texto. Depois o público vai dar uma nota de acordo com o impacto que a palavra teve em si.
As pessoas vibram imenso? Como te sentes em palco? Como sentes o público?
As pessoas vibram por uma questão simples. Todos nos identificamos com cada linha de cada fala. Lá na Casa Rede, o momento que deixou as pessoas ao rubro e quase o prédio vinha abaixo foi a fala: “se no Cunene há seca por causa da estiagem, em Luanda é a chuva que te seca na paragem”. Todo o mundo em algum momento e por alguma razão já enfrentou uma paragem de táxis cheia (também conhecidos como candongueiros). Então, ouvir um artista no palco a dizer algo que parece simples, mas que todo o mundo passa, identificar-se com isso, dá a sensação de reconhecimento.
Porque é que começaste a escrever poesia?
Primeiro de tudo, a palavra falada é terapia, é o meu mecanismo de escape. Uma forma de expressão. Subir ao palco para mim é um processo terapêutico. E depois tem outras linhas de poesia em que podes transmitir uma forma de ver e de viver diferente.
Diferente como?
Diferente do que estamos habituados a ter no dia-a-dia. Quem vai para um evento de spoken,sem saber o que é esta arte, já vai um bocadinho entediado. Ah é poesia… eu a pensar no que vou fazer mais logo e, às 15 horas, estás a convidar-me para ouvir alguém a dizer “eu amo-te Maria”. Não quero. E quem vai para um evento de spoken, tem uma pessoa no palco a contar as mesmas dores e a apresentar soluções que se calhar não foram pensadas por aquela pessoa.
São momentos de reflexão coletiva?
Sim. A reflexão começa no artista para a plateia.
Porque é que achas que esses momentos são mobilizadores, em Luanda?
Por regra temos estado a fazer a maior parte das nossas apresentações nas comunidades.
Fala-me do vosso podcast “Lugar de Fala Dela”?
O podcast começou como um momento de lives em tempo de pandemia durante o confinamento. Para não enlouquecermos, criamos um ciclo de eventos de microfone aberto animados por mim e pela Hitila Vanice, que fundou comigo a dupla Ela. Um jovem, que prefere não ser identificado ouviu e pensou que poderiamos fazer um podcast. Então convidou-nos a levar o “Lugar de Fala Dela” para este formato e que está disponível nas várias plataformas digitais.
Quando eu disse que preferíamos as rodas de conversa nas comunidades, é porque muitas vezes os artistas parecem longe da realidade de quem os ouve, quase que inalcançáveis. Eu a Hitila, sempre que possível vamos acompanhar as atividades da Associação Nfulu Amuana (berço, na língua Quicongo) que tem a sua sede ali na comarca de Viana para levar a nossa arte às mulheres daquela comunidade. A ideia é “deselitizar” a literatura oral. Porque, para alguém que vive em Viana, tem sérias dificuldades de ir a um evento que acontece na Casa Rede, às 19 horas. E depois voltar para casa, que representa um risco, principalmente se fores mulher. O próprio lugar onde acontece o evento artístico pode funcionar como uma forma de bloqueio ao acesso. Depois os custos, a quantidade de táxis que vai ter que apanhar, as horas na paragem, enfim, complicado.
O que nós pretendemos com o “Lugar de Fala Dela” é ir ao encontro destas mulheres para aprender com elas e passar um pouco do nosso conhecimento e a nossa forma de arte.
Porque é que isso faz sentido em Luanda? Por ser uma cidade fragmentada.
Tu tens os acessos centralizados e em Luanda acabamos por excluir as pessoas menos favorecidas de coisas simples como a liberdade de conhecimento artístico. Vou dar um exemplo bem simples, a maior parte dos museus fora o Museu da Escravatura, estão no centro da cidade. E uma criança que mora no Bengo (província a norte de Luanda) em que momento vai conhecer o Museu da Moeda que está na Marginal de Luanda? Em que momento é que os pais, que provavelmente trabalham fora do Bengo, das 8 às 17 e devem sair de casa pelas 5 da manhã e regressam às 20 horas a casa? Em que momento haverá tempo para a educação cultural, para estas mulheres ou adolescentes?
Fica tudo muito longe do alcance das pessoas, devido à dificuldade de mobilidade. Isto sem falar que já tens as paragens cheias com a dificuldade de sair de um ponto para o outro. Ainda temos a falta de fiscalização dos “expressos da corrida” de táxis em que o taxista vai subir o preço do percurso de táxi para o dobro. Para uma pessoa que já sai da periferia com o dinheiro contado não consegue movimentar-se, até mesmo para ir à escola.
As mulheres são mais afetadas?
Infelizmente sim. Já tivemos em situações piores. Se fores para um bar à noite e olhares para as mesas tu vais ver que tem mais homens do que mulheres. Se tiver mulheres, estão acompanhadas de algum homem. Ou é a empregada que serve às mesas. Raríssimas vezes terás mulheres a andarem de forma independente. Não há uma estrutura que te deixe segura em Luanda.
Há um conjunto de bloqueios à liberdade, é isso?
Há um conjunto de bloqueios que dificultam a liberdade, o sentido de segurança e liberdade das mulheres em Luanda.
Daí privilegiarem o acesso de mulheres à vossa arte?
Sim. Eu e a Hitila temos feito o trabalho desse modo. Tanto que vamos participar agora no Jango Cultural, com o apoio do coletivo feminista Unidas Somos Mais Fortes que é um evento que toda a renda, ingressos, t-shirts, feira, será revertido para o fundo de apoio emergencial para as mulheres vítimas de violência doméstica. E também para as mulheres vendedoras ambulantes do Sambizanga e do bairro escondido de Talatona (zona sul de Luanda com muitos condomínios fechados). Aquele bairro que está atrás dos prédios e condomínios e que as pessoas fingem não ver.
No teu Instagram tens um poema chamado “Ventos de Igualdade”. Qual foi a motivação para escreveres esse poema?
Ventos de Igualdade foi escrito para mostrar que é possível ser tudo que a sociedade diz que não podemos ser. Para nos ajudar a vermos que de alguma forma é preciso respeitar o facto de que nem todos vão defender as mesmas bandeiras, mas que isso não torna as pessoas más, pecadoras e menos boas. Agora ocorre-me que o principal objetivo do poema é dar um estalo na cara de quem se acha detentor da razão. E obrigar essas pessoas, sim, a questionarem-se. Até um certo que eles defendem não é só um errado contado diversas vezes da mesma forma. Ou até onde a verdade que eles pregam não é só uma mentira contada diversas vezes da mesma forma. A ideia é que os ventos de igualdade cheguem a quem é budista, cristão, espírita, hinduista, LGBTQ+ e que se aceitem como são. Os outros que não entendem e que não aceitam que se resolvam.
No fundo colocas o problema na pessoa preconceituosa?
Sim. E não nos devemos oprimir por causa dos problemas dos outros.
Tu trabalhas a tua arte a partir de um olhar feminista e descolonial. Consideras que essa discussão é importante em Angola e no continente africano? Porquê?
Sem desprimor para quem pensa o contrário, eu considero essa discussão importantíssima em Angola. Isso porque a maioria das pessoas desta terra que é Angola, ainda se vê presa pela matriz colonial e pela razão imperial. Na construção dos meus textos eu tento passar a ideia de que precisamos de virar os conteúdos de cabeça para baixo. É necessário rever o que se pensa sobre o saber, como se pensa a história ou as estórias e recuperar os modelos de conhecimento, de produção do saber, de transmissão de experiências de uma geração para outra e incluir outras vozes para escrever outras histórias. Só assim vamos deixar de perpetuar o modelo imposto pelo Estado colonial e o sujeito branco burguês.
Queres explicar um pouco essa ideia de branco burguês. Uma figura alimentada ideologicamente e que permanece nas mentalidades em Luanda?
Nas mentalidades e visível nas estruturas publicas, instituições públicas como Ministérios, organizações. Há uma debilidade no acesso humanizado. Eu na Universidade fui inúmeras vezes chamada à atenção pelos contínuos e mandada por eles para o pólo das engenharias, porque não me vestia como estudante de Direito. E fui reprovada, também, porque não me vestia como estudante do curso de Direito.
Queres exemplificar melhor isso, o “vestir à estudante de Direito”?
Oficialmente eu teria que ir para a Universidade de saia social, terno ou ao menos colocar uma calça lisa, camisa dobrada ou uma blusa fina, ou um vestido. De preferência com estampagem africana ou de cor lisa e eu ia de calça jeans, às vezes rasgada no joelho, t-shirt ou uma camisa xadrez com as mangas dobradas e outras vezes até de calção abaixo do joelho. Porque diziam que não podíamos colocar roupas acima do joelho. E, de acordo com a estrutura de uma sociedade maquilhada e segundo as leis da burguesia a forma como te vestes dita o teu lugar social.
E tu nunca correspondeste a essa expectativa?
Não. Reprovei, prefiro confirmar a cadeira noutro período. Mandavam-me para as engenharias pelo corredor da esquerda eu passava pelo da direita. No final do dia estava na sala de aula ou na biblioteca como queria.
Mas isso impede-te de avançar. Numa sociedade com tantas desigualdades há pessoas que ficam para trás com esses mecanismos de repressão social.
Sim. E muitas vezes são obrigadas a alterar e fazer como o sistema exigia. Porque no regulamento da Universidade em algum documento tinha essa implicância. E também recebi conselhos de estudantes de alguns anos mais avançados para colocar a roupa certa de uma estudante de Direito. Duas horas para chegar à Universidade, entra num táxi e noutro, tenho de andar à minha vontade. Ser jurista não é imagem. Infelizmente, enquanto não mudarmos esta visão vamos continuar a ter lideranças de fato e gravata e não líderes políticos de facto. Pessoas que não vão ter consciência que foram eleitos para servir o povo e não para servir-se do povo.
Tu és jurista e trabalhas muito na defesa dos direitos laborais. Achaste que era a trajetória mais indicada para mitigar as injustiças?
Sim. Tenho razões muito extensas para essa escolha profissional. O conhecimento do Direito constitui uma necessidade permanente quer para as trabalhadoras quer para empregadores. Infelizmente os empregadores, no seu departamento de recursos humanos, de acordo com a minha experiência nesses anos, têm pessoas não lidam com matéria de direito e não têm formação jurídica. Consequência disso é que a aplicação das normas vai ficar complexa, acabando por cometer erros gravíssimos. Coisas simples como o direito a férias. Tu chegas a ter trabalhadores que estão há três anos numa empresa e nunca tiraram férias. Muitos trabalhadores acham que isto é normal. A entidade empregadora nem se dá ao trabalho de comprar as férias ou de perguntar de negociar essa possibilidade. E diz, olha se queres trabalhar mantém-te cá. Se não vai-te embora. E, por desconhecimento, aquela pessoa vai mesmo embora. Legalmente tem direito a essas férias não gozadas, tem direito ao subsídio de aviso prévio, tem direito ao subsídio de natal pago na ordem dos 50%, quando o que muitas entidades empregadoras fazem é pagar apenas 25%. Isto porque muitos trabalhadores não conhecem o cálculo.
Cabe a mim enquanto jovem informar outros jovens angolanos qual é o dever ser no dia a dia da jornada laboral. Até onde a entidade empregadora pode avançar e até onde é exploração.
Achas que o mundo laboral em Luanda e em Angola é um lugar de exploração que leva a instabilidade social? A cultura do chefe não tem aqui um papel de vulnerabilidade dos trabalhadores? Um ambiente tóxico?
Sim, tem a cultura do chefe na vertente do “eu sou o chefe e não interessa o nível de formação que tenho, vocês estão aqui para obedecer”. Tem também a cultura do chefe na vertente de nos esquecermos de que somos humanos e nos deixarmos coisificar ao ponto de engraxar o sapato de quem lidera.
A cultura da bajulação?
Sim. A mudança passa sempre pela educação. Só tendo conhecimento de que o trabalho é a venda das nossas horas e que o empregador não está a dar mesada ao trabalhador nem está a fazer um favor é que podemos alterar essas lógicas de exploração. As pessoas podem sempre vender as suas horas para outra entidade empregadora, sem ficarem com receio de serem prejudicadas de várias formas.
Segundo, a estrutura e a forma como o MAPTSS (Ministério da Administração Publica Trabalho e Segurança Social) atua tem beneficiado a rápida resolução dos problemas laborais extrajudiciais com arbitragens em benefício do trabalhador. Apesar de que, desde a aprovação da lei 7 da Nova Lei Geral do Trabalho, encontrarmos alguns recuos numa legislação que tende a favorecer os patrões. Eu, fazendo parte desta geração, quero mudar isso passando pela educação jurídica e laboral, indicando caminhos.
Trabalhas em alguma associação laboral?
Faço parte da AAPROTED - Associação Angolana de Proteção do Trabalhador Doméstico, que são os trabalhadores mais deixados de lado.
Só há pouco tempo é que existe uma lei que enquadra o trabalho doméstico?
Sim, só há muito pouco tempo. Temos focado o trabalho no cadastramento, distribuição de cartilhas, assessoria para um contrato de trabalho como deve ser, com direito a férias, 13º mês pago, subsídios de segurança social e explicar ao trabalhador doméstico para que servem esses descontos e que benefícios trazem. Porque há uma certa resistência em compreender a importância de descontar para a segurança social. Quando o trabalhador vê os seus direitos feridos, ao ter contacto connosco, nós conseguimos indicar os caminhos para a resolução do litígio extrajudicial. Ou, se o empregador se mostrar resistente, avançarmos com o patrocínio judicial desses trabalhadores com a colaboração da Ordem dos Advogados de Angola, aqui já na barra dos tribunais.
Mais uma vez as mulheres são mais afetadas?
Sim, infelizmente. De sábado a sábado ali, sem hora de descanso, muitas vezes com mais 8 horas de trabalho, com atividades que excedem as suas funções. É preciso ter em conta que se queres uma arrumadeira, não podem fazer de bábá sem aviso prévio. Sem remunerar de acordo com as horas acumuladas. E para piorar uma jornada de mais de 8 horas de trabalho, sendo que depois tem de ir para a casa dela e cuidar dos filhos e mais o esposo. É uma luta a entidade empregadora perceber que por exemplo no regresso a casa aquela pessoa precisa de um seguro de trabalho.
Achas que a poesia pode curar feridas sociais?
Na verdade a poesia sempre teve um papel de cura para as sociedades e para os ouvintes. Aqui em Luanda e para o norte do país podemos ver que ao longo da história verificamos a presença de contadores de histórias e curandeiros que no sentido amplo usam a palavra como fim de ajudar as sociedades e orientá-las. Eu acredito que o spoken pode curar sim, porque o artista é um fazedor de opinião. Desse modo, outras pessoas identificam-se e começamos a refletir na nossa forma de ver e de viver. A palavra de um poeta raramente é jogada ao vento.
Achas que há liberdade em Angola?
Acho que hoje há um bocadinho mais de liberdade de expressão. Há uns anos atrás essas ativdades não eram possíveis. Mesmo o Artes ao Vivo passou por alguns problemas de “censura”. Eu comecei a acompanhar em 2013 e até 2016 estavam no Chá de Caxinde. Chegavas ao evento passado um tempo e diziam “vocês não podem ficar mais aqui por ordens superiores”. Fomos para o Bahia e passado um tempo “hoje não vai haver evento, têm de sair daqui por ordens superiores”. Algumas vezes acabávamos por fazer os eventos na rua. Porque não queríamos de deixar de levar a palavra falada.
Agora já não tens isso. Tens a Joyce Nzau que é slammer, bem como a Nzola Kuzedima, que têm textos que viralizaram com uma componente crítica e política muito forte e elas conseguem caminhar sem obstáculos e ameaças.
Em 2017 um dos meus poemas, “Falar”, viralizou e o tema era uma denuncia à suspeita de fraude das eleições presidenciais. E não sofri represália nenhuma. Então, já estamos melhor.
Artigo originalmente publicado por Esquerda.net a 06.04.2021